Blog do Pedro Hauck: novembro 2015

30 de novembro de 2015

O Vulcão Paso Cerrado


_Hola es de Carabineros de Chile?
_Si
_ Bueno, me gustaria saber si el Paso San Franscisco está abierto?
_ No
_ No?! Y poderian decir me cuando se vá abrir?
_ No sé.
_ Hay algun prognostico de cuando poderá estar abierto? Hace 2 semanas que el tiempo está perfecto, no hay viento y hay sol? No es posible que se tarde tanto para abrir la ruta.
_ No huevon! El Paso está cerrado y no hay prognostico de cuando se va abrir.

Foi mais ou menos essa a conversa que Maximo teve com a autoridade policial chilena na fronteira com a Argentina. Gastamos crédito do telefone satelital apenas para passar raiva. 

O Paso San Francisco, uma das poucas fronteiras no norte da Argentina e Chile estava fechado de novo e por nossa experiência anterior sabíamos que para fechar é rápido, mas para abrir demora muito tempo, mesmo que não tenha neve na estrada, a mesma fica fechada por total desinteresse das autoridades em habilitar o passo. Como seria possível que durante o tempo de espera para abertura desta fronteira a gente tinha escalado 3 montanhas acima dos 6 mil metros e na parte mais baixa, numa estrada de asfalto a gente não podia passar? Mais um paradoxo desta fronteira.

O fato é que há alguns anos, tanto no lado argentino quanto chileno cada vez mais há restrições para a prática do montanhismo. Isso porque a estrada internacional é chamada de “Ruta de los 6 mil” pois há umas 20 montanhas acima desta altitude ao longo dela. E pior é que estas proibições são veladas. Elas ocorrem porque as regras são absurdas e impossibilitam ou dificultam nosso acesso. Regras como por exemplo a proibição de atravessar a fronteira com combustível extra, sendo que as montanhas ficam 300 km longe de qualquer posto de gasolina. Entre outras coisas. Ainda nesta expedição já havíamos sofrido com estas regras absurdas e agora, de novo?

O que nos restava fazer?

Como estávamos com pouco combustível, talvez pudêssemos descer até Copiapó, carregar o carro e procurar outra montanha para escalar. No entanto estávamos sem dinheiro chileno e estávamos com plano de escalar uma montanha na Argentina que havíamos descoberto ser a montanha mais alta dos Andes ainda sem ascensões e sem nome. Também já estava fazendo quase 2 meses que estava viajando e não podia mais perder tempo esperando. O tempo estava perfeito há duas semanas. O que as autoridades esperavam? O tempo fechar?

Tudo o que podíamos fazer para esperar era escalar algo no caminho, algo que não desviasse do caminho e assim não gastasse combustível. Eis que surgiu a idéia de escalar outra montanha virgem do outro lado da Laguna Bayo em frente ao Sierra Nevada. Esta montanha ficava no meio do caminho de volta, não tinha nome e quando conversamos com nossos amigos dos clubes de montanha de Copiapó, eles também nos informaram que não havia ascensões.

Juntamos todas nossas tralhas e jogamos dentro dos carros. Como era de manhã, tivemos dificuldade em fazer o carro pegar, Diesel no frio é complicado. No entanto foi esquentar o motor para começar a descer, costear o lago salgado e em pouco tempo chegar em um local para estacionar novamente na encosta do vulcão sem nome. Pelo GPS dava para ver que estávamos somente 700 metros de desnível do cume. 

Nem foi preciso bota dupla e nem muita roupa. Por sorte estávamos na face protegida do vento, mas por azar a encosta do vulcão era coalhada de “acarreo”, rochas vulcânicas soltas. Cada passo para cima eram dois para baixo, mas como a altitude não era muito elevada e estávamos bem aclimatados, o esforço físico não foi tão forte e fomos progredindo rapidamente, apesar do meu cansaço acumulado de 2 meses de expedição.

Jovani e Maximo foram na frente e eu fui atrás envolto em pensamentos. Será que vão abrir a fronteira? Será que teremos que voltar a Copiapó e dar uma volta de 2 mil quilômetros para voltar para casa? Será que por conta do fechamento da fronteira vamos perder a oportunidade de escalar a montanha virgem mais alta dos Andes? Muitas dúvidas e muita raiva das autoridades que não conseguiam, ou nem tentavam tirar a neve da estrada.

