Blog do Pedro Hauck: maio 2015

31 de maio de 2015

Escalando o Mercedário: Aproximação e aclimatação.

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O Cerro Mercedário se situa na mesma região geográfica do Aconcagua, que é chamada de “Andes Centrais”. Por isso as características da montanha são muito parecidas com o ilustre vizinho do Sul. Dentre estas características está o fato de que são montanhas formadas pelo cavalgamento de placas e que seus acessos de se dão pela penetração de vales, daí a necessidade de fazer aproximações à pé.

Apesar da longa pernada para chegar até o acampamento de onde sai para fazer cume, esta caminhada lenta e pesada montanha acima pode ajudar no processo de aclimatação, que é fazer com que o corpo de adapte às condições de baixa pressão e falta de oxigênio de altitudes elevadas.

O carro chega somente a 3600 metros em Laguna Blanca, onde passamos a primeira noite ao lado de uma casa em ruínas que as pessoas usam como refugio. A partir dali a rota segue pelo vale do rio Guanaquitos por uma antiga estrada mineira intrafegável, até que tomamos outro vale tributário que sobe a montanha por um lugar mais suave. Na junção entre estes dois rios fica o acampamento 1, Guanaquitos, 3900 mts.

Nosso primeiro dia na montanha foi bem leve. Começamos a caminhar após farto café da manhã. 

Carregávamos pouco peso, pois no começo contávamos com o apoio de Negro Villaroel, nosso arriero que carregou a maior parte da carga nas mulas. Assim, não demoramos em chegar em Guanaquitos e montar nosso primeiro acampamento. 

Como chegamos lá cedo, aproveitamos para subir mais o vale e apreciar a face Oeste do Mercedário e tentar encontrar o “Arroyo turquesa” um rio que nasce do degelo de um glaciar e tem uma cor clara como a água do caribe. Eis que no retorno de nossa caminhada, Maximo percebeu que faltava um bidão com combustível para fogareiro. Procuramos freneticamente, mas não encontramos. Havíamos esquecido o importante combustível! Sem titubear, peguei a mochila e o rádio e desci até o refúgio, procurando o galão. Tive certeza que ele não estava lá e acabei pegando o jipe e retornando a Barreal, onde cheguei por volta das 10 noite e encontrei o dito cujo na pousada. 

Passei mais uma noite na cidade e retornei ao amanhecer. Por sorte uma moto niveladora havia passado e liberado o barro da estrada. Assim foi mais fácil retornar ao acampamento a tempo de arrumar a mochila e partir para o acampamento superior. Desta vez com combustível. Este episódio apenas mostrou como numa montanha um pequeno detalhe pode estragar uma expedição inteira. Ainda bem pudemos corrigir o problema antes de ele ocasionar algo mais grave.

Após carregar as mulas e preparar as mochilas, iniciamos nossa caminhada pelo vale do Rio Blanco acima. O começo deste vale é muito bonito, com muito verde e bastante vida selvagem. Num momento até conseguimos avistar um condor. Como o Mercedário é muito menos frequentado que o Aconcagua, lá é possível ver também Guanacos, raposas e coelhos. 

No entanto, este verde não dura muito e uma centena de metros para cima já começa a imperar a paisagem periglacial, com muitas rochas soltas e antigos depósitos de geleiras que derreteram.

Acabamos por finalizar nossa caminhada diária estabelecendo acampamento num local chamado de Cuesta Blanca, a 4300 metros de altitude, que é até onde as mulas chegam. Passamos 3 noites ali. A primeira logo após chegarmos, a segunda após um dia de descanso e a terceira após um dia de porteio, que é o ato de carregar equipamentos a um local mais alto e voltar a dormir baixo. Uma estratégia bastante conhecida da aclimatação: Carrega alto e dorme baixo.

No quarto dia começamos a subir até Pirca de Incas. Este é um itinerário curto, mas com uma dificuldade inicial grande: Vencer a Cuesta Blanca! Esta é uma pronunciada vertente cheia de zig zags que os carregadores detestam. Para variar, fui junto com o Maximo e o Edu carregado de comida, panelas e barracas. Mesmo assim foi uma tirada sem problemas. Estabelecemos o acampamento em Pirca de Incas de maneira bastante confortável, até porque há uma boa fonte de água de degelo neste local, que tem este nome por abrigar ruínas de escaladores pré colombianos.

