Blog do Pedro Hauck: setembro 2015

29 de setembro de 2015

Travessia de La Rioja a San Juan pelo alto da Puna em 4x4

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Foi com terremoto de 6.3 graus na escalada Richter que fomos dormir no dia 25 de setembro. Seria um bom sinal? Pelo menos a angustia pela espera do conserto do Conway havia acabado e poderíamos sair de Chilecito para o começo de nosso real projeto: Escalar montanhas sem nome e sem registro de ascensão.

O despertador tocou muito por volta das 5 da manhã e deixamos a cidade ainda no escuro para a atravessar a “Cuesta Miranda”, que é a estrada que liga as cidades de Nonogasta à Villa Unión antes das 7, pois a partir deste horário ela fecha e só é possível cruzar após as 19. Obras eternas que parecem estar acabando.

Atravessamos Villa Unión com a cidade deserta e tomamos o caminho da RP76 que leva até a fronteira com o Chile pelo Paso não habilitado de Pircas Negras. Passamos por outras cidades no caminho, como Villa Casteli, Vinchina, onde abastecemos e Alto Jague para enfim chegar na estrada de terra deste remoto passo andino.

Estávamos ganhando tempo, dirigindo com cuidado, mas não deixando de prestar atenção na paisagem deslumbrante. Cruzamos um passo, com bastante neve acumulada na estrada e logo demos de cara com as montanhas de 6 mil da Província de La Rioja: Bonete Chico, Veladero, Baboso e atrás, o complexo do Penãs Blancas e o Pissis. Diante de nós estava “somente” a terceira e a quarta montanha mais alta de todo continente.

Num determinando momento saímos da estramos principal e derivamos ao Sul andando por uma planície com bom substrato: _ A trilha deve estar aí em frente! Dizia Maximo, que não desgrudava o olho do GPS e da navegação.

E de fato estava, encontramos um caminho 4x4 bom e seguimos por ele, tomando cuidado para desviar da neve acumulada, que podia atolar o Conway. Em um deste desvios, acabei passando em cima de uma pedra com as rodas da direita e senti um impacto. Minha barriga gelou e achei melhor sair para “tirar água do joelho”. Nessa sem surpreender-me percebo que meu pneu estava totalmente murcho. A barriga gelou ainda mais.

Neste momento tive certeza que deveria voltar e reparar o pneu, pois não estou levando dois steps. Trocamos as rodas com facilidade e voltamos pelo mesmo caminho da ida. Neste momento você pensa em tudo. Já havíamos passado por uma grande dificuldade com o carro quebrado. Não queria passar por um problema semelhante novamente.

Voltando o caminho entramos em Jague. A cidade estava morta, avistamos apenas uma pessoa na rua e fomos perguntar se ela conhecia um borracheiro. Com um sotaque quase incompreensível ela nos disse que não. Insistindo, dirigimos pela única rua da cidade a procura de outra pessoa, mas não havia ninguém, nem na delegacia de Polícia.

Decidimos retornar mais 25 km até Vinchina e ao chegar lá a única borracharia estava fechada. Pelo menos a cidade não estava tão morta e um senhor sentado em frente de sua casa nos avisou o borracheiro, que foi abrir o negócio para arrumar nosso pneu, que tinha feito um rasgo.

Consertado o problema, não tive coragem de rodar com o antigo pneu e subi a cordilheira novamente, até chegar no Refúgio El Peñon, construído em 1873 era um abrigo aos boiadeiros que levavam gado ao Chile. Dormimos lá dentro e ainda pudemos assistir um filme. Luxo total. Ainda mais com a luz da lua cheia que iluminou a noite num espetáculo lindo de ver.

Aniversário com Perrengue

No dia 27 acordamos sem pressa. Era meu aniversário de 34 anos! Apesar da data, não comemorei, pois estava preocupado com o itinerário.

Deixamos o refúgio e pegamos o mesmo caminho do dia anterior, alcançando em calma o trecho onde o pneu furou e adentrando a Puna do Atacama e seu vazio. Este é um dos lugares mais remotos da América do Sul. Belo e assustador. Não é um local onde deseja ter um problema com o carro. Por isso fui bastante cuidadoso.

Por sorte o caminho estava bom. Fui abusando até chegar numa descida com um neveiro grande. Como era um vale, decidi arriscar e o carro atolou na neve. Infelizmente havia uma capa dura de gelo, mas embaixo era puro pó. Frio da na barriga.

Cada tentativa de tirar o carro a coisa piorava, a roda cavava mais e mais o gelo. Eu sei que ali não é um lugar para estar em um único carro, mas não tivemos opção. Apesar da situação nada agradável, não desanimei e tentamos solucionar o problema. 

Com uma pá plegável cavamos o gelo e fomos calçando os buracos com pedra. Para agilizar, Maximo e Suzie usaram uma lona que uso para colocar minha corda de escalada. Enchiam de pedra e traziam para calçar o gelo. Depois de diversas tentativas conseguimos tirar o conway da gelada e desviei o caminho pelo meio da encosta.

A trilha continuou sem percalços, até chegarmos num lago de agua salgada, onde em sua borda havia pedras organizadas de forma retangular. Paramos para ver e percebemos que era uma plataforma de pedras em ruinas. Levando em consideração o tipo de trabalho e a proximidade com o lago, acreditamos ser ruinas Incas.

A trilha continuou por mais tempo, cruzando o meio do nada, até que de repente chegamos num caminho bem feito, aplainado por uma moto niveladora. Era nosso caminho e achamos ser um trabalho de uma antiga mineradora. 

Continuamos o bom caminho até descer uma vertente que levava até um rio. Eu neste momento suspeitava que havia algo de errado, pois lembrei de ter visto no mapa um lugar ao lado de um rio chamado “Pto. Majadita, no les deja passar”. No momento do planejamento parecia insano haver um lugar no meio do nada com algum tipo de controle. Que corno estaria ali no meio do nada?

Aproximando das construção vejo um cartaz “Control 100 metros” e depois “Parque Nacional San Guillermo”.  Passo devagar e procuro por algum ser humano. Ninguém apareceu e a porteira estava aberta. Continuei devagar e fui embora. Claro, que o coração na mão por estar fazendo algo “errado”. Será?