Num determinado momento chegamos a um falso cume. Lá ficamos expostos a um vento que quase me derrubou ao chão. Entre um rochedo e outro havia um canal que concentrava o vento e ele ficava fortíssimo. Uma pena que não dá para tirar foto de vento, pois foi impressionante a força do mesmo.

Dali subimos uma rampa de neve e chegamos num cume, 5079 metros de altitude, onde obviamente ventava muito. No entanto dali pudemos ver que no norte havia um cume maior. Caminhamos por uma crista e chegamos neste cume mais alto, onde achamos uma “pirca” que não sei dizer se seria inca ou não. O visual era incrível. Todas as montanhas que escalamos nas ultimas semanas em nossa frente, algumas delas inclusive que nós demos nomes e a maioria com uma história incerta de ascensões. Talvez seja a ultima vez na minha vida que eu olhe para elas, pois é tão perigoso este local, tão difícil de chegar, que não tenho planos de retornar mais ali, por mais que o Tridente e o León Muerto sejam montanhas que despertam meu interesse em escala-las.

Descemos mais rápido do que subimos e apenas 3 horas depois que deixamos os carros para trás já estávamos ali de novo. Escalamos uma montanha sem nome com 700 metros de desnivel e descemos em apenas 3 horas. Aliás, qual o nome da montanha? Uhm, vamos pensar.

_ Já sei! Que tal “Paso Cerrado”? 

Todos riram e concordaram com a “homenagem” ao Paso San Francisco e sua condição de estar sempre inabilitado.

Retornamos boa parte do caminho o qual tivemos grande dificuldade de percorrer na ida. Em dois dias a neve tinha derretido bastante e ficou mais fácil. No entanto, ao invés de retornar à civilização, subimos o vale do rio Juncalito e fomos parar na nascente deste rio, onde tivemos a surpresa de ver que ele nasce quente. Ali há algumas construções e era um local aconchegante para passar uma noite.
Tomamos banho nas águas termais, o que foi ótimo. A gente até tinha uma peça de carne de porco na geladeira do carro e fizemos um churrasquinho regado do resto de vinho Gato Cabernet Sauvignon. Aquela choupana que diziam ser a terma se tornou o local mais confortável em semanas e fomos felizes por algum tempo, esquecendo o “Paso Cerrado”, achando que ele pudesse abrir no dia seguinte, o que não aconteceu...

:: Continua...

Vulcão Paso Cerrado visto da aproximação do Sierra Nevada

Local onde deixamos os carros para subir o Paso Cerrado

Sierra Nevada vista do Paso Cerrado

Olhando para o falso cume do Paso Cerrado

Maximo e Jovani perto da canaleta de vento do Paso Cerrado

Vista para o cume mais alto desde o falso cume.

Vista para Lagunas Bravas, vulcão de mesmo nome (esquerda) Lomas Coloradas (centro) e na direita parte do León Muerto.

Esquerda, montanha sem nome, centro, vulcão Lagunas Bravas

Vulcão sem nome que escalamos anteriormente.

Jovani e Maximo no cume do Paso Cerrado.

Jovani e Maximo no cume do Paso Cerrado.

Jovani e Maximo no cume do Paso Cerrado.

Jovani e Maximo no cume do Paso Cerrado.

Eu e Maximo no cume do Paso Cerrado com Apacheta

Termas do Juncalito. Um luxo.

25 de novembro de 2015

Segunda ascensão absoluta ao Vulcão Sierra Nevada 6137m

Chegamos tarde à base do Sierra Nevada, que foi o local onde conseguimos chegar de carro nos 4500 metros de altitude. A ideia inicial seria acampar ali, porém o terreno irregular e o vento nos motivou a seguir adiante na esperança de achar algo melhor mais alto, mesmo que fosse 5 da tarde. Assim, como diz o Jorge Soto, nos “pirulitamos” montanha acima.

Com mochilas nas costas tivemos a dificuldade de andar sobre um terreno arenoso que estava molhado em sua subsuperfície por conta do derretimento da neve, o mesmo terreno que tivemos dificuldade de cruzar com os carros agora também gerava dificuldade à pé.

A caminhada pelo terreno inédito era íngreme. Havia muita subida e em alguns lugares ainda tinha manchas de neve. Apesar das dificuldades, o progresso foi rápido e quando a luz do sol estava se apaziguando, chegamos a um anfiteatro com chão plano bastante protegido pelo vento que se mostrou perfeito para um acampamento, numa altitude de 5200 metros.

