Blog do Pedro Hauck: dezembro 2015

28 de dezembro de 2015

Expedição Corona Del Inca

A província de La Rioja na Argentina é o fim ou o começo do altiplano andino, uma vasta região geográfica acima dos 4 mil metros onde despontam alguns dos maiores vulcões do mundo. Trata-se de uma das regiões mais remotas e fascinantes do mundo que nos últimos anos tenho me dedicado a explorar e desvendar seus mistérios.

A região da Corona Del Inca é certamente uma das mais impressionantes da Puna, como é popularmente chamado o altiplano. Tal “corona” nada mais é que uma gigantes cratera vulcânica que é circulada por 7 montanhas acima dos 6 mil metros, dentre elas a terceira e a quarta mais alta de todos os Andes (Bonete Chico e Pissis).

Há muito tempo quero realizar uma ascensão nestas montanhas. Em 2006, a primeira vez que passei aqui perto de carro, eu não tinha exatamente um carro para fazer isso. Era um GM Corsa, que mesmo que muito valente não pode chegar num local tão exigente. Na segunda vez, com Waldemar Niclevicz, passamos aqui diante de uma mega tempestade e não tínhamos tempo de esperar o tempo melhorar. Na terceira vez era inverno e mesmo que o objetivo fosse tentar a ascensão de algum 6 mil, não teríamos conseguido chegar perto, devido o excesso de gelo no chão.

Mesmo assim, nesta ultima vez, estive bem perto. Pois o recém batizado Vulcão Parofes fica a poucos quilômetros a Leste do Bonete Chico, que é o que será a cereja do bolo desta expedição. Esta montanha, com seus 6800 metros foi a ultima, dentre as 10 mais altas dos Andes a ser escalada, fato que só ocorreu em 1978, depois que, por exemplo, todos as montanhas de 8 mil metros no mundo já tinham sido escaladas. Este ano, inclusive, foi o ano que o homem pela primeira vez escalou o Everest sem oxigênio. Mas por aqui estavam somente conhecendo esta remota região.

Meus companheiros nesta empreitada serão:

Vinicius Vieira: Tem 33 anos, já foi com a gente para o Cordón Del Plata, Aconcagua (2x), Ojos de Salado, Huayna Potosi, Parinacota e Sajama, além de ter feito o curso de escalada em rocha.
Paula Kapp: Tem 35 anos, já foi com a gente para o Cordón Del Plata, Huayna Potosi (2x), Illimani, Sajama, Ojos Del Salado.
Greissy Caminsky: Tem 34 anos, foi minha aluna do curso de escalada em rocha em 2008, já fez cume no Plata, Pequeno Alpamayo e Huayna Potosi.

As dificuldades que iremos enfrentar será a altitude, o frio extremo, o isolamento, a falta de estradas e necessidade de saber dirigir 4x4, ter um bom carro 4x4, ter um sistema de previsão de tempo e muita força, pois tudo aqui é gigante.

Devido a exigência desta expedição, não pude abrir para pessoas com menos experiência. Isso sem falar que aqui não tem boliviano e nem sherpa. É tudo a gente que tem que portear e também temos que estar bem na direção, pois as aproximações 4x4 são fundamentais e muito exigentes.

Com tanta montanha, nossa ideia é simples: Escalar o maximo que der!

Acompanhe aqui esta nova expedição. Veja onde vamos estar ao vivo através do rastreador SPOT

Vista para o maciço do Bonete Chico em Novembro de 2015 

25 de dezembro de 2015

Descida do Vulcão Parofes e retorno à civilização


Após uma noite com sono estranho, acordei cansado e não levei muito tempo em colocar a barraca e tudo mais dentro da minha mochila e começar a partir. Fui com o Jovani pelo mesmo caminho que a ida, apenas cuidando mais para não precisar atravessar os vales que dissecavam a vertente do cordão de montanhas que se alinhavam do Pissis ao Nacimiento Del Jague, vertente essa que tínhamos que costear logo após vencer o passo que cruzava o portesuelo destas montanhas.

Ainda que caminhando lentamente pelo cansaço acumulado destes 2 meses, fomos ganhando terreno com rapidez e logo que notamos já estávamos no vale mais profundo, que foi o primeiro da ida, cujo qual foi a maior dificuldade do começo da aproximação. Novamente costeando com cuidado e tomando atenção para não resbalar no gelo, vencemos este desafio e fomos parar no alto do vale que ia direto ao acampamento “Mar Del Plata”. Cujo caminho tive muitas dúvidas se estava correto ou não, pois o GPS estava sem pilha e a vota é sempre diferente da ida. 

Minhas duvidas, no entanto, se solucionaram quando, dobrando numa curva do vale, encontro Maximo mexendo o Troller do Jovani. Cabeçudo como sempre, Maximo quis explorar outro vale (o que está referenciado no site Rumos) e ele chegou antes da gente.

Ao acercar, ele se assusta com a surpresa da nossa chegada e nos dá boas noticias. Finalmente boas depois de tanto perrengue. Ele diz que mais abaixo está o Jonson Reynoso com Rubem Barrera, um dos donos das caminhonetes abandonadas e a montanhismo Colo, de Mendoza, junto com ele. 