O caminho era realmente bom e não tive dificuldades. Maximo, que estudara o caminho, falou que iriamos passar por um lugar humano, possivelmente uma mineradora abandonada e de fato, após fazer uma curva ela apareceu, chama-se La Brea. Fomos novamente bem devagar, esperando que alguém saísse de alguma construção, mas nada aconteceu e continuamos.

Depois de La Brea começa uma subida forte. Tive que acionar a reduzida, mas eis que o que já estava difícil fica ainda mais com um trecho cheio de neve na estrada. Tenho que embalar e mandar uma roda sobre a terra e outra sobre o gelo. Mas a terra está molhada pelo degelo e afundo na lama.

Acabo por voltar e pouco a pouco vou compactando um caminho com as rodas e consigo passar por este trecho perrengoso. No entanto a dificuldade não acabou ali e pouco depois chegamos num lugar ainda mais íngreme com mais rocha e mais lama. 

Tento diversas vezes fazer a mesma coisa que no local anterior, mas não consigo. O carro perde tração e atolo na lama gelada. No entanto, percebo um antigo caminho pela esquerda em zig zag que deveria ser uma estrada mais antiga. Indo e voltando com bastante embalo consigo estrar nesta estrada antiga e assim vencemos este obstáculo.

Ainda tivemos dificuldade em outra subida com gelo acumulado, para enfim chegar num ponto sem saída, ali a estrada era totalmente coberta pelo gelo e não tinha mais saída. Ainda caminhamos buscando uma solução, mas nada! 

Como ali estava a 4100 metros e estávamos a apenas 6 km de um cume sem nome, decidimos acampar ali mesmo, usando o Conway como barreira de vento. Montamos as barracas na estrada e fomos dormir com um plano desenhado de escalar aquela montanha, que por um motivo obvio de toponímia, batizamos temporariamente de “La Brea”, com 5225 metros de altitude.

Antes de jantar ganhei meu presente de aniversário. Pude ligar para a Maria Tereza e matar saudades por 2:26 minutos. Foi ótimo ouvir sua voz. Antes de dormir, quando a natureza nos brindou com mais uma noite de lua cheia, assistimos um filme bobo no computador da Suzie, e isso foi ótimo para pegar no sono.

O que será de amanhã? Eu não sei? Será que alguém vai subir aqui pra multar a gente, será que fazemos o cume e voltamos com tudo ok? Vamos ver!

:: Continua...

Subindo até Laguna Brava

Vendo o Bonete Chico, quarta montanha mais alta dos Andes.
Uma bela dobra do tipo chevron ao lado da PR 76 em La Rioja

Refúgio El Peñon construído em 1873.

Refúgio El Peñon à noite.

Atolando o Conway na neve.

Provável ruína inca ao lado de lago no meio da Puna.

Lago com água salgada no meio do nada.

Meio do nada

Fim da linha, gelo na estrada impediu de seguirmos.

Acampamento no meio da estrada.

19 de setembro de 2015

Diários de Chilecito

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Quem acompanha o blog pode perguntar: cadê as montanhas Pedro?

Pois bem, se se lembra da ultima vez que aqui escrevi, o Conway estava na oficina e esperávamos para saber qual era seu problema.

Deixamos o carro esfriar bem e após horas desligado demos a partida com a tampa do radiador aberta e por lá começou a espirrar água. Significado disso: quando o carro ferveu as juntas perderam seu efeito e o motor está mandando pressão no sistema de arrefecimento. Além de perder água, o carro pode mandar óleo do carter pro radiador, o que não é legal.

Estou desde quinta feira na espera por peças, que chegam semana que vem de Mendoza. Enquanto isso vou me tornando uma pessoa mais conhecida na cidade.

Ainda na quinta dei uma entrevista na rádio local, falando do refúgio que foi depredado na serra de Famatina e que fomos os primeiros a encontrar neste estado. Todos me ouviram e isso virou o comentário na cidade.

Depois mudamos de hotel para um local onde fosse mais calmo e tivesse internet. Viemos parar num hostel que fica numa casa colonial antiga. Feito de adobe com um grande jardim interno, aqui é mais aagradável, mas a internet continua a desejar. Nao consigo conectar meu computador e tenho que atualizar o blog digitando no celular.

Neste meio tempo decidi aproveitar a churrasqueira do hotel e fiz um delicioso bife de chorizo no estilo argentino. Queimei lenha, fiz brasa e coloquei as brasas embaixo da parilla.

Mandei foto para o mecanico e ele respondeu com uma única palavra: Génio. E o churras do dia seguinte foi na oficina.

Neste meio de tempo apareceu no hostel um casal de ciclistas com seus dois filhos. Falava francês, mas eram da Nova Caledónia, uma ilha do Pacífico que tem araucárias. Ele se admirou ao saber que no Brasil também tem.

Eles vieram pedalando desde Lima, no Peru, passando pela Bolívia num tipo de bike tandem. Onde os filhos eram passageiros. O menino devia ter uns 11 anos e a menina uns 13, já com corpo de mulher. Eles passaram a manhã assistindo desenhos e a tarde brincavam de esconde esconde.

Criados numa ilha que tem menos gente que a cidade de Curitiba e viajando numa maneira tão lúdica numa bike, parece que estes dois nao tem ideia do que é malícia. São crianças como as crianças eram antigamente.

Trocando a junta do cabeçote 
Churrasco na oficina

Churrasco na oficina

Jogo de Rugby

Hoje houve jogo da Argentina no mundial de rugby disputado na inglaterra. A argentina tem uns habitos bretões e o rugby é um deles. O esporte aqui é bastante desenvolvido, como em nenhum outro país americano e a seleção deles é chamada de Pumas.

Mas o adversário dos Pumas é a melhor seleção do mundo: a Nova Zelândia, os Kiwis. Fui no restaurante do Robert assistir.