A noite fria surgiu bela e não tardou para que a lua cheia iluminasse aquela paisagem marciana. Sem vento e com um jantar farto preparado pelo Maximo fomos dormir despreocupados, ainda mais que o vento desapareceu deixando seus ruivos apenas na memória e na paisagem o som do silêncio.

Acordamos com o clarear do dia e ainda no frio das sombras adentramos um vale cheio de neve ainda congelada da madrugada. Caminhamos juntos por um tempo, mas logo o melhor preparo do Maximo apareceu e ele foi abrindo caminho à frente. Fui com o Jovani num ritmo mais lento, mas sem percalços.
A rocha vulcânica local quando erodida formavam placas que dispostas nas ladeiras formavam vertentes mais sólidas e fáceis que os famigerados acarreos. Assim, mesmo com a altitude elevada, progredíamos sem muita dificuldade.

Pelo GPS descobrimos que o cume que se descortinava em nossa frente não era o mais alto, sendo mais um dos 14 acima dos 6 mil metros que existem neste complexo vulcânico. Chegamos até uma certa altura nele e o contornamos por sua vertente leste, protegidos do vento em uma ombreira que conformava um corredor recoberto por neve num ambiente melhor impossível, mesmo acima dos 5800 metros.

Contornando o cume secundário, saímos num platô elevado bastante nevado, onde ficamos desprotegidos de ventos brancos. Ali, Maximo me avisou qual era o cume verdadeiro pelo rádio. Não entendi direito, mas cerca de uma hora depois nos encontramos e tirei a dúvida. Subimos o pouco que faltava até o ponto culminante do Sierra Nevada e ali pude ver uma pequena pilha de pedras deixada pela única expedição que já esteve ali, cerca de 10 meses antes que nós.

De fato do cume mais alto é difícil perceber a diferença com o cume onde está o livro deixado pela expedição patrocinada pelo Banco do Chile na década passada, apenas 10 metros a menos, mas cerca de 2 km em linha reta dali.



No entanto não foi difícil reconhecer outros cumes ali perto. Primeiramente o Cume do Laudo, uma cratera vulcânica secundária do Sierra Nevada. Depois no horizonte vi o Cerro Colorados e Vallecitos, que foram primeiramente escaladas em 2006. No Leste, o Peinado, que junto com Waldemar Niclevicz fizemos a quarta ascensão absoluta em 2013. Ao lado dele o Condor, que teve sua primeira ascensão no não distante ano de 2003. Perto estavam o San Francisco e Incahuasi, Muerto, Ojos Del Salado e Três Cruces com o Vulcão Copiapó se destacando no horizonte.

Comemoramos esta escalada tão inusitada. Deixamos cinzas do Parofes, fizemos fotos e vídeos e começamos a descer sem pressa, chegando cedo no acampamento onde tivemos que fazer uma decisão. Maximo, ao chegar lá antes de nós, ligou para a aduana na fronteira para que pudéssemos planejar nosso futuro e ele foi informado que ela permaneça fechada. Ficamos muito putos com as autoridades chilenas que não conseguem em 2 semanas tirar neve da estrada e ficamos sem saber o que fazer.

Acabamos descendo até o carro, até por que estávamos com pouca comida. Tivemos que aplainar plataformas para armar as barracas, pois o terreno era irregular, e passar a noite ali sem muito o que fazer. Não tínhamos muito combustível, de forma que voltar à Copiapó seria arriscado. Pior que isso, voltar para a civilização e dar volta por outra fronteira seria mais caro e perderíamos a chance de escalar mais.

O que fazer?
Jovani subindo até o acampamento alto do Sierra Nevada

Pegadas na areia fofa. Vulcão Sem Nome na esquerda, Laguna Jilgero e o Tridente, montanha que faz fronteira.

Maximo no pôr do sol e montanha sem nome no fundo.

Acampamento iluminado pela lua cheia no Sierra Nevada.

Acampamento pela manhã

Vale nevado que tivemos que subir

Jovani contornando o falso cume há cerca de 5800 metros de altitude.

O falso cume do Sierra Nevada

Quase chegando no cume e a paisagem espetacular.

Travessia na neve perto do gelo.

Cratera do Laudo, sub cume da Sierra Nevada. Atrás na esquerda se vê o Peinado e na direita o Condor.