Apenas para situar os ocorridos, havia no acampamento, ao lado de nosso carro, duas caminhonetes Hilux que estavam abandonadas lá desde 25 de Março de 2015, quando houve uma grande tormenta de neve que impossibilitou os donos de sair dali dirigindo. Um deles, o Rubem, estava ali resgatando seu carro. O outro, o professor da escola de guias de montanha de Mendoza, Marcelo Acosta, morreu antes disso acontecer.

Foi uma epopeia que eles viveram. Eram 10 pessoas que tiveram que sair dali caminhando com neve na cintura. Levaram 5 dias para fazer 70 km e foram resgatados por um helicóptero. Durante todo este tempo Marcelo não tinha informações sobre seu carro. Em Setembro, outro carro que estava nesta situação, o da inglesa Marion Brown, ficou destruído pelos ventos, sem vidros e com pintura fosca.

Por sorte, as caminhonetes ali ficaram protegidas do vento e nada demais aconteceu com elas, mas mesmo assim tinha muita dificuldade em dar a partida nelas e por que não dizer, também no Troller, que ficou por lá 2 noites.

Após muita tentativa, conseguimos dar partida nas caminhonetes, mas o diesel no tanque virou um gel e ele não queimava. Então começou a segunda odisseia, tirar os carros dali.

Fizemos uma chupeta no Troler e demos a partida. Já estávamos com a Hilux do Jonson, então decidimos rebocar as caminhonetes, o que foi um pouco difícil. Mesmo assim andamos uns 15 km, até chegar perto de um lago onde começamos a fazer gambiarras para tirar os carros de lá dirigindo.
Como o problema era o diesel no tanque, improvisamos um segundo tanque de diesel com bidões de combustível que colocamos no tanque. Demoramos cerca de uma hora em fazer um sistema que tirava o diesel do tanque e levava ao motor com mangueiras de jardim. Deu certo!

Eu fui no carro com Rubem Barrera e Jonson foi dirigindo o carro do falecido Acosta, dirigindo, diga-se de passagem, no cacete. Enquanto isso Rubem ia devagar, pois cada loma na estrada fazia que perdesse combustível que caía no parabrisa.

Não foi nada fácil dirigir naquela condição, ainda mais que era necessário passar por lugares que estava interrompido com neve e que foi necessário muita perícia na direção e muito stress. Mal acreditei quando conseguimos passar pelo ultimo lugar que tinha gelo. 

Com missão cumprida, fui para o banco de passageiros do jipe do Jovani e com um piloto bem experiente, acabamos finalizando o resto do caminho 4x4 com bastante rapidez e chegamos em Fiambalá por volta das 10 da noite, a tempo de comer qualquer coisa e ir dormir no camping Paraíso, dormir profundamente sabendo que havíamos escalado a montanha virgem mais alta dos Andes.

No dia seguinte começou nossa epopeia de retorno ao Brasil. Infelizmente meu ar condicionado parou de funcionar, mas ainda bem conseguimos cruzar o norte da Argentina. No mesmo dia passamos por Catamarca e subimos uma serra na frente da Capital que é muito bonita, andando por estrada de terra e chegando a Santiago Del Estero, onde fomos dormir.

No outro dia chegamos até Ituzaingo, ao lado do rio Paraná e de lá chegamos tarde da noite em Curitiba, para ver minha querida Maria depois de 2 meses ausente, que saudades!

Pensando sobre a expedição

Eu tinha muitas expectativas sobre esta expedição. Achei que pelo tempo disponível eu poderia escalar muito mais, fazer umas 10 montanhas de 5 mil metros virgens e ainda chegar no meu 6 mil metros de número 40. 

Infelizmente não foi possível fazer tudo isso. O clima foi impiedoso, com muito frio e imprevistos. A fronteira fechada impediu que fossemos e voltássemos e no final fiz menos que podia e passei muitas dificuldades. Pra começar todo o tempo esperando arrumar o carro porque o anti congelante congelou, depois as incertezas do tempo ruim com frio e vento. Sem falar a saudades da Maria. Não é fácil ficar distante.

Mesmo assim fizemos 8 montanhas de 5 mil metros, das quais tenho certeza que no mínimo 2 receberam a primeira ascensão e outras tantas a primeira ascensão depois dos incas. Além disso fiz mais 4 montanhas de 6 mil metros, das quais 3 foram primeiras ascensões brasileiras e uma delas foi a segunda ascensão absoluta, que foi no Sierra Nevada. Além disso, a conquista do Vulcão Parofes foi simplesmente a ascensão da montanha virgem mais alta dos Andes.

Então acredito que apesar de todo o sofrimento foi uma viagem que esportivamente valeu muito a pena, mas mal deu tempo de ficar um pouco em casa e curtir a mulher e meu negócio na loja AltaMontanha. Mal tive tempo de escrever aqui estas experiências e cá estou nos Andes outra vez.

Escrevo este texto, finalizando esta experiência no que chamei de “Expedição Exploratória Montanhas dos Incas” e já começo outra, a “Expedição Corona del Inca”, que não é mais uma expedição exploratória, embora tal lugar seja muito pouco explorado.

Não sabe o que é a Corona Del Inca e onde fica? Fique ligado aqui e verá....