Novamente repetimos a estratégia da movida anterior. Descansa um dia, porteia outra e sobre no terceiro. Assim estabelecemos o acampamento mais alto do Mercedário, chamado de La Hoyada, 5600 metros.
Este acampamento fica na base de uma grande geleira, num local plano onde costuma nevar bastante. Estabelecemos um acampamento seguro e ainda descansamos um dia antes de atacar, aprimorando a aclimatação. Com a gente estava um alemão solitário e um casal com um argentino e uma francesa. Todos ficaram ligados na previsão de tempo do telefone satelital do Maximo e decidimos atacar o cume num mesmo dia.
O grupo inteiro: Edu Tonetti, Maurão, Edinho, Rose, Ana Licia, Paulão e Maximo.

Aproximação a Guanaquitos

Aproximação ao campo base e o Mercedário atrás.

Rose e Ana Licia

Maurão

Edu Tonetti

Paulão

As mulas do Negro Villaroel

Vale do rio Blanco e o Mercedário ao fundo.

Acampamento Guanaquitos

Arroio Turquesa.

Glaciar Caballitos.

Acampamento Guanaquitos.

Anda mula anda...

Caminho de Cuesta Blanca

Caminho de Cuesta Blanca
Acampamento Cuesta Blanca

Pessoal no acampamento Cuesta Blanca.

Café da Manhã vip.

Edinho, pra girar pratinhos.

Indo pra Pirca de Incas.

Indo pra Pirca de Incas.

Glaciar em Pirca de Incas

Anoitecer na montanha

Rose mostra madeira inca queimada.

O grupo indo para La Hoyada

Acampamento La Hoyada

Pôr do sol em La Hoyada.

27 de maio de 2015

Por que Barreal tem este nome? Dificuldade em chegar na base do Cerro Mercedário


A cidade de Barreal, localizada na província de San Juan, no Oeste da Argentina, é um destino pouco conhecido da maioria das pessoas, mas cada vez mais comentado entre os montanhistas, pois lá é a base do Mercedário, montanha de 6740 metros que é a oitava mais alta dos Andes. Além desta famosa montanha, Barreal dá acesso à cordilheira de Ansilta, com uma dezena de montanhas acima de 5 mil metros, além também de ter a cordilheira del Tigre, com mais montanhas menos conhecidas.

É por isso e mais outras que essa cidade é uma velha conhecida. Eu estive lá pela primeira vez em 2008, quando escalei o Cerro Ramada e o Negro. Mais tarde em 2013 retornei para fazer a normal do Mercedário e agora para realizar a mesma ascensão só que guiando pela Agência GenteDeMontanha, de Maximo Kausch.

Passei primeiramente pela cidade para acertar detalhes logísticos com o Mauro, um guia local que oferece vários serviços. Apesar acertar detalhes, fui a Mendoza, localizada ha 200 km dali para me encontrar com Maximo para depois retornar mais duas vezes. Uma para levar equipamentos e outra para levar os clientes definitivamente.

Falando neles, estávamos em 8 pessoas. Os guias eram eu, o Maximo Kausch e o Edu Tonetti, um brasileiro que mora na Argentina e que também é guia. Os clientes eram a Rose de Curitiba, a Ana Licia de São Paulo, Paulo de Juiz de Fora, Edinho do Rio e o Mauro de Porto Alegre. Deles, eu conhecia o Maurão que havia feito o curso de escalada em gelo com a gente na Bolívia e a Rose, que mora na minha cidade, Curitiba.

Uma reunidos, a expedição começa quando deixamos Mendoza para trás e começamos a subir os Andes pela Ruta 7, de volta a Barreal. Nesta expedição, optamos por passar uma noite na pousada do Mauro e fazer um churrasco. O Mauro, nosso cicerone, comprou o melhor corte da região e comemos como reis. Foi a melhor carne que comi na minha vida e o nome dela é: Punta de Espalda.

No dia seguinte começamos a carregar o jipe. Como o meu é pequeno, eu tinha que fazer duas viagens. Na primeira iria eu e o Maximo, na segunda os clientes dividimos no meu carro e no do Mauro. O dia estava bonito, com céu azul, não havia motivos para ter alguma preocupação à vista. No entanto, durante a noite choveu, coisa que não ocorre por lá muito a menudo.

Tomamos a estrada em direção à montanha, por uma estrada mantida por uma mineradora que por conta da crise, está com atividades limitadas. Ainda no começo da estrada, cruzamos com uma viatura da Gendarmeria argentina, nos avisando que o caminho estava cortado. Como sei que eles são alarmistas, não dei muita atenção. O caminho, no entanto, tinha muitas poças de água, o que não é normal.