Achei que o restaurante estaria cheio de gente com a camisa dos Pumas, mas ao chegar lá os garcons nem sabiam do jogo, mas procuraram pra gente assistir. Eu não entendo nada de rugby, mas a Suzie já trabalhou num estádio deste esporte na Inglaterra. Então ela me ensinou um pouco. Aproveitei a internet e também dei uma pesquisada.

Descobri que o mesmo Charles Müller que levou a primeira bola de futebol ao Brasil, levou também uma bola de rugby. Veja só os dois esportes tem a mesma origem e a mesma idade, mas um deu certo e outro não.

No resto do mundo o rugby também não deu muito certo. Menos em paises com colonização inglesa, como Austrália, Nova Zelândia e África do Sul. Estes 3 países são os maiores vencedores do mundial, com dois títulos cada. Inglaterra tem um e a França é 3 vezes vice. Esta é a oitava edição do torneio que começou somente em 1987.

De sulamericanos apenas Argentina e Uruguai participam do torneio sendo que a Argentina já foi uma vez terceira colocada.

Descobri que no Brasil há campeonatos, mas todos amadores e veja só o campeão brasileiro de 2014 é o Curitiba Rugby. Fiquei até com vontade de assistir uma partida deles que parecem ser num modesto campo perto do Detran.

Muita diferença com o milionário futebol. No rugby o maior publico nacional foram 6 mil pessoas no estádio do Ibirapuera.

Em Wembley, a Nova Zelândia começou ganhando, mas a Argentina virou. Só que os Pumas não resistiram por muito tempo e o jogo acabou 26 a 16 para os kiwis.

Assistindo o filme Everest no cinema de Chilecito

Mais tarde fomos procurar um lugar aberto para comprar algo para beber. No meio do passeio decido tomar uma rua diferente para chegar a um mercado e dou de cara com um edifício recem construído, um shopping em Chilecito!

Entramos para dar uma olhada e havia apenas uma sorveteria, um café e um cinema que estava passando o novo filme sobre uma velha história do Everest. A história da tragédia de 1996.

Bom, eu gostei bastante do filme. De fato é uma história emocionante, trágico do jeito que o público gosta. Mas é apenas uma história do Everest que é uma das milhares de milhões de montanhas do mundo.

Talvez seja uma das histórias de montanha mais famosa e mais comentada. Uma pena, pois na montanha não há só tragédia e morte e não existe só o Everest. Eu to aqui por isso aliás, há muita montanha no mundo que vale a pena escalar e você não vai morrer por isso.

O filme é bom? Sim. A história é interessante? Sem dúvida. Mas minha crítica é que isso ja foi falado demais e batido demais. São quase 20 anos que isso aconteceu e parece que só isso é montanhismo. Mais do mesmo.

Bicicletas tandem da família da Nova Caledónia.

Segundo terremoto

Estava dormindo e por volta da 4 da manhã despertei levemente pelo barulho da água saindo do chuveiro e ducha no banheiro. Ouvia forte barulho de ventovento, mas estava tão entorpecido pelo sono que não levantei, achei apenas que a Suzie não apertou as velhas torneiras do banheiro. 

Neste momento, no entanto, ela mesmo acorda no meu sonho e diz: earthquake!

Não era vento.

Tendo certeza que aquilo é realidade ainda consigo ouvir no quarto escuro as coisas vibrando e agua parar de cair ao chão momentos depois quando tudo termina.

Voltei a dormir.

Dia mundial sem carro

Que ironia, hoje é o dia mundial sem carro. Vou participar!

Era para as peças chegarem hoje na oficina, mas só chegarão quinta. Eu não aguento mais. Estou há 10 dias parado e sequer consigo trabalhar com essa internet péssima. Meu computador não conecta e tenho que fazer tudo pelo celular, que acaba a bateria em horas.

A internet só funciona no jardim e não há tomada no jardim. Hoje amanheceu muito frio e ta difícil ficar aqui fora.

Resiliência, resiliência...

Maximo chegou em Chilecito. Depois de uma viagem Copiapó x Santiago x Mendoza x Chilecito. Estamos em 3 finalmente.

Enfim pronto pra partir

Após duas semanas em Chilecito o Conway está pronto e amanhã cedinho vamos partir.

Como o paso San Francisco ainda está fechado, tivemos que mudar os planos e ir explorar uma região aqui em La Rioja.

Iremos para uma região da Puna chamada de Corona del Inca. La há muitas montanhas remotas.

Ficarei sem comunicação. Mas vcs poderão acompanhar onde estarei pelo link do rastreador spot:

Até breve!

:: Continua:

Jantar com os irmãos Casiva, da oficina mecânica.

16 de setembro de 2015

Esperando em Chilecito com terremoto de 8.4 graus Richter [ATUALIZADO]

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Infelizmente o frio extremo que pegamos no Nevado Famatina fez sua vítima, o Conway, minha caminhonete 4x4. Fez tanto frio, mas tanto frio que o aditivo do radiador que estava com 60%, congelou.

Este congelamento expandiu as mangueiras e perdi o líquido de arrefecimento. Quando desci da montanha não percebi nada, pois era tarde e estava escuro. Mas no dia seguinte, quando ia da cidade de Famatina para Tinogasta, o carro perdeu potência e morreu. Quando fui ver ele estava fervendo.

Neste momento obtive a ajuda de um motoqueiro, que voltou uns 3 km e chamou um policial que estava fazendo blitz que foi me ajudar. Esperamos o carro esfriar, coloquei água no radiador e voltei para a cidade de Famatina.

Com a pressão da fervida, uma mangueira se soltou. Comprei uma braçadeira, coloquei mais água e continuei até Chilecito, que é a segunda maior cidade da província de La Rioja. Como era domingo, parei num hotel e passei o dia esperando.

Aproveitei este dia e entrei em contato com o Tito, da agencia “Salir del Crater”, quem me tinha dado as dicas na Mina La Mejicana sobre a ascensão ao Famatina. Liguei para ele e seu irmão e passei as informações sobre o vandalismo nos contêineres laboratórios. Eles ficaram bastante surpresos, também não sabiam do ocorrido. Me ajudaram dando o contato de uma boa oficina mecânica para consertar o Conway, que não tinha apenas o problema do sistema de arrefecimento, também apresentava um barulho feio quando ficava engatado em descidas.