Gambiarra na caminhonete do Rubem Barrera. Tanque de combustível no capô.

As duas caminhonetes que foram resgatadas.
Fim de expedição no camping Paraíso.



14 de dezembro de 2015

A conquista do Monte Parofes, a (ex) montanha virgem mais alta dos Andes


Frio, muito frio. É isso o que eu mais me lembro da caminhada de aproximação ao Parofes. Montanha que até aquele momento gelado sequer nome tinha e sequer sabíamos como ela era. O Vento forte batia na cara, fazendo o gelo salpicar no rosto, chegando ao ponto que era impossível falar e entender quem estava a seu lado.

Soubemos da existência desta montanha por uma pesquisa de sensoriamento remoto utilizando dados topográficos da NASA e os códigos em linguagem Pyton que a Suzie Imber criou e rodou em um supercomputador. Na pesquisa com os locais, ninguém sabia desta montanha. Ela não tinha nome e não tinha sequer uma foto, de tão remoto que era. Na prática era um terreno desconhecido. Obviamente sem trilhas e sem rastros. Tínhamos aquilo que georreferenciamos no GPS, que ficava do outro lado de um cordão de montanhas que seguia paralelamente ao cordão principal do Pissis, composto pelo Pissis Leste e o Nascimiento del Jagüe. Teríamos que atravessar um passo entre estas montanhas, mas para isso seria necessário cruzar inúmeros vales secos que eram oriundos deste cordão e que dissecavam a Puna.

Caminhada de aproximação por terreno desconhecido.
Os ventos vinham de oeste e carregavam neve que se acumulavam nas vertentes leste de todas as depressões e vales. Estava cansado, pois com o tempo que tardamos em decidir se iríamos ou não para a montanha, demoramos em sair e já começamos a caminhada precisando comer algo, o que tardamos em fazer. Isso mais o vento e o frio me deixou muito debilitado. E desta maneira cheguei a um ultimo vale que de tanta neve acumulada havia cornizas. Sem querer eu levei um tombo e fui parar direto onde Maximo nos esperava, onde ficamos assistindo o Jovani fazer o mesmo. Se tivesse lugar para acampar, teria ficado ali mesmo.

Parada para nos abastecer de energia com leite condensado mesmo.

Sequencia de fotos do Jovani caindo na corniza.

Continuamos neste vale, que se tornou uma canaleta e ao sair dele, direto no passo que deveríamos cruzar, fomos novamente açoitados pelo vento, que quase tornou impossível nossa delicada missão de ficar em pé. Só era possível tirar os apoios dos bastões de trekking entre uma rajada e outra e nessa delicada situação progredimos até ficarmos protegidos pelas vertentes do Pissis Leste, uma vertente oriental, evidentemente coberta de neve, em que realizamos uma diagonal até chegar a um ponto onde havia uma descida até um anfiteatro, onde ficava um bom local para acampar.

Nosso destino naquele dia era chegar a uma lagoa, mas ela ficava há 5.5 km dali e ainda teríamos que cruzar outro passo. O local em que estávamos acampando, no entanto, dava acesso a outro vale que fazia um caminho em linha reta até o vulcão sem nome, atravessando outro passo, mas encurtando caminho. A dificuldade é que no caminho mais curto o desnível era maior. Mas deixaríamos isso para o dia seguinte, o dia do cume, que iríamos chegar sem mochilas pesadas nas costas.

Acampamento base do Monte Parofes.
Montei minha barraca individual e logo me instalei. É uma barraca protótipo que trouxemos da China com o propósito de vender na loja, mas nunca conseguimos fazer a importação por causa dos altos impostos e da alta do dólar. Ao meu lado se instalou o Maximo e o Jovani na velha barraca Mountain Hardwear de 2 pessoas. 

Enquanto eles preparavam o jantar, que era um macarrão sopa horrível, eu cheguei a dormir na barraca. Até neguei comida quando ela ficou pronta, mas sabia que precisaria de energia para o dia seguinte. Nem preciso dizer que o rango estava horrível, mas era o que tinha. Na pressa de sair de Fiambalá, não levamos nada fresco e só tínhamos coisas em pó industrializado, tudo ruim.

Ao sair da barraca, depois do jantar, um tolete de neve que acabara de precipitar caiu do teto da barraca. O tempo estava péssimo e o vento carregava vento consigo, deixando tudo muito frio. Os poucos passos de uma barraca a outra foram congelantes, mas fiquei quente de raiva ao abrir minha barraca e ver que tudo estava branco por dentro.

O maldito vento carregou neve em pó que de tão fina passou por baixo da saia da barraca e atravessou as telas de tecido, sendo depositadas em cima de meu saco de dormir e todas minhas coisas. Por sorte o frio era tão grande que ela não derreteu em nenhum momento e nada molhou, mas diante deste problema tive que me espremer na outra barraca e ter uma noite péssima.

Subindo vale com ventos brancos nas costas.
Em três, a condensação dentro da barraca foi muito grande e acordamos cobertos de gelo com estalactites se formando no teto.  Comemos qualquer porcaria, nos hidratamos e saímos um pouco tarde do acampamento para ir ao cume. Felizmente o ditado que diz que depois da tormenta vem a calmaria se tornou realidade. O céu estava azul e havia pouco vento, pelo menos naquele momento.