No horizonte se vê na esquerda o San Franscico, o Incahuasi, o Fraile e o Muerto.

Vista para o Muerto, Ojos del Salado, e os Três Cruces.

Vista para o Vulcão Copiapó e outras montanhas de 5 mil.

Jovani Blume e eu no cume do Sierra Nevada. 6137 metros.

A segunda ascensão absoluta do Sierra Nevada, 6137 metros.

Parofito no cume.


23 de novembro de 2015

Aproximação pelo Chile do remoto Sierra Nevada, o último 6 mil a ser escalado nos Andes


O Sierra Nevada é um vulcão gigante com uma dezenas de cumes acima dos 6 mil metros e uma das montanhas mais remotas de toda a cordilheira. Em 2014, Maximo descobriu que o cume que era tido como o mais alto e que inclusive era que havia recebido as poucas ascensões nesta montanha não era na verdade o mais alto. Em dezembro daquele ano, o argentino Guillermo Almaraz organizou uma expedição e pelo lado argentino escalou este cume que devido aos fatos explicados foi o ultimo 6 mil andino escalado.

Menos de um ano depois, estávamos na região e esta montanha era nosso objetivo. Pelo Google Earth Maximo havia planejado uma aproximação pelo lado chileno, atravessando o mesmo vale onde havíamos escalado várias montanhas virgens nesta viagem. Um lugar remoto e perigoso. Seria nossa chance, pois estávamos com dois carros e entrar ali sozinho é altamente desaconselhável.

No dia posterior ao que escalamos o Vulcão Patos, acordamos sem pressa e gastamos a manhã toda organizando nossos equipamentos no Refúgio Santa Rosa e assim somente à tarde pudemos partir rumo à montanha. Passamos pela aduana chilena do Paso San Francisco, Maricunga, e fomos nos informar se a mesma se encontrava aberta. O tempo estava perfeito e os chilenos que encontramos no refúgio nos dissera que por conta disso, o passo que havia fechado devido à tempestade de semanas antes iria abrir naquele dia, porém a resposta oficial foi outra. Sem previsão.

Saímos de Maricunga um pouco desorientados. Por um lado estávamos focados em escalar o Sierra Nevada, realizando ainda naquele dia sua difícil aproximação 4x4, mas por outro lado era difícil não pensar no "depois disso". Ficamos com medo de ao térmico desta montanha não conseguir atravessar a fronteira e assim começar nosso regresso ao Brasil.

Com este sentimento dirigimos pela estrada de terra que dá acesso à montanha. 40 km depois de Maricunga um desvio à direita leva até uma barragem e de lá começa um canyon por onde teríamos que dirigir por mais uns 20, num percurso cheio de travessias de rios que já estávamos craques de fazer.  Andamos por este trecho sem problemas e no fim do vale ao invés de começar a subida até a Puna, decidimos, depois de 3 vezes lá, ir até uma terma no final do vale para conferir o local e fomos surpreendidos pela qualidade da construção no meio daquele local tão ermo.

Ali haviam duas casas, sendo que uma era um vestiário que tinha uma rampa até o lago de água quente e outra um refugio semi acabado. Ainda havia um casebre que funcionava uma cozinha. Achamos um ótimo local para descansar no retorno da escalada, mas não naquele dia. Deixamos a terma para trás e reiniciamos a longa aproximação 4x4 ao Sierra Nevada.

Subimos a rampa que saia do vale e logo ali enfrentamos a primeira mancha de neve, que foi facilmente desviada. Depois dali começa um trecho plano de deserto, que fizemos sem problemas. Este trecho termina numa estrada mineira abandonada que até então foi o local mais fácil de nossas odisseias por aquele local. Desta vez foi diferente.

Como esta estrada foi feita por uma moto niveladora, formou-se uma vala onde a neve se acumula e esta era a realidade. Em uma semana, não houve tempo suficiente da neve derreter e o local que era para ser o mais fácil se tornou o mais difícil de trafegar. Sem poder andar na estrada propriamente dita, tive que sair dela e andar no meio do nada desviando de todas as manchas de neve, o que nem sempre era fácil, pois a neve se acumula em baixadas e muitas vezes não enxergamos ela de longe. Diversas vezes tivemos que chegar até o limite de uma depressão para checar se poderíamos ou não atravessar.

Essa caça ao caminho, buscando maneiras de nos aproximar da montanha no meio do nada, nos deixou bastante irritados, pois um erro e nos levava a atolar o carro, exigindo perícia ao sair da neve.