No dia seguinte fui na oficina mecânica do Casiva. Fui muito bem atendido pelos irmãos que tocam o negócio e deixei o carro lá para eles acharem o problema. Mais tarde foi diagnosticado o barulho: Era a cruzeta.

Resolvemos o problema da cruzeta comprando uma paralela, que custou bem barato. Era idêntica com a da Land Rover, mas mudava a abertura de lubrificação. Sem problemas, dá pra rodar milhares de km’s sem lubrificar. 

Casiva botou uma mangueira de alta pressão para descobrir aonde estava vazando liquido de arrefecimento e consertou tudo. No entanto ele mesmo me alertou que eu deveria comprar outra tampinha do radiador, pois lá vazava pressão. No entanto, como não há peças de Land Rover por aqui, fizemos uma adaptação com uma borrachinha pra ver o que acontece.

Hoje pela manhã peguei o carro para ir embora para o Chile e eis que percebo que o termômetro começou a aumentar. Paro, abro o capô e vejo fumaça saindo pela tampa e perda de liquido pelo ladrão. Foi desanimador ver esta cena.

Mas ainda estava perto da cidade e retornei para o Casiva. Usando sua internet entrei em contato com o grupo de ajuda Land Rover Latino América e de pronto me responderam. Consegui um contato em Mendoza e amanhã chega de ônibus duas tampas (por precaução). 

Montanha é o pior lugar para você colocar um carro. Já estou acostumado com isso. A altitude, o frio, o calor, as subidas, pedras, buracos, tudo isso num lugar só feito para detonar seu carro. Como é a primeira viagem com o Conway, já esperava por isso. Ainda bem que são problemas pequenos. A tristeza é que Land Rover é um carro raro na América do Sul e por isso é difícil achar peças. 

Já havia passado por Chilecito algumas vezes. A primeira durante aquela viagem de Corsa em 2006. Eu tinha uma outra expectativa da cidade, já que a avó do Maximo teve uma casa aqui e dizia maravilhas do local, que já foi uma estancia veranista de cordobeses. 

Quando vim aqui pela primeira vez, me lembro de não ter achado um centro da cidade e ter ficado rodando em vão. Era uma cidade estranha e fiquei com raiva da siesta. Na segunda vez, com Waldemar Niclevicz, achamos o mesmo e quando eu estava aqui com o carro fervendo achei que iria ter o mesmo problema, mas encontramos um hotelzinho no centro e achando o centro ficamos melhor orientados. O centro é bonito, o resto é bem carente.

A praça central da cidade é bem bonita. Bastante arborizada e florida, é circulada de lojas, bares e restaurantes. Tem uma igreja, um tribunal, bancos e outros órgãos públicos. Me lembra a praça de Itatiba na década de 1980 quando ali era o centro de fato. Mas só a praça, pois andando poucos quarterões as casas bonitas dão lugar a casas simples, carros velhos na rua, cachorro solto e pobreza.

Passei 3 dias nesta praça, comendo e usando a internet de seus restaurantes. Olho para fora e vejo minha infância, quando ir à praça significava ver e ser visto. Vejo também meu pai mais jovem em seu Escort vermelho indo ao cartório, passando no banco e falando com as pessoas na rua. 

Essas cidadezinhas argentinas me lembram minha infância e adolescência em Itatiba. Onde tudo é pequeno e não precisamos de muito mais do que aquilo que há em volta da praça. Só que pra mim a praça sempre pareceu pequeno e carente de significado. Vejo a praça de Chilecito igual à praça de Itatiba, não estou lá, estou apenas olhando de fora, como um estrangeiro que está de passagem e que seus objetivos não circulam por ali. É uma mistura de alívio e saudade ao mesmo tempo.

Atualização: Terremoto e situação do carro

Ontem à noite fui na casa do Robert, dono do restaurante que frequento na cidade e que uso o wifi. Ele se disse que me ajudaria com as coisas por aqui e quando estávamos conversando em sua cozinha à noite, de repente, umas garrafas começaram a vibrar e ele me disse:

_ Mire, um temblor!

Neste momento, suas panelas que ficam penduradas na parede começam a tremer e a luz também. Saímos no quintal e ao pisar no chão sinto ele mover e a sensação é que estou com enjoo e labirintite. O chão vibra por menos de 10 segundos e parece que estão numa onda. Ele não sacode, ele flutua.
O terremoto para e volta depois mais fraco. Fazendo que a luz se corte, mas retorne rapidamente.

Nos inteiramos pela TV e vemos que o terremoto chegou aos 7.9 graus na escala Richter. Vemos também que seu epicentro foi há 55 km da cidade chilena de Illapel, no meio já no Pacífico. O dados da intensidade do tremor, no entanto, são atualizados mais tarde para 8.3 e finalmente para 8.4 graus.
Foi o primeiro grande terremoto que vivenciei, mas fora o tremor, não aconteceu nada na cidade. Nenhuma construção foi destruída, ninguém se feriu, mas todos sentiram. Durante a madrugada houve outro, mas este nem senti.

No Chile, foi diferente, houve destruição e tsunami. Maximo estava lá, em Copiapó, no mesmo hotel que ficamos ilhados em Março deste ano durante a tempestade que inundou e destruiu a cidade. Os donos, que se tornaram nossos amigos ficaram admirados dele sempre estar lá quando algo ruim acontece.

Hoje pela manhã fui na oficina ver se conseguimos arrumar o Conway de uma vez por todas. As tampas do radiador chegaram de Mendoza, mas ao testar as mesmas, vemos que continua a fervura do motor e ele solta água pelo ladrão.

Achamos que fosse ar no sistema de arrefecimento, mas não. O congelamento lá em cima pode ter resultado em 3 problemas: 1) válvula do termostato, 2) Bomba d’água, 3) Junta do Cabeçote.