Continuamos o caminho e passamos por um local que acredito ser um dos pontos mais críticos, a travessia do rio Colorado, que não tem ponte e costuma ter um volume de água grande. Desta vez, no entanto, estava tranquilo. Andando poucos metros, no entanto, nos deparamos com a primeira dificuldade da aproximação da montanha.

Em regiões semi áridas ou desérticas, a chuva acaba tendo um poder destrutivo muito grande. Sem vegetação para proteger o solo, a água remove a camada superficial da terra e transporta para regiões mais baixas. Imagine isso acontecendo numa montanha, onde as vertentes são mais abruptas e a água pode ganhar mais velocidade. Foi isso o que aconteceu e alguns pontos da estrada viraram "piscinas de lama".

Por sorte não estávamos sozinhos, pois havia ali um grupo de pescadores em caminhonetes 4x4 ávidos para acampar numa lagoa acima de nossa base na montanha. Com eles decidimos sair da estrada e começamos a procurar um caminho no meio de pastos próximos ao rio principal.  A dificuldade acabou nem sendo o caminho off road, mas sim os abre e fecha das porteiras de arame, que eram muitas. 

Infelizmente não conseguimos transpor todas as cercas e tivemos que voltar à estrada antes que acabassem todas as poças de lama. Depois de drenar a última, da melhor maneira possível, acabamos conseguindo passar e dali chegar à Laguna Blanca, onde há uma casa em ruínas que seria a base do Mercedário, foi uma questão de tempo e paciência. 

A estrada deixa o vale principal num determinado momento e começa a subir por um sistema de zig zags que em determinado momento era íngreme o suficiente para exigir a reduzida. Eis que neste momento, ao tentar acionar, percebo que não consigo. Acabei tendo que me virar no talento e assim cheguei a Laguna Blanca, onde despejei o Maximo e as bagagens e comecei o caminho de volta de olho no telefone satelital, pois nesta altura estávamos atrasados e acabamos por isso combinando com o Mauro dele fazer duas viagens até o cruzamento do rio Colorado.

Após nova seção de abre e fecha porteira, cheguei até o cruzamento onde o Paulo, a Ana e a Rose me esperavam. Aguardamos mais um tempo e logo chegou o Mauro com o resto do grupo para começarmos a ultima viagem em direção à base da montanha, tendo eu como guia entre os caminhos alternativos.

Novamente a seção de abre e fecha porteira e o uso de habilidades para conseguir passar a ultima poça de lama sem a reduzida. Nesta forma acabamos por chegar no refúgio, todos são e salvos e atrasados. Nos brindou um céu estrelado com bastante frio e um strogonoff especialmente preparado pelo chef Maximo Kausch. A expedição começou bem, com imprevistos e perrengue, mas contornando todos os problemas.

:: Continua

Cruzando o rio Colorado

Caminho off road

Cruzando as cercas para acessar a base do Mercedário.

Muito barro no caminho.
:: Continua

25 de maio de 2015

De Curitiba a Mendoza

Viajar do Brasil ao oeste argentino é um roteiro que percorro com certa frequência desde 2006. Em linhas gerais é uma viagem lenta até a fronteira, dado que as estradas brasileiras, ou melhor, paranaenses, são obsoletas, cheias de curvas e travessias urbanas com radares e lombadas. Os 560 km da minha casa até Bernardo de Yrigoyen, Misiones parecem ser 1000!

Na fronteira aquele ritual de sempre, comprar carta verde, assinar papel, trocar dinheiro e listo! hora de comer um bife chorizo.

Os primeiros 130 km em território argentino são uma continuação, praticamente, da estrada brasileira. Ruim, mal sinalizada, cheia de curvas e obstáculos. Isso até Eldorado. Lá pego a Ruta 12 e as coisas começam a progredir, mas isso fica pro dia seguinte, pois já é tarde... Como falei, estes quilômetros iniciais são curtos, mas demorados.

Passando Posadas por seu novo rodoanel, deixo Misiones para trás e começa uma nova província e uma nova paisagem. É Corrientes, com suas planícies intermináveis recobertas por campos que são pastagem natural para o gado argentino. 

Pampa argentina
Nos pampas a velocidade aumenta, mas as distâncias também. É necessário parar de tempos em tempos para abastecer o carro e tomar um café. Difícil ficar sem dormir numa paisagem tão monótona. Nestas paradas nos damos conta que apesar de tudo igual, é um lugar com muita vida, basta ver no para brisa e peito do carro repleto de insetos. Na próxima viagem lembrarei de levar esponja e sabão, pois é tanto inseto que de tanque em tanque é muito tempo com obstrução da visão.