Ingressamos no vale que tinha como destino o passo que atravessava para o planalto de onde emergia o vulcão Parofes. A subida foi tranquila, com ventos brancos batendo nas costas, mas bastou chegarmos ao passo e começar a descer as encosta para o outro lado que começaram os ventos chapiscando gelo no rosto.

Descendo para o planalto em local com bastante neve e vento branco. O falso cume do Parofes é a montanha que aparece na direita da foto.

Vista para o Bonete Chico desde o primeiro paso.

Vista para o falso cume, Parofes cume verdadeiro fica atrás e não se vê daí e o Bonete Chico.

A encosta era nevada, obrigou ter cuidado, pois não estávamos com crampons, mas bastou chegar no planalto que as coisas ficaram fáceis, mas com muito vento, novamente quase nos jogando no chão!
No meio deste planalto se eleva o cone vulcânico de um subcume do Parofes, o qual bordejamos pelo Leste, felizmente nos protegendo dos terríveis ventos. Neste momento fiquei para trás e custei alcançar o Jovani e o Maximo. Era nítido meu desgaste por 2 meses de escalada com tempo ruim.

Tão logo eu os encontrei e já começamos a cruzar outro passo, que deu na base do vulcão. Naquele momento eu achei que o subcume do Parofes que havíamos bordejado era o cume de fato, imagine quando eu vi o cone verdadeiro, imenso, em minha frente, tendo que descer até um vale para começar a subir no outro lado. Sem ter o que fazer apenas pensei: _”No pain, no gain”.
Cone vulcânico do Parofes. 

Costeamos um vale e saímos numa canaleta de detritos na face norte, por onde entramos e começamos a ascensão digna de um vulcão: Uma única pendente pronunciada e cheia de “acarreos”, que vencemos passo a passo buscando rochas maiores, e mais pesadas, que não descessem montanha abaixo cada vez que pisávamos nela. 

Eu sequer olhava para cima. Apenas focava no lento progresso, pensando que logo todo aquele esforço ia acabar e começaríamos a voltar, o que na verdade já deveríamos estar fazendo devido à hora avançada do dia. Eis que após penosos e incontáveis passos chegamos a um topo plano, circulado de pequenas protuberâncias. Mais forte, Max foi conferir e voltou com a cara amarrada: 
_ O cume é ali... apontou para o oeste. 

O cume é ali! Momento um pouco depois que avistei o cume verdadeiro do Parofes, já em um local protegido do vento. Teríamos que descer para depois subir.

A imagem que vi foi a pior possível:  O cume era outra elevação. Ele se levantava de outra puna, cerca de 500 metros em linha reta do cume que estávamos, o que significava que teríamos que descer e subir mais um morro.

_ Não velho, vai você, eu não aguento mais. Te espero aqui. Disse eu a Maximo que retrucou:
_ Desistir o cara.... vamos aí, levanta. Jovaniiiiii, vamos p.... , anda! 

Ainda que não tenha sido um tom motivacional, levantei e fui como um moribundo me equilibrando das congelantes rajadas de vento que açoitava mais que todas as vezes anteriormente.

Não me recordo quanto tempo levei para realizar uma travessia até o ponto de descida, mas recordo que a subida foi realizada protegido por uma crista que impedia os violentos ventos. No pouco tempo que estive mais exposto ao frio, minha barba grudou na bandana e tive dor de ouvido. Eu nunca vi um vento tão frio e poderoso!

Mas voltando aos momentos finais, paramos abaixo de uma pedra protegido do vento para esperar o Jovani que vinha atrás, mas acabei não esperando e fui à frente, pois estava muito ansioso para ver o cume e ver o que dava para ver do cume.

E de fato a vista era fantástica. Estávamos na frente da quarta montanha mais alta dos Andes, o Bonete Chico, ao lado do terceiro, o Pissis. Também dava para ver o Peñas Blancas, Gemelos, no horizonte o nevado Famatina e o pouco conhecido Colanguil ao Sul. Foi uma visão magnífica que tive que guardar na memória em pouco tempo, pois o frio e o vento me impossibilitaram de curtir o que eu via.

Cansado, me sentei no chão e comecei a pegar as pedras que havia perto para fazer um amontoado, onde dentro deixei uma caixa com alguns escritos em homenagens ao Parofes. Gritamos, comemoramos, pois não foi fácil chegar lá e merecíamos nos exaltar. 

Apesar de tudo, tinha total ciência de que estava somente no meio do caminho, que era tarde e não dava para perder tempo. Pior que isso é que o GPS estava quase sem bateria, não tinha mais sequer um gel carboidrato e estávamos quase 20 km da barraca.

Cume do vulcão Parofes.

Maximo e Jovani fazendo uma "apacheta" no cume do Parofes e deixando uma caixa com homenagens.

O cume do vulcão Parofes. Ao fundo o complexo do Pissis.

No cume do Vulcão Parofes

No cume do Vulcão Parofes, a montanha virgem mais alta dos Andes em 2015.

Parofito no cume!


Infelizmente não pudemos ficar curtindo muito. Logo começamos nossa penosa marcha contra vento, descendo da elevação final do cume para chegar ao falso e de lá retornar à grande planície de onde o maciço principal do vulcão se elevava.