Conway na estrada...
Praça de Chilecito
Praça de Chilecito
Praça de Chilecito
Crise na Argentina
Chilecito e a Serra de Famatina ao fundo

15 de setembro de 2015

Escalando o Nevado Famatina em condições invernais

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Após passarmos dois dias "acampados" numa construção abandonada na mina La Mejicana, o dia amanheceu bem melhor que o anterior, com um calorzinho pela manhã e menos vento, apesar de ainda haver nebulosidade na montanha.

Seguindo a dica de nossos amigos argentinos, voltei o caminho e peguei uma trilha em outro vale, que logo de início se mostrou bem íngreme e ficou ainda pior. No final do vale, ele se fechava como um anfiteatro e ali a estrada subia em zig zags que as vezes era necessário dar ré em curva. Era temeroso, pois qualquer vacilo a queda seria de centenas de metros e vira e volta eu tinha que desviar de uma pedra maior que caia das encostas íngremes da montanha.

O resultado, por outro lado, é que subimos bem alto e logo estávamos a 4900 metros num local onde nosso amigo nos avisara que havia dois contêineres em “L” que era um laboratório de uma universidade local.

Subindo até o "acampamento alto" do Famatina. 
Trilha em zig zag até o campo alto do Famatina.

Ventava muito e eu tinha esperança de poder dormir dentro de um dos contêineres que ficavam aberto, de acordo com ele, para servir de refúgio. No entanto, ao tentar abrir a porta do contêiner, que estava entre aberta, percebo que o mesmo estava queimado. Dando a volta pelo laboratório, percebo uma fresta por onde se podia entrar e vejo que o laboratório inteiro havia sido incendiado. Foi uma grande decepção e tristeza, por que alguém faria aquilo? Pior, agora teríamos que acampar no vento.

Colocando o Conway em frente a uma das paredes, transformei o “L” do laboratório em um “U”, que funcionou parcialmente, já que o carro tem um vão enorme no chão, pois ele é levantado 3 polegadas na suspensão (o que aliás foi uma maravilha tendo em condições a estrada).

Fazia muito frio e era inevitável a preocupação com o tempo. Ficava imaginando se a gente não havia chegado cedo demais. Nem sempre o inverno é a pior época para escalar uma montanha. Na Bolívia e no Peru, por exemplo, é a melhor temporada, pois ali é próximo do Equador e no verão há muita precipitação o que torna qualquer ascensão muito mais difícil que no inverno, quando é mais seco e o frio, bom o frio sempre é frio nas montanhas.

Na Puna do Atacama o verão não é ruim, mas é normal ter massas de umidade vindas Bolívia que causa tempestades por aqui. A vantagem, no entanto, é que no verão é bem mais quente e é possível fazer montanhas de 6 mil com botas simples dependendo da ocasião. No entanto estamos no inverno e aqui é quase a mesma latitude que Porto Alegre e o Uruguai, então dá para imaginar a temperatura lá em cima.

Eu sempre escalei aqui no verão. Primeiramente em 2006 naviagem do Corsa, depois 2013 com o Waldemar Niclevicz, 2014 com Luis Antoniuttie seu filho Luca, 2015 duas vezes, uma com a Maria e outra guiando o Ojos emMarço, quando uma chuva de verão provocou uma tragédia. Maximo sempre dizia que o bom era na primavera e no outono, quando é seco e não tão frio. No entanto, princípios de setembro ainda é inverno e o tempo não estava tão bom assim...

Fomos dormir tomando cuidado para não deixar as coisas congelarem. Como sempre, deixei a água entre eu e meu companheiro, que no caso agora é a Suzie. Mas não adiantou, quando tocou o despertador uma das garrafas de água estava dura como pedra.

Derreti um pouco de água que tínhamos para nos hidratar, comi qualquer porcaria e as 5:30 estava caminhando rumo ao cume. Além do problema do frio e do vento, ainda tinha o problema da lua nova e a escuridão. Foi difícil achar o caminho no começo, mas depois achei uma trilha e conseguimos ganhar tempo.

Como fazia muito frio, nem paramos no começo, só parando para hidratar depois de umas 3 horas. Ao tirar a bandana que uso tapando a boca para não secar a garganta, percebo que a mesma estava grudada na minha barba e que havia muito gelo pendurada nela. Só aí percebi a exata temperatura em que estávamos.

A trilha continuava serpenteando uma vertente, mas desapareceria um pouco mais ao alto quando o terreno começava a ficar mais pedregoso. Após vencer este lance, fomos parar em cima de um platô onde há diversos lagos, todos congelados e dali emergia a pirâmide do cume.

Neste momento, Suzie estava muito cansada e já cogitava em desistir. No entanto eu incentivei ela a continuar, dizendo que dali seria fácil e rápido. Acho que ela se decepcionou ao chegarmos neste platô e observar que a pirâmide do cume era tão grande e alta. Mas continuamos.

Atravessando o grande platô tivemos que ascender um trecho de neve dura sem crampon (que eu não trouxera, pois todo mundo dizia que esta montanha era fácil). Equilibrando conseguimos vencer o trecho e chegar num local com rochas fáceis de serem transpostas. Mas ali a Suzie estava muito cansada e tive que diminuir o ritmo.

Em diversas vezes eu parava e a esperava e a incentivava que o cume era logo ali, mas acabou que cada local que eu falava que “era logo ali” se transformava num falso cume. Teve um que até eu acreditou e quando cheguei lá encontrei mais um platô e mais uma pirâmide. Que assim como a outra tinha uma encosta nevada.

Desviando mais um vez desta encosta, parei para descansar quase em seu topo, esperando Suzie chegar. Desta vez, pelo GPS, eu sabia que o cume era de fato logo ali. Assim, logo que ela chegou fui até o topo onde fui recepcionado com um vento extremamente forte vindo de Oeste (posição oposta a nossa) e quase congelei.

Mal tive tempo de ficar ali em cima e comemorar meu 33 cume de 6 mil metros nos Andes, pois o frio era muito forte. Descendo um pouco a encosta contraria eu pude me dar conta do ocorrido e jogar as cinzas do Parofes e celebrar também meus 17 anos de intenso montanhismo.

