Blog do Pedro Hauck: julho 2011

28 de julho de 2011

Abracadabra

Depois das chuvas de sábado (quem foi que disse que chuva em final de semana é exclusivo de Curitiba?), aproveitamos o tempo estranho de domingo para escalar uma via não muito longa, a Abracadabra no Pico Maior, uma via de "apenas" 300 metros!

Esta via fica no colo entre o Maior e o Capacete e para chegar até ela é preciso tomar o caminho da primeira via aberta na montanha, a Silvio Mendes, de 1946. Para isso, precisamos caminhar bastante e subir até o grande platô da base da Silvio, um lugar cheio de espinhos.

Após acharmos a entrada, comecei guiando a primeira enfiada, que é feita quase toda em móvel por uma belíssima canaleta com fendas internas, onde escalamos como se fosse um diedro. No final deste lance, temos que fazer uma travessia pra direita, aproveitando umas lacas, usando a mão nas agarras de fendas, em contraposição e equilibrando com os pés. Lances lindos, delicados e bem técnicos. Passando a única chapeleta da via, há um grampo "P"simples onde é feita a primeira parada.

Dei segue e o Tacio veio atrás limpando e chegando pronto pra guiar o próximo lance, um enorme diedro fendado que muitas vezes é escalado feito chaminé. Esta enfiada tem quase 60 metros e guiá-la é bem trabalhoso e cansativo, ele fez isso muito bem, ágil como um gato fugindo de um cachorro.

Cheguei na seqüência e comecei a escalar a terceira enfiada, também quase toda em móvel... Sai no final do diedro num lance delicado em positivos com crocotinhas. Ia guiando com receio. O pouco de céu azul sumiu e junto com o vento frio vieram névoas densas que subiam a montanha e faziam zumbidos em meu ouvido. O vento dizia: _ Vai cair! Vai cair!

Fui seguindo devagar, com cuidado e com medo... protegendo em tudo o que podia...

Em um certo momento, depois de esticar uns 8 metros, encontrei uma fendinha negativa que cabia um micro friend. Entalei a peça e ao testá-la, arranquei um pedaço da rocha. Meu coração veio na boca e em minha mente eu lembrava os urubus do filme "Uruca" e o vento rindo de mim.

Saí pra cima, pisando com cuidados nas crocotinhas e vendo algumas delas se esfarelarem em meus pés. Assim eu cheguei num bom platô. Tive vontade de parar ali, montando uma parada em móvel. O croquis, no entanto, me dizia que a parada de verdade ficava uns 15 metros ou 20 dali, escalando uma grande fenda em móvel em minha frente. Droga! Eu já tinha usado todas minhas costuras pra metralhar as fendas abaixo de friends!

Mesmo com o psico ruim continuei e protegi as fendas sem usar costura, passando a corda diretamente nos mosquetões que seguravam as peças, dando um arrasto enorme... Mesmo assim cheguei na parada e dei segue pro Tacio que quando chegou, mesmo de segundo, me elogiou dizendo que a enfiada era exigente e bastante psicológica.

A quarta enfiada foi guiada pelo Tacio. Tinha um lance de sexto grau em móvel, mas era curtinha. Fui e na seqüência tive que guiar a enfiada crux da via, um VIIB bem protegido que acabei fazendo em A0, como o guia dizia... Com o psicológico ruim, frio e vento, não ia tentar um lance vertical sem agarras...

A dificuldade da enfiada não era escalar o VIIB. Depois dele tem um lance longo de quinto grau bastante exposto e sem possibilidade de proteção em móvel, num local onde eu fiquei em dúvida e quase errei o caminho. Por sorte escolhi subir um pouco mais pra esquerda e achei a parada, metros e metros depois do ultimo grampo, onde afastei as vozes do vento.

Depois disso sobrou a ultima enfiada pro Tacio guiar. Eram lances fáceis, de IV+, mas muito expostos. O tempo neste horário estava muito ruim. Ele saiu esticando e sumiu no nevoeiro. Parecia uma escalada patagônica: Sinistro!  Após esticar muito, ele achou o caminho certo e terminou a escalada.

Ainda tivemos que subir uns costões pra fazer cume no Pico Maior pela segunda vez na temporada e depois rapelar pela Cidade dos Ventos.