Após passar por este trecho, começamos uma descida rumos ao fundo do salar Piedra Parada, onde começava o pior trecho em boas condições. Eu já estava tenso por ter passado tanto perrengue na melhor parte e entrei ali apreensivo. No entanto, como já havia passado ali outras vezes, a experiência em dirigir naquele terreno arenoso e cheio de pedras me fez achar os melhores caminhos de maneira mais fácil que nas vezes anteriores e isso adiantou nosso itinerário. No entanto, ao descer na beirada da Laguna Jilgero, me descuido um segundo e acabo atolando o carro numa areia movediça.

Você pode acreditar que areia movediça é coisa de desenho animado e seja um mito. Não é! Essa areia é na verdade um local onde ela nunca se comprime e fica sempre fofa, fazendo que o carro se afunde o tempo todo. Percebendo que esta areia era assim, eu nem tentei tirar o carro, pedi ao Jovani que me puxasse com o guincho, mas mesmo assim o carro afundava cada vez mais.

Calçando o carro com o tapete de borracha e usando o guincho, após muito esforço conseguimos tirar ele dali e recomeçar nosso caminho, claro que ainda mais tensos que o começo. E tensos como estávamos subimos o divisor de águas entre a laguna Jilgero e a Laguna Bayo, num lugar que além de ter areia e pedra, também tinha neve e era inclinado. Ou seja, se estava ruim, ficou pior.

Mas foi apenas passar por este local para começar a descida e nos aproximarmos do lado, que deveríamos bordejar e a partir da margem oposta a que estávamos iniciar uma ascensão rumo ao desconhecido lado chileno do Sierra Nevada. Apesar deste ser o único trecho inédito nesta aproximação, ele se mostrou mais amigável que o anterior, o que não significa fácil.

Ali entramos num vale formado por uma depressão entre duas dunas. O chão era encoberto de pedrinhas na superfície, mas abaixo delas havia a areia movediça molhada pelo derretimento da neve em ambos lados do vale. O carro afundava bastante, mas na reduzida prosseguia sem percalços. Ainda tivemos que cortar um manchão de neve e chegar no fim da linha, a apenas 4500 metros de altitude, baixo considerando que o cume está a 6137 metros.

:: Continua...

Carro afundado na areia movediça

Atolado

Saindo com guincho

Novamente no meio do nada

Até onde conseguimos chegar

18 de novembro de 2015

Ascensão ao remoto Vulcão Patos (ou Três Quebradas)


Após a ascensão ao Vulcão Copiapó, nossa equipe sofreu baixas. Não que alguém tenha se machucado, mas o tempo para a Suzie e o Caio havia acabado e eles tiveram que voltar para casa. Ficamos no Chile eu, Maximo e Jovani.

Após termos sofrido muito com o mau tempo, enfim ele parecia estar começando a dar uma trégua e melhorar. Ao invés de voltarmos para casa, decidimos fazer uma "saidera" e escalar outras montanhas antes de pegar estrada. Felizmente o Jovani conseguiu arrumar o seu jipe, fora isso estávamos aclimatados e na região havia há montanhas que há anos queríamos escalar. Tudo conspirava para a gente ficar um pouco mais e aproveitar. Isso sem falar que a fronteira estava fechada e de qualquer forma não dava para ir para a Argentina.

Após um dia de descanso pegamos a ruta CH31 com o sentimento que aquela seria a última vez que subiríamos aquela estrada, pelo menos nesta viagem. A cada quilômetro tínhamos uma recordação de perrengue. O local onde o carro ferveu, a descida que fizemos quase sem combustível e por aí vai. Foram muitas subidas e descidas.

Desta vez a subida foi rápida e nem paramos no refúgio Santa Rosa, indo direto na direção da montanha. Eu já havia olhado o Vulcão Patos inúmeras vezes pelo mapa e apenas tinha visto ele quando escalei o Pissis em 2013. Sabia quer era uma montanha que fazia fronteira entre o Chile e a Argentina, mas não sabia nada sobre o acesso. Aparentemente pelo Google Earth havia um caminho óbvio pela Argentina, mas pesquisando por ali Maximo desenhou uma rota aparentemente fácil pelo Chile, saindo por uma mina desativada de ouro e subindo um vale com rio. No entanto minha experiência na Puna do Atacama deixava um alerta: Nem tudo é o que parece ser!