A volta foi muito sofrida para a Suzie. Acabei no final me distanciando dela para chegar antes no Conway e dar a partida. Com aquele frio todo, foi bem difícil arrancar o motor. Como não estava afim de ficar por ali mais uma noite, desci no final de tarde pela estradinha perigosa, pegando um trecho noturno no final.

Como ficou tarde, não conseguimos ir muito longe e paramos na cidadezinha de Famatina para dormir. Tudo estava perfeito, a não ser um barulho estranho que apareceu no Conway. O que será que é?

Contêineres a 4900 metros que serviram de acampamento alto na montanha 

Interior do laboratório incendiado

Vista para a região da Mina La Mejicana e suas estradinhas

Barba congelada a 5 mil e poucos metros. 

Vista para a parte inferior do Nevado Famatina

Transversal que levava até o platô

Piramide final do cume.

Subindo a ultima crista.

Último "falso" cume

No cume. Sensação térmica de -40 graus e ventos de 75 km/h

Suzie no cume

Não esqueci do Parofes.

14 de setembro de 2015

Mudança de destino: Aclimatação no Nevado Famatina.

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Tivemos um noite difícil em Las Peladas, não tanto por causa da altitude de 4 mil metros, mas sim por que o refúgio é equipado com um rádio de emergência que sofria interferência o tempo todo. Foi uma tortura tentar dormir com aquele barulho, tanto que a Suzie decidiu dormir no carro. Eu até sonhei, mas no sonho estava destruindo o rádio.

Como não havia previsão de abertura do passo, pela manhã decidimos descer até Fiambalá e comprar comida normal para não gastar nosso liofilizado. Mas ao chegar na cidade vimos que a previsão não era animadora e como não seria legal ficar dentro do refúgio sem poder sair por causa do vento, acabei olhando a previsão do Nevado Famatina, localizado uns 200 km de distância dali. Lá teríamos um tempo melhor, então acabamos em cima da hora mudar de planos e rumando ao sul.

Nem deu tempo de avisar os amigos e já pegamos a estrada rumo à Província de La Rioja. O caminho estava bom, então chegamos em El Carrizal, onde começa a estradinha que sobe a montanha relativamente cedo.

Dali para cima a estrada é quase uma trilha. É bem difícil e exige experiência em direção 4x4. Por um longo tempo ela segue o leito de um rio e é bom ter cuidado. Esta estrada é da antiga mina La Mejicana, que está desativada há uns 100 anos. O local parece uma cidade fantasma. Há construções abandonadas e muitas coisas das antigas lavras. Chama atenção um teleférico de minérios de dezenas de kms que levava os minérios dali até a cidade de Chilecito e que hoje não passa de uma estrutura em ruinas.

Estive ali em 2013 com o Waldemar Niclevicz e sua esposa Silvia durante uma etapa do Projeto Mundo Andino. Infelizmente naquela oportunidade nem pudemos tentar o cume. Era inevitável lembrar daquela expedição.

Chegamos até a mina La Mejicana, onde começa a ascensão ao Famatina no pôr do sol. Sem querer eu dei ré e bati a lateral do Conway num carrinho de ferro onde era escoado os minérios e quebrei o para-choque. Fiquei muito, mas muito bravo! Depois de dirigir por aquela estrada perigosa fui bater o carro no lugar mais fácil.

Fomos dormir ouvindo o vento. A altitude de 4300 metros dificultou pegar no sono. Tive sonhos estranhos à noite. Como sempre tendo Itatiba, a cidade onde cresci, como pano de fundo.

Acordei cedo com bastante preguiça. Ventava e fazia frio. Lá fora pude ver o estrago no meu carro e notar que a paisagem continuava igual a 2013, inclusive com os adesivos do AltaMontanha e do Mundo Andino que eu e Waldemar colamos na velho construção.

Tentei inutilmente colar o para-choque do Conway, mas fazia muito frio. Desisti e com a Suzie usamos arame para prender a luz da seta, que estava pendurada. Gambiarra argentina.

E falando em Argentina, fizemos um almoço bem típico deste país. Usei a grelha portátil da Guepardo que a Maria me deu, acendi fogo na lareira da velha construção abandonada e com a brasa fiz um delicioso churrasco com Bife de Chorizo e linguiça. Aproveitamos e hidratamos com mate. Bem argentino.

Mais tarde duas caminhonetes de agencias locais chegaram com turistas e pudemos conversar um pouco. Uma das caminhonetes tinha adesivo do AltaMontanha e o guia nos explicou o caminho para o cume. Foi muito bom ouvir suas dicas, pois ia fazer o caminho mais difícil. Descobri que descendo mais há uma estrada que leva até os 5 mil metros, onde há uns contêineres que são laboratórios de uma universidade local. Não sei do que? Mas pelo menos soube que podemos montar acampamento lá.

Depois que os argentinos foram embora ficamos sozinhos de novo, ouvindo o som do vento e observando o fogo. Aclimatar é mesmo chato. Pelo menos o carro está bem estamos utilizando os dias de tempo ruim para isso. Espero poder fazer cume em breve. Por ficar esperando nesse frio e ouvindo o barulho do vento é muito “aburrido”. Por enquanto nada de Incas, apenas gauchices. 

:: Continua

A bordo do Conway

Estrada para Mina La Mejicana

Estrada para Mina La Mejicana

Estrada para Mina La Mejicana

Estrada para Mina La Mejicana

Mina La Mejicana: Ruínas.

Cagada. Detonando meu carro.

Ruínas da Mina La Mejicana

Ruínas onde dormimos 2 noites na Mina La Mejicana

Fazendo churrasco estilo argentino: Fazendo brasa com lenha e colocando ela embaixo da "Parilla"

Fazendo churrasco estilo argentino: Fazendo brasa com lenha e colocando ela embaixo da "Parilla"

13 de setembro de 2015

Atravessando a pampa árida e chegando no Paso San Francisco

:: Leia o relato anterior desta expedição

Algumas coisas aconteceram depois que escrevi da última vez. Eu estava na cidade de Campo Largo, na província do Chaco, bem no limite entre a pampa úmida (aquela que é a paisagem dos gaúchos) e a pampa seca, que faz parte da diagonal arréica da América do Sul, uma faixa de terra que acompanha os Andes e que tem por característica o clima árido ou semi árido e a vegetação seca.