Andamos o mais rápido impossível, mas desta vez não seguimos o caminho da ida, onde o tínhamos que atravessar um passo muito alto. Ao invés disso, fomos pelo caminho georreferenciado pela lagoinha que deveríamos ter acampado e que estava completamente congelada. 

Com ritmos diferentes, acabamos nos distanciando um do outro, mas sem nos perder de vista. Por ali, o passo era mais baixo, mas não insignificante. Maximo e Jovani foram pelas laterais para evitar um trecho de gelo, mas como eu estava muito cansado, decidi parar, colocar o crampon e seguir direto sem hesitar. Perdi distancia entre meus companheiros, mas ao chegar ao topo do passo, acabei me deparando com o lusco fusco do fim da tarde e não consegui mais ver ninguém.

Neste momento ouço o Maximo me chamar pelo rádio:

_ Pedro, Pedro, Pedro. Você viu o Jovani? Cadê o Jovani?

A pergunta se repetiu, mas ao tentar responder o radio desligava. A bateria havia acabado! E pior, onde estava mesmo o Jovani?

Num misto entre desespero e sobriedade, parei para colocar a lanterna na cabeça, mas acelerei o passo. Onde estava Jovani?

O céu escureceu e neste momento um faixo de luz apareceu no horizonte.

_ Jovaniiiiiiiiiiiii. Esperaaaaa! Gritei.

Mas ao invés dele me esperar, ele andava num ritmo mais forte que eu e mesmo que gritasse, ele nada fazia. Então eu apenas apertava o passo e quando tinha fôlego gritava.

Após vários minutos (não sei quanto), consigo estabelecer uma conversa.

_ Jovani, cadê o Maximo? Pergunto gritando.

_ Eu não sei! Ele responde.

Aliviado com a solução de um problema, mas sem me importar com o outro, pelo menos fiquei feliz em compartilhar minha angustia com alguém.

Não sabíamos onde estávamos. Sem GPS, sem comunicação e sem luz sequer da lua, pois era noite de lua nova. Pelo relevo ao redor, pensei que estava no vale inicial que começava em nosso acampamento, então fiz o mais obvio possível: Descer.

No entanto, apesar de muito parecido, este vale tinha mais neve que o vale que pegamos para atravessar o primeiro passo em direção ao Parofes. Ele era mais estreito também. Através do relógio do Jovani, vi estávamos numa altitude baixa que o acampamento. Será que o GPS estava errado? Sem ter certeza acabamos seguindo o achometro e continuamos descendo, até que as suspeitas de que estávamos errados nos fez parar de novo.

Entre uma ou outra conclusão lógica, decidimos voltar ao local que nos perdemos. É o mais recomendável de tudo. Voltar ao zero para depois progredir. 

Eu não sei de onde tirei forças. Depois de mais de 15 horas caminhando na altitude, sem ter comido bem, desidratado, cansado e desorientado, conseguir subir o vale que acabáramos de descer. Desliguei a dor, a preocupação, o medo e tudo mais e apenas foquei em mover um pé na frente do outro. Foi uma concentração tão forte, que não faço ideia de quanto tempo demoramos até chegar ao local que nos perdemos e lá achar o feixe de luz da lanterna do Maximo que vinha em nossa direção com chá quente.

Ele acabou apertando o passo para chegar ao acampamento com luz do sol e quase que não consegue achar as barracas na escuridão. Por sorte ele fez isso, senão iríamos passar a noite no relento frio, açoitados pelos ventos brancos que violentamente nos machucava com sua força fora do comum. Era impossível olhar para frente, pois o gelo entrava pelo capuz do anorak e se concentrava no pescoço. Olhando para chão e volta e meia tendo que se segurar para não cair no chão com a força do vento, encontramos com dificuldade as barracas. 

Eu não parei para comer. Apenas desejava meu saco de dormir e minha barraca, nem liguei que poderia ter neve lá dentro, entrei e dormi. Fiquei aliviado, pois como tudo o que fizemos encontramos dificuldades extras, pensei que pelo menos uma das barracas pudesse ter voado com os ventos, mas elas estavam lá! 

Foram 16 horas de atividades extremas com dificuldades do começo ao fim onde sempre estivemos a beira de tudo dar errado. Nunca tive tanto azar numa montanha que supostamente era para ser trivial. Devido à falta de dificuldades técnicas.

Não foi fácil homenagear o Parofes. Até parece que ele não quisesse que nós fizéssemos esta ascensão, pois tudo o que pudesse dar errado deu. Pouca comida, vento branco, frio extremo, fim da bateria do GPS, do rádio, noite de lua nova e vento, vento e vento. Congelante vento.

E ainda teríamos que voltar para o carro, fazer ele pegar e cruzar 90 km de off Road para chegar num lugar seguro...

10 de dezembro de 2015

A caminho do Monte Parofes


Após todo o perrengue na aduana, para atravessar do Chile para a Argentina, tiramos um dia sabático em Fiambalá para descansar e arrumar as coisas, que estavam uma bagunça. Foi um dia tranquilo e ensolarado que passamos no Camping Paraíso, que tem este nome não por acaso. Com gramado grande e churrasqueira, jogamos tudo no chão para limpar e organizar enquanto assávamos um bife de Chorizo. Estes momentos são muito importantes na expedição.