No final da tarde, quando entra em ação os mosquitos, ouço um barulho de chuva. São os insetos sendo atropelados pelo carro. Estou em Santa Fé e já passei pela província do Chaco. Por ali passa o Paranazão e não por menos que seja a terra do “calor, humedad y los mosquitos”.

A noite chega. Saio da ruta 11 e começo a andar por estradas secundárias. Como sempre quero fazer caminhos diferentes para conhecer melhor por onde ando. Com isso somem os caminhões e posso andar mais rápido. Passo por uma bela cidade, Sunchales, que é onde fica a Sancor, grande empresa do ramo lácteo da argentina. Dali de estrada em estrada vou parar em Miramar, Córdoba, uma cidade balneária no centro do continente.

Noite longa
A laguna Mar Chiquita é um lago interior, sem saída ao mar. Ela recebe rios de vários locais, mas como lá tem um clima semi árido, há muita evaporação e por isso o lago nunca transborda para o Paraná. A água é salgada e o tamanho do lago é gigantesco. É como um mar mesmo!

Vou dormir num camping, dentro do jipe. Na chegada não encontro ninguém, na saída também. Argentino não acorda cedo...

Laguna Mar Chiquita

Laguna Mar Chiquita

Não obrigado, não gosto de água..

Rua de Miramar.
Na estrada a paisagem começa a mudar, dos campos úmidos para uma vegetação mais savânica. A divisa Córdoba x La Rioja é uma mudança drástica. Primeiro porque ela é em um salar, depois que o lado riojano do salar já é um deserto. É com esta paisagem de fundo que chego em Patquia, onde pego uma estrada sentido Oeste.

Ali começa a surgir um relevo mais movimentado. Escarpas de arenito colorido se destacam. Logo estou na entrada do Parque de Talampaya, mas não é lá pra onde vou. Tomando uma nova estrada, recentemente asfaltada, cruzo uma linda serra seca, com muitos afloramentos de rochas sedimentares impressionantes (inclusive falhados), que são de tirar o folego. 

Descendo a serrinha, que é paralela aos Andes, chego em Jachal, San Juan. Ali paro para ajudar um baqueano com o carro quebrado e já à noite continuo sentido Sul. Tomo o desvio rumo à Calingasta e começo a subir os Andes.

Serras de Córdoba

Sozinho? Não, acompanhado do Parofes.

Perto de Talampaya, La Rioja.

Perto de Talampaya.

Talampaya.

Paisagem de La Rioja.

Serrinha da RN 149

Falha inversa.
O cansaço embaça minha vista, paro para mijar. Não aguento mais. Tiro um cochilo, as estrelas lá fora iluminam toda a paisagem. Tenho que continuar... Ando mais alguns quilômetros, não lembro quanto, ao lado vejo um bosque de eucaliptos e acho convidativo para dormir. Lá passo minha terceira noite da viagem, novamente dentro do jipe enrolado no saco de dormir. Apesar de muitos acharem um risco, num lugar como este o único perigo é ser roubado por uma raposa.

A manhã nasce espetacularmente. Finalmente posso ver picos nevados, circulados por desertos e aqui e acolá um oásis rodeado por álamos e campos verdes, uma paisagem perfeita.

Chego em Barreal com a cidade ainda fechada. Espero até que a informação turística abre e peço informação sobre arrieros no Mercedário. Entre uma e outra referência me lembro do Don Lisandro, uma empresa que conheci quando escalei a montanha em 2013 com o Waldemar. É pra lá que vou.

Chegando na “sede” da empresa, descubro que lá também é um hostel. Local aconchegante, quintal enorme também rodeado por álamos e pereiras. Acerto detalhes logísticos e logo estou na estrada novamente.
Pausas para ver o Mercedário, travessia de estrada de terra e já estou em Uspallata ao lado da ruta 7. Fazia tempo que não passava lá, na verdade desde 2006. Pude rever montanhas que fizeram parte da minha vida, o Cerro Plata. 

Descendo os Andes, deixo o deserto pra trás e aparecem os parreirais. Mendoza está ali. Acesso Sul, Oeste, Avenida Zapata, Colón, San Martin e estou lá.... Mendoza, la city. Quanto tempo!

Paisagem de Barreal

Paisagem de Barreal

Paisagem de Barreal
Com o Jimny na pampa del Leoncito.

Rota percorrida.