Tem dias que são do escalador, tem dias que são da montanha. A via Abracadabra é linda, vale a pena repetir, mas este foi um dia da montanha. Mesmo subindo a via sem tomar queda e tudo dando certo, passei muito medo na escalada, pois não estava com o psicológico bom. Eu não gosto de vento, ele tira minha confiança e me dá medo...

 Pico Maior ainda com tempo bom...

Tacio terminando a primeira enfiada

 Segunda enfiada

 Grande diedro

Tacio vindo de segundo na P3

 Guiando a quarta enfiada

Chegando na P5

 Indo pro final
Indo pro cume...

 Sumindo nas nuvens


 Chegando ao cume


 Vista para o Capacete desde o maior durante o rapel



 Caixa de Fosforos



Vale dos Frades

27 de julho de 2011

Perrengue no Pontão do Sol

Após um dia de descanso, merecido, fomos experimentar as vias do Pontão do Sol, que é um tipo de um pilar do Pico Maior. A idéia desta viagem é não repetir vias que já fizemos, assim sendo, teríamos a Segredo do Sol e a Mundo da Lua para fazer no local, pois no ano passado o Tacio escalou a Sol Celeste, que é a terceira via do Pontão. Respectivamente, uma é a via mais difícil, a outra a mais fácil e esta terceira a média.

Após várias escaladas em Salinas, achamos estar confiantes para escalar a Segredo, que é bem técnica e apresenta um crux de sétimo em móvel. O problema, no entanto, foi que não conseguimos chegar nela.

Esta via começa num platô mais à esquerda da Sol Celeste. Para chegar lá, é preciso desescalar um lance de costão e depois andar um pouco no mato. O Serginho nos recomendou sair escalando do começo da Sol e chegar numa diagonal direto no P1 da Segredo. O lance é exposto, mas fácil.

O Tacio se encarregou em escalar esta "aproximação". Ele saiu em diagonal e achou um grampo logo no começo. Depois, viu umas lacas, parecidas com aquelas que aparecem na primeira enfiada do croquis da via que queríamos escalar. Ele foi até elas, protegeu em móvel como deu e seguiu esticando, enfrentando lances de quinto bastante exposto: E4. Quando a corda estava para acabar e eu teria que sair escalando à francesa, ele achou um grampo simples e fez ali a parada. Ufa!

Saí escalando de segundo, achando que estava na via certa. Cheguei na provável P1 da Segredo e como escalamos alternando, fui tocando pra cima. Passei por diversos lances de aderências, com barriguinhas de rocha um pouco verticais seguidos de positivos, onde não havia nada de mão, só a aderência da sapatilha.

Após esticar uns 10 metros ou mais, achei estranho que não via nenhuma proteção em um lance tão perigoso e resolvi verificar o croquis. Nele eu vi que teria uma chapa na minha frente e que depois dela eu teria que sair pra esquerda e entrar numa canaleta, mas que canaleta? Pra cima de mim continuava o rampão e as barriguinhas. Nessa hora eu saquei que estávamos no lugar errado!

Totalmente no veneno, fui desescalando vagarosamente. Era preciso firmar bem o pé e mantê-lo chapado, para depois descer o outro pé e assim perder altura. Não era fácil, principalmente nos lances de barriguinha.... Várias vezes eu tinha que parar, respirar, esquecer a roubada e assim controlar meu psico, pra ele não me derrubar...

Eu sei bem o que é escalada psicológica e sei o que é cair num lance daqueles... Significa sair quicando na pedra, bater cabeça, costas e até se enrolar na corda... Queda em positivo é o pior tipo de queda e pior ainda quando estamos mais de 10 metros acima da ultima proteção, que no caso é era meu próprio parceiro preso em um simples grampo "P" velho.

Não sei quanto tempo demorei pra descer... Mas no meio do caminho eu enxerguei um grampo da via Sol Celeste ao lado. Isso aliviou bastante o psicológico e realizando uma perigosa e exposta travessia, fui até ele. Mais tarde, conversando com o Sergio Tartari, descobrimos que este grampo está perdido na parede, pois nem ele sabia da existência desta proteção ali!

Depois de um perrengue destes, ocasionado por uma bobagem, já que os lances do "atalho" que fizemos eram parecidos com o do croquis da via, ficamos receosos de entrar na via original e encarar um sétimo em móvel. Acabamos por escalar uma via que condizia com nosso estado de espírito: O Mundo da Lua...

Esta via, que tem 300 metros, foi uma escalada linda e fluente, porém senti meu psicológico e protegi mais que o necessário nos lances em móveis. Infelizmente no meio da via o tempo virou, vieram nuvens brancas e encobriram o pico maior. O vento fez muito frio e assim fizemos o cume do pontão.