As notícias, no entanto, não eram boas. Para chegar até o Parofes, que até este momento não tinha sido nem escalado e nem batizado, pois não tinha nome, deveríamos chegar até perto do acampamento base do Pissis, que é a terceira montanha mais alta dos Andes. No planejamento achei que seria fácil, pois estive lá em 2013 e a estrada, de 90 quilômetros de terra, estava muito boa. Entretanto, como este ano tudo estava diferente, fomos alertados pelo Jonson Reynoso que dois ou três pontos de neve obstruíam o caminho e desde 25 de março ninguém ia ali e que inclusive o local estava tão difícil de ser acessado que as caminhonetes da expedição que estava ali para escalar o Pissis naquele fatídico dia de Março ainda estavam lá abandonadas, sem que ninguém soubesse o estado delas.

Como já sabíamos das dificuldades, deixamos o Conway estacionado no camping e fomos para a montanha somente com o Troller do Jovani, que com pneus gigantes, estava melhor preparado pelas perrengues que iríamos enfrentar.

Subimos a Ruta 60 e após 90 km de estrada de asfalto tomamos a estrada à esquerda que entra no meio da Puna em direção ao Pissis, que são outros 90 km. O começo desta esta estrada é a subida por um vale longo, cheio de zig zags. Nada difícil, mas já havia neve.

Após este trecho inicial, chega-se à Puna, caindo na bacia fechada onde fica a Laguna Aparejos, em um lugar já extremamente árido que parece uma paisagem marciana. Cruzando este planalto, entramos em um vale mais encaixado onde encontramos o primeiro trecho de neve no fundo do canal seco. Com pericia, Jovani dirigiu pela vertente, deixando o carro inclinado, mas sem capotar.

Mas na Puna a vitória nunca é fácil sem lutar. 500 metros após o primeiro trecho encontramos o segundo trecho com neve que era muito pior. Havia um vale com subida mais pronunciada e totalmente impedida, nem tentamos, pois seria como atravessar um oceano sem se molhar.  Ao invés disso tentamos achar outro caminho por uma pendente íngreme, copiando a técnica usada na primeira travessia, mas desta vez com uma queda muito maior, claro que desistimos.

Mas havia um vale adjacente que tinha manchas de neve dispersas. Como estas manchas estavam derretendo, o substrato estava bastante molhado e já na primeira tentativa o carro afundava na lama. Tomamos mais embalo, mas aí o carro não conseguiu superar o gelo. No meio entre tantas tentativas construímos um caminho pelo meio do barro e neve. Fazendo o carro gritar com a alta rotação, o Jovani conseguiu passar na ogrísse.  Ufa! O sentimento de medo passou por um instante.

Dali em frente continuamos seguindo a estrada rumo ao Pissis, contornando os vários trechos de neve, fazendo nosso próprio caminho. Até mesmo nos trecho por onde andávamos na antiga estrada passávamos por dificuldades. Este caminho estava excelente em 2013, logo após ele ter sido reformado por uma moto niveladora. Em 2015 o cenário era bem diferente. O derretimento da neve erodiu muito a estrada e era preciso muita perícia no 4x4.

Já era quase fim de tarde e a ansiedade aumentava por estarmos chegando perto do acampamento Mar Del Plata, que é campo base do Pissis, onde estavam os dois carros abandonados desde o dia da grande tormenta de Março de 2015. Fomos avançando com precaução até que dois potinhos metálicos no horizonte ficaram próximos e fomos pessoalmente conferir.

Apesar de estarem há 6 meses abandonados, os carros estavam em bom estado. Somente um deles tinha um pneu murcho. Estavam com muitos equipamentos dentro, sorte sermos nós os primeiros a chegar ali, pois se alguém estivesse lá antes, poderiam saquear os carros. Ligamos para Jonson do telefone satelital para contar a novidade e já fomos preparar o acampamento. Fazia muito frio.

Durante o jantar, quando Maximo foi tirar água do macarrão, houve uma tragédia e toda a comida foi para no chão poeirento do acampamento. Neste momento percebemos que estávamos curtos de comida. Na ânsia de ir fazer logo a montanha, acabamos indo Light and Fast demais e quase não pegamos comida e pior, nos baseamos em porcarias.

A noite foi muito gelada, mas dormi bem. Ao acordarmos, fomos conferir o carro do Jovani e vimos que havia um gelinho verde no chão. Parecido com uma “raspadinha” era o anti congelante congelado.  Nesta viagem já havíamos sofrido com anti congelantes. Na Sierra de Aliste o aditivo do Jovani congelou e rachou o radiador do óleo e a válvula termostática. Ficamos com frio na barriga, com medo que pudesse ter outro problema novamente. Revisamos todo o carro e não achamos nenhum problema grave. No entanto não conseguimos fazer ele pegar.

E não tentamos fazer o carro dar arranque mais, pois com o frio que fazia, poderíamos arriar a bateria. Estávamos com muito frio na barriga. O que fazer? Deixar o carro ali, com a possibilidade dele congelar mais? Ou tentar fazer ele pegar e voltar à Fiambalá? A dúvida pairou por nossas cabeças e os carros abandonados há 6 meses ali ao lado eram o exemplo do que acontecia quando um carro tinha algum problema naquele fim de mundo.