Continuando a rodovia a partir de Campo Largo, atravessamos diversas cidadezinhas agrícolas. Lojas de tratores e de implementos agrícolas existem aos montes na beira da estrada, mas parece que a prosperidade do agronegócio na Argentina não anda muito bem. Em muitos locais vi faixas de protesto. Em Quimili, tratores e caminhões bloqueavam a rodovia, nos obrigando a tomar um desvio de terra.

Entramos na província de Santiago del Estero e poucos quilômetros após a divisa as plantações dão lugar à vegetação do Chaco, que é um tipo e uma caatinga, seca e espinhenta. A estrada é monótona, sem curvas e sem nenhuma mudança na paisagem. Passo horas sem pisar no acelerador, apenas mantendo o Conway (meu carro), no piloto automático. Quase durmo no volante.

Após 3 horas dirigindo assim, entramos na primeira cidade, Suncho Coral, a qual atravessamos rapidamente. É uma cidade pequena e pobre, banhado pela rio Salado. Este caminho me faz lembrar a primeira vez que estive ali, em 2006, a bordo de meu Corsa indo exatamente ao Paso San Francisco. Lembro-me da polícia tentando me extorquir no posto antes da ponte metálica que cruza o rio e o leito da antiga estrada o que é apenas asfaltado, ou melhor cimentado, na faixa no centro da pista. Era necessário desviar para o acostamento de terra toda vez que aparecia um carro e isso me cegava de tanta poeira.

Paramos para comer uma carne em um restaurante amigável e 30 km depois já estávamos entrando em Santiago del Estero, a capital da província, que é a cidade mais antiga da Argentina. Estive ali 3 vezes, uma delas eu pernoitei num hotel na cidade junto com minha namorada Maria, no regresso de uma de minhas melhores expedições, em janeiro deste ano. Apesar de antiga, Santiago não preservou nada do passado e não é uma cidade interessante que valha a pena conhecer.

Após cruzar Santiago, tomamos uma estrada em direção oeste e após uma grande reta no meio do Chaco encontramos a primeira serra da estrada, a Serra de Guaiayan. Ali a estrada se afina e é preciso subir devagar. As cruzes em cada curva mostram a periculosidade do local, embora eu ache que são os argentinos que não sabem dirigir devagar, o problema.

No topo paramos para observar uma arvore curiosa. Com tronco grosso, desproporcional a seu tamanho, ela tem ocelos na casca e painas gigantes, que parecem algodão. Uma mistura da nossa paineira com os baobás africanos.

Árvore parecida com Painera na Serra de Gauaiayan.

Paina do Baobá da Serra do Guaiayan.

Na descida damos de frente com uma nuvem de gafanhotos gigantes. Com 10 cm de cumprimento, eles se despedaçavam ao bater no carro, sujando o para-brisa com uma gosma amarela. Continuando, passamos por uma cidadezinha e mais tarde uma ponte sobre um rio seco onde em 2006 eu e Maximo acampamos escondidos, pois não tínhamos dinheiro para pagar um hotel e tão pouco queríamos ser assaltados. Ali estávamos ao lado da divisa tríplice entre Tucumán, Santiago del Estero e Catamarca.

Insetos gigantes

Continuando nossa viagem, passamos por fora da capital de Catamarca e continuamos rumo ao sul, até derivar para oeste, onde atravessamos uma serrinha, já à noite, aonde do outro lado encontra-se a cidade de Aimogasta, aonde quase atropelei uma motinho de 100 cc dirigindo na noite de lua nova a 40 km/h na estrada sem nenhuma luz acessa. Susto!

Em pouco tempo chegamos em Tinogasta, onde decidimos dormir, pois é uma cidade um pouco maior onde provavelmente poderíamos ter acesso à internet. Ledo engano. Jantamos e fomos dormir sem conseguir nos comunicar.

Acordo tarde no dia seguinte com o barulho do vento. Infelizmente eram os ventos Zonda, um jet stream que desce da altitude algumas vezes por ano e provocam muitos estragos. No caminho até Fiambalá, estes ventos sacudiam o carro e jogavam areia sobre nós. Isso me deixava muito assustado, pois sei como é a Puna com vento, nada agradável.

E finalmente, após 3 dias de viagem chegamos a Fiambalá, a cidade base para dezenas de escaladas nos Andes, onde já estive outras tantas vezes. Ali mora Johson Reynoso, quem cuida das ascensões da região. Paro em seu escritório para bater um papo e registrar meu rastreador Spot com seu celular e email. Se der algo errado, ele é a única pessoa que pode me ajudar.

Com Johson Reynoso

Converso com Reynoso e ele me conta as novidades. Desde que estive ali, em Março deste ano, quase não houve expedições, somente às montanhas mais acessíveis. Há 3 carros abandonados nas montanhas, uma perto do Walter Penck e dois na base do Pissis, que ficaram ali depois da tempestade que resultou na enchente em Copiapó e na morte do indiano Malli Mastan Babu.

A conversa foi boa, até mesmo porque pude acessar internet e descobrir que minha permissão estava pronta e eu poderia seguir viagem. No entanto ao imprimir a permissão descubro que a estrada que leva ao Chile estava fechada devido ao mal tempo. Ventos de 125 km/h, frio de -20 graus e neve impediram o cruzamento.

No entanto, como não quero perder tempo, decido pegar a estrada e subo até uma antiga casa de adobe em Cortadera, onde em 2006 eu e Maximo dormimos 2 noites em nossa primeira viagem de carro pelos Andes.

O local permanecesse igual, mas a casinha está melhor equipada. Continua suja e acredito cheia de ratos a noite, mas colocaram mesas e churrasqueiras para cozinhar. Aqui, há 3200 metros será nossa primeira noite na altitude. Espero que não faça muito frio....

Barrados na Fronteira

A noite fez muito menos vento que o esperado, ou pelo menos o local que escolhi para armar a barraca e deixar o Conway foram os mais apropriados. Os ventos Zonda são jet streams. Eles são originários da própria rotação da terra, mas aparecem somente em grandes altitudes. Quando os aviões estão em cruzeiro, eles são responsáveis por acelerar ou retardar viagens, fazendo que as companhias aéreas economizem ou gastem mais dinheiro com combustível.