Na descida, a "zica" continuou. Mesmo tomando muito cuidado para a corda não enroscar nas inúmeras lacas da via, isso veio a acontecer no penúltimo rapel. A corda enroscou em dois lugares e o Tacio teve que sair escalando fora da via para resgatá-la.

Resolvido o problema, descemos com o tempo ruim. Uma frente fria chegou em Friburgo e no dia seguinte choveu o dia inteiro. Ótima desculpa pra descansar a mente e o corpo para outras escaladas!



Pico Maior

 Escalada no Mundo da Lua


 Boas lacas pra proteção móvel



Tacio resgatando a corda quando ela enroscou na descida

26 de julho de 2011

Arco da Velha

A escalada no Pico Maior exige um esforço maior do escalador por conta de seu tamanho, sentimos isso na Arco da Velha. Mesmo já aclimatados com Salinas e tendo uma experiência de escalar juntos bem longa, eu e o Tacio tivemos que acordar antes das galinhas para poder fazer a Arco da Velha.

Após um café da manhã reforçado, fomos até o refúgio Mascarin de carro (com a estrada péssima) e de lá caminhando até a base da via, onde chegamos às 6:30 pra começar a escalar às 7 da manhã, após presenciarmos um belíssimo nascer do sol.

A escalada é bem fluida e rapidamente entramos no Headwall do Maior, onde pegamos as enfiadas mais fortes, mas belíssimas, com lances de 5ª e até sexto bem empinados, mas com boas agarras e boas opções de proteção em móvel. Íamos subindo com velocidade, deixando as nuvens em nossos pés.

Na 11ª parada, tivemos que optar entre escalar o lance original da via, encarando um crux de 7a, ou desviar pra Décandence avec Élégance, optamos pela primeira. Como víamos alternando as enfiadas, esta foi a vez do Tacio encarar, que não titubeou. Ele foi vencendo os lances delicados com muita precisão e paciência, venceu o lance mais difícil, mas na hora de costurar, levou uma baita queda... mais de 10 metros de vôo.

Após passar o stress da queda, ele voltou determinado e venceu o lance. A dificuldade, no entanto, não parava por aí e mais pra cima ele teve que atravessar um lance também sem agarras e vertical pra chegar num platô, protegendo em móvel numa fenda aberta bem ruim. Haja psico!

Na seqüência entrei na ultima enfiada da via, uma canaleta de chuva ruim, sem possibilidade de proteção móvel e exposta, passei reclamando, mas fiz. Dali pra cima foi só subir e às 3:40 da tarde estávamos no cume.

Mesmo escalando rápido e sem enrolar e também chegando cedo no cume, o Pico Maior é realmente uma montanha de mais comprometimento. Levamos cerca de 1 horas e meia pra achar e fazer o rapel pela via Cidade dos Ventos, pegando os últimos raios de sol na base da via pra retornar a trilha iluminados pelas lanternas.

Independente da via, o Pico Maior é sempre exigente.


 O amanhecer

 Primeira visão do Pico Maior pela manhã

 Primeiros raios de sol


 Pico Maior e Capacete


 Mar de nuvens


 Paredão Vertical




 Chegando a um dos lances mais lindos da via



 Parte mais dificil da via vista por cima

 A cima das nuvens

 Vista do cume

 Vale dos Frades



Pôr do sol no vale dos Frades com Caixa de Fosforos em primeiro plano

Fata Morgana e Sergio Jacob

Após uma dia de descanso, vamos provar mais uma via no Capacete, desta vez uma linha que começa e termina em outra via mais antiga, mas que nem por isso deixa de ter seu encanto, pelo contrário... Com apenas 280 metros de linha, mas 450 totais, contando o começo e o final feito na CERJ, a Fata Morgana segue um caminho mais natural, onde se faz necessário a utilização de mais proteção móvel.

Já mais entrosados, escalamos a via em cerca de 3 horas, o que deu tempo de no mesmo dia fazer cume no Capacete por outra linha, mais curta, é verdade, que usamos sempre no rapel, a Sergio Jacob, que se mostrou muito interessante e bonita, também um pouco exposta, já que os grampos são bem dispersos.

 Escalando a Fata

 Escalando a Fata

 Escalando a Fata

 Começo da escalada da Sergio Jacob

Sergio Jacob