Eu estava muito cansado, mas não queria abandonar o que poderia ser a “cereja do bolo” desta expedição. No entanto, o Jovani ficou bastante preocupado, pois era o carro dele em jogo. Não era um carro barato e sei que ele trabalhou como um cão para poder comprar o Troller e reformar ele. Mas fomos lógicos. Sabíamos que nos próximos dias o tempo estaria melhor, também sabíamos que depois que abrimos o caminho, o Jonson iria buscar os carros abandonados. Teríamos um dia melhor e ajuda para fazer o carro pegar.

Assim, decidimos continuar e escalar o Parofes, mesmo que o dia estivesse com o tempo péssimo.
E assim, com as mochilas nas costas, começamos nossa aproximação, desviando o caminho normal do Pissis e entrando em um vale que aparentemente não dava a lugar nenhum, mas levava à montanha sem nome mais alta dos Andes.

:: Continua...

Laguna Celeste parcialmente congelada. Muito frio na ida para escalar o Parofes.

Avistando os carros abandonados pela primeira vez.

Maximo ligando para Jonson avisando que os carros estavam bem.

Jovani e os carros abandonados há 6 meses na Puna.

Dia seguinte ao amanhecer. Tudo branco e congelado.

Verificando o carro congelado.

Estado do liquido anti congelante.

3 de dezembro de 2015

Barrados mais uma vez no Paso San Francisco


Duas semanas atrás uma tormenta despencou sobre a Puna do Atacama, pintando a paisagem de branco e claro, fechando a estrada internacional que liga o Chile à Argentina. Estivemos no olho do furacão naquela ocasião e por conta disso descemos até Copiapó. No entanto, como diz o ditado, depois da tempestade sempre vem o a calmaria e os dias que se passaram foi de sol e calor. 

Com bom tempo finalmente depois de tanto tempo ruim, pudemos aproveitar e escalar bastante. Primeiro fizemos o Vulcão Copiapó de 6050 metros de altitude com a Suzie, Caio, Jovani e Max. Depois fomos só eu o Jovani e o Maximo para o remoto Vulcão Patos de 6288 metros. De lá fomos ao mais remoto ainda Sierra Nevada de Lagunas Bravas (6137m), onde começamos a ligar do telefone satelital para saber se o paso abriria. Ainda escalamos mais outra montanha virgem e sem nome de 5068 metros de altitude só pra enrolar enquanto esperávamos, até que percebemos que não fazia sentia a gente estar escalando montanhas acima de 5 e 6 mil metros por que uma estrada que está a 4 mil está fechada pelo mal tempo!? Não foi à toa que demos o nome desta última montanha de “Paso Cerrado”, uma crítica à altura ao que estava acontecendo.

Ainda nesta expedição tivemos que esperar por duas oportunidades a abertura do Paso San Francisco. A primeira demorou o mês de setembro quase inteiro e na segunda foi quando não permitiram que o Jovani fosse ao Chile. Nesta última já havíamos fica revoltados e fomos até a aduana argentina nos encontrar com ele, onde por nossa surpresa não encontramos uma manchinha de neve sequer na estrada. 

Estava claro que algo que não era o acúmulo de neve dificultava a reabertura da fronteira toda vez que ela fechava, mas ainda não conhecíamos os procedimentos para reabilitação do passo para ter certeza.  Fomos até Maricunga, na esperança que o passo pudesse abrir naquele dia. Aliás o tempo estava perfeito há mais de 15 dias e já não havia nenhuma abaixo dos 5 mil metros.

Chegamos à aduana e demos de cara com ela fechada. Fomos falar com o carabineiro que estava de guarda e a resposta era aquela que temíamos: O PASO ESTÁ FECHADO!

Perguntamos se haviam máquinas trabalhando para limpar a estrada, mas ele não sabia dizer. Perguntamos também se havia uma previsão e ele também não soube dizer. Apenas dizia que era normal o paso fechar e que devíamos voltar a Copiapó e fazer uma viagem de 2500km para atravessar para a argentina por outro lugar. Absurdo! 

Para piorar a situação, a gente não tinha combustível suficiente para fazer os quase 300 km de distância dali a Copiapó. Também não tínhamos pesos chilenos, o que tornava temerosa a possibilidade de ir até onde dá com o tanque de combustível e esperar uma carona. Primeiro porque não passa ninguém no deserto, depois porque se tivéssemos sorte em conseguir carona, precisaríamos ir até o centro da cidade, trocar dinheiro, ir a um posto de combustível, comprar diesel, tentar uma carona para voltar para encher o tanque com o que fosse possível carregar e rezar para que isso fosse suficiente para voltar à civilização. Não, não fazia o menor sentido estar numa situação de risco como aquela.

Pegamos o telefone satelital e começamos a ligar para os consulados e embaixadas para conseguir ajuda. Ligamos para a embaixada da Inglaterra, Argentina e Brasil, mas claro que só a inglesa fez algo. O telefone do governador de Atacama tocou bastante naquela tarde.