Por algum motivo, este ventos perdem altitude algumas vezes por ano. Tivemos o infortúnio de chegar aqui bem em uma dessas épocas. Como o vento vem do oeste, deixei o carro numa varandinha na parte leste da antiga construção. Acredito que esta varandinha e a entrada principal serem voltada à leste é prova de que o vento é bem mais frequente que se imagina.

Não estávamos com fome, por isso comemos apenas uma sopa leve e tomamos leite com chocolate em pó. Se eu soubesse que o tempo ia estar assim, teria ficado até mais tarde em Fiambalá e esperaria o mercado abrir depois da maldita Siesta (que sempre atrapalha minhas viagens) para comprar mais comida. Alguma fresca, como queijo e carne. Neste refúgio era possível até assar um churrasquinho.
Com o cair da noite o vento deu uma acalmada e fomos dormir quase às 21 horas. Não estava cansado, mas o sono veio rápido. Ainda tive tempo de olhar as estrelas que coalhavam o céu e recordar quando estive ali pela primeira vez.

Isso foi em fevereiro de 2006. A bordo de meu pequeno Corsa branco chegamos na estrada que leva ao Chile com uma mistura de admiração e medo. Após passar a noite no leito daquele rio seco, próximo à divisa entre Santiago del Estero, Tucumán e Catamarca, acordamos com os primeiros raios de sol e não demoramos muito a chegar na capital de Catamarca, onde achamos um supermercado onde compramos nossas provisões.

No caminho da estrada, achamos um café, onde paramos para comer uma bobagem e vi pela primeira vez na minha vida internet Wireless. Fiquei muito maravilhado ao ver o Macbook do Maximo conectando com tanta facilidade. Não me recordo bem da travessia da serrinha que leva à Aimogasta, mas lembro bem dessa cidade, com seus postes vermelhos na avenida principal e também as fazendas de oliva. Me recordo levemente de estar passando por Tinogasta e de Fiambalá lembro apenas do posto de gasolina e da luz do sol do fim do dia.

Já na estrada internacional, me recordo de que o asfalto naquela época era interrompida num local onde ela se estreitava num vale escarpado, a “Quebrada de las Angosturas”. Admirando a belíssima paisagem e tentando interpretá-la dum ponto de vista geomorfológico (pois havia acabado de me formar em Geografia) deixei Corsa ferver e aquilo me deixou muito assustado. Havia um baqueano cuidando de ovelhas e antes que minha preocupação acabasse, Maximo foi até um rio próximo e trouxe água para colocar no radiador. Algo que eu não faria hoje em dia. Não sei porque esta imagem dele jogando água no motor sob a luz clara do fim da tarde na altitude é a lembrança mais forte que tenho desta viagem.

Pouco tempo depois de ter fervido o carro passamos por Chaschuil e pude perceber que assim como na Patagônia, no norte se dava nomes a locais apenas por sua importância como localização. Pensei que haveria pelo menos algumas casas em Chaschuil, mas lá é apenas o local onde a Ruta 60 faz uma curva. Em Cortaderas, poucos quilômetros depois, não havia nada, apenas a entrada para uma casa de adobe abandonada ao lado do rio. Este mesmo local onde dormimos agora foi o local que dormimos na primeira noite que passamos nos Andes em 2006.

Felizes com o local agradável, montamos a barraca perto do rio, ignorando a casa abandonada. Aproveitamos minha chapa de ferro, a qual eu costumava fazer pão com linguiça, pão na chapa e outras iguarias na república de Rio Claro e fizemos “Choripan”, uma cena que ficou imortalizada num vídeo que mais tarde Maximo editou desta viagem. Teríamos refrigerante “Paso de los Toros” de Pomelo naquela refeição, se não tivéssemos esquecido garrafa, que deixamos dentro do rio para esfriar.

Após voltarmos de uma tentativa mal sucedida de escalar o Incahuasi em 2006, dormimos no mesmo lugar, mas desta vez dentro da casa. Tivemos sorte de achar a garrafa de 3 litros de Paso de los Toros, mas azar por ser assolados pelos ratos dentro da casa, que nos forçou montar a barraca lá fora.

Como minha experiência 9 anos antes me avisava, desta vez dormimos lá fora, sem ratos e com tranquilidade. Fez -5 graus à noite, mas nem senti frio. Acordamos tarde e sem pressa, pois sabíamos que era muito provável que a fronteira estivesse fechada.

Com os galões de água carregados, tivemos uma viagem tranquila e apenas paramos para ver um Condor ou ir vez ou outra ao “banheiro”. Aliás estamos aclimatando e beber bastante água é fundamental.

Estrada do Paso San Francisco

Após cerca de uma hora chegamos ao complexo fronteiriço de Las Grutas e lá fomos informados que não podíamos seguir viagem, pois o lado chileno da fronteira estava com muita neve e gelo na estrada. Perguntei se podíamos dormir no refúgio que existe ali e se podíamos ir nas termas localizada menos de 3 km de lá. Negativo para ambas perguntas.

Infelizmente a Gendarmeria argentina está com uma política de muita restrição no Paso San Francisco, proibindo a ascensão de todas as montanhas, até as mais fáceis, como o Bertrandt. Eles também não permitem o pernoite no refúgio de Las Grutas que é público e não deixa você passar a fronteira com galão de combustível, impedindo que você realize qualquer escalada, pois apenas para chegar ali, já é gasto metade de um tanque de um caro normal.

Não tivemos outra opção senão voltar e dormir em Las Peladas, onde há um pequeno refúgio há 4040 metros de altitude. Nada mal para quem está aclimatando.

O problema, no entanto, é que Las Peladas fica num vale muito aberto e o vento Zonda não pára de nos castigar. O barulho de vento é infernal e como aqui não tem nada para fazer, a única opção é ler e escrever, até a bateria do computador acabar.

Interior do Refúgio n. 5

Refúgio n. 5