Quando conseguimos incomodar as autoridades, começamos a ter explicações do que acontecia. Descobrimos que havia uma empresa privada que estava asfaltando a estrada internacional e em todo o tramo em que ela tinha a licitação para trabalhar estava limpo. De acordo com o governo, esta empresa tinha que fazer a limpeza de toda a rodovia, mas de acordo com eles não. E nesta queda de braço a estrada ficava fechada por meses, até que o sol e o vento derretesse tudo.

Com as nossas ligações o governador de Atacama decidiu fazer algo e ordenou que dois técnicos subissem até o paso para ver como estava a situação. Descobrimos que mesmo depois de 15 dias, ninguém havia ido até a fronteira para ver o estado da estrada. Tal função é feito por uma empresa de engenharia terceirizada. Eles saiam de Copiapó e faziam os quase 400 km de lá até a fronteira para ver se tem neve na estrada e voltam. Impressionante o desperdício, mesmo com carabinero, Sistema Agrícola Ganadero, Policia de Investigaciones e Aduana tão perto, sem fazer nada. A burocracia chilena fazia que engenheiros viessem de longe para avaliar, pois os outros profissionais que ficam ali em cima na fronteira não tem esta obrigação.

E o pior disso tudo é que a empresa de engenharia fica numa situação vulnerável, pois se eles permitem alguém passar pela estrada e ocorre um acidente, eles podem ser responsabilizados, por isso são extremamente exagerados nas avaliações, ou seja, se há qualquer nevezinha eles dizem que as condições estão ruins.

E não deu outra. Esperamos por horas pela tal empresa de engenharia subir e descer e dizer que o paso estava em más condições! Isso foi motivo para mais ligações e reclamações. Para desespero dos carabineros aqueles chatos iriam dormir lá com eles na aduana.

Mas não éramos chatos, não queríamos dormir ali e nem atrapalhar. Quem estava atrapalhando eram eles e suas regras absurdas. Queríamos apenas voltar para casa.

No dia seguinte, após tanta reclamação, o governador ordenou que uma moto niveladora limpasse a neve na estrada e por volta das 7 da manhã ela saiu de Maricunga para subir cerca de 120 kms onde estava a neve para realizar o serviço. A velocidade da máquina é de cerca de 30 km/h. Será que ela conseguiria limpar e voltar no mesmo dia?

Ficamos ali esperando e com o passar do tempo subiam mais e mais gente até a fronteira. Era hilário, quase 300 km de distância do posto de gasolina mais próximo e não havia uma placa sequer que o paso estava fechado. Era preciso subir até ali para descobrir. Percebi que isso ocorria todos os dias.

O tempo foi passando e a tensão só aumentava com as pessoas que iam chegando. Até que chegou um ponto, por volta das 14 horas, que o carabineiro decidiu pegar a caminhonete e subir para ver se seria possível atravessar naquele dia, pois não tínhamos esta informação ainda. Ele levou um telefone satelital Iridium e deixamos o nosso ligado, pois ele ligaria para dar as novidades. Ficamos felizes com a ajuda deste carabinero que estava se esforçando para ajudar. E de fato ele ligou uma hora depois dizendo que a estrada estava limpa e poderíamos atravessar a fronteira. Quando ele voltou, uma hora mais tarde, ficamos na expectativa de poder atravessar, mas ele não podia fazer nada.

De acordo com ele, mesmo sabendo que estrada estava em boas condições, o procedimento oficial requereria que o motorista da motoniveladora voltasse até Maricunga, ligasse para seu superior em Copiapó informando que o serviço estava pronto. Seu superior ligaria para o governador e este ligaria para o Carabinero, que estava na nossa frente e já sabia que a estrada estava aberta para que ele autorizasse que as demais pessoas na fronteira trabalhassem carimbando nossos passaportes para podermos ir. Mas quanto tempo levaria para uma moto niveladora que anda a 30 km/h andar 120 kms?

Ligamos novamente para o governador e acho que ele estava tão de saco cheio disso tudo que o telefone do carabinero não demorou em tocar para que os tramites se iniciassem o mais rápido possível.

Nem acreditamos quando entramos no carro e começamos a dirigir rumo à Argentina.  No caminho da volta pudemos ter certeza que o que fechava a fronteira era de fato a burocracia e não a neve, pois esta já tinha derretido e o trecho “limpo” pela moto niveladora poderia ser facilmente desviado.

Ainda demoramos um tempão na fronteira do lado argentino, onde pudemos abastecer o carro e seguir viagem. Fomos chegar a Fiambalá super tarde e cansados. 

Estava com muita vontade de ir embora, mas ainda faltava a cereja do bolo de nossa expedição. Uma montanha de 5845 metros de altitude que era a mais alta de todos os Andes que permanecia sem ascensões e sem nome. Será que conseguiríamos escalar?

:: Continua...

Trabalhadores da empresa que está reformando a aduana tiram sarro da situação, dizendo que podiam tirar a neva da estrada com uma pazinha de mão.

Senhor que ficou esperando com a gente. Diabético, ele poderia ter complicações de saúde, pois não tinha insulina. Imagine ele dormir no chão da aduana?

Complexo fronteiriço de Maricunga.



Carros esperando...
:: Continua...