Com o GPS ligado achamos a entrada pela mineradora abandonada em uma estrada de terra. Ali em uma curva tivemos o primeiro problema, o pneu direito traseiro do Conway furou. Era um pneu meia vida que eu havia comprado numa borracharia em Copiapó em substituição a outro pneu que fora destruído em San Juan. Consertamos este pneu com um kit de reparos do Jovani. Colocamos dois reparos para tampar o furo que era muito grande e fomos com receio para a montanha, sabendo que só teríamos outro pneu auxiliar que estava ainda pior.

A estrada que começava ao lado da mineração estreitava após um tempo e ao entrar no vale, após uma descida abrupta em uma ribanceira ela desaparecia e logo ali tivemos a primeira dificuldade em relação com o relevo. Havia uma linha de neve estreita aparentemente fácil de passar com o carro, mas ao fazer isso minha roda afundou. Era um rio tampado de neve. O carro ficou atolado, sem muita dificuldade de retira-lo com o guincho do Jovani. 

Fizemos um calço com pedras e atravessamos o rio, cruzando por uma vega, vegetação encharcada, que tinha bastante neve e que obviamente tivemos o receito de atolar novamente, achando que pudesse ter um fundo falso para atolarmos como na primeira vez. Por sorte não havia mais rios e continuamos nossa jornada de aproximação ao vulcão.

Num determinado momento observamos cercas de pedra alinhadas na vertente direita do vale e ao aproximar nos demos conta de que haviam dezenas delas. Paramos para observar, pois suspeitávamos que eram ruínas incas, no entanto ao observar uma delas, Maximo encontrou um pedaço de vidro que era uma garrafa quebrada. Com uma parede mais grosa que outra, percebemos que se tratava de uma garrafa muito antiga, do período colonial e isso nos intrigou. As dezenas de cercas de pedras alinhadas dava a impressão que aquilo foi um acampamento militar antigo e isso nos fez pensar que ali pudesse ter sido usado pelo exército de Diego de Almagro na conquista do Chile.

O espanhol Diego de Almagro atravessou os Andes pelo Paso de San Francisco. No entanto não se sabe exatamente por onde. Percebendo que este vale atravessa um passo e que apenas em pouco tempo esta travessia fica sem água, bem diferente do vale onde atualmente passa a estrada internacional, onde é muito mais árido, o achado desta garrafa nos fez pensar que estas ruínas sejam espanhola e não indígena. Uma hipótese bem interessante para adicionarmos às observações de nossa expedição.

Continuamos nossa aproximação rumo ao desconhecido e num determinado momento derivamos a sudeste, subindo um vale tributário ao rio principal que apresentava um relevo mais suave e amigável em oposição ao primeiro. No entanto nossa intuição foi frustrada num determinado ponto em que este vale secundário estava impedido com uma grande mancha de neve.

Retornamos a nosso plano inicial, voltando e adentrando o vale principal que se encaixava em um canyon profundo, onde a sombra mantinha um gelo vítreo permanente. Desviamos destas manchas de gelo em vários momentos, no entanto no alto do vale diversos blocos rochosos impediam a passagem: Game over.

Chegamos a cogitar acampar naquele local e no dia seguinte realiar uma travessia de cerca de 18 km para chegar à base da montanha. No entanto Maximo não ficou satisfeito e ele nos fez voltar ao vale secundário, nos encorajando a encontrar um caminho para aproximarmos mais da montanha. Retornamos àquele vale, seguindo as únicas pegadas que haviam ali: As nossas.

Ao retornar ao local impedido pela neve, achamos um caminho subindo por uma vertente que saia num planalto. Desviando de uma e outra mancha de neve chegamos num precipício intransponível, mas ao dar meia volta encontramos uma descida a um local mais alto no vale acima do ponto obstruído. Descemos até o fundo do vale e atravessando ele começamos a subida em outro lado indo em direção ao enorme cone vulcânico.

Apesar do terreno ser virgem (não tinha nenhuma pegada), ele era fácil e assim conseguimos avançar, nos aproximando do vulcão. Num determinado momento, já com o sol quase se pondo, observo uma torre metálica ao horizonte e ao me aproximar percebo que é um hito fronteiriço, que são torres colocadas nas fronteiras entre dois países. Comemoramos o achado de um passo entre o Chile e a Argentina e de lá pudemos ver bem nosso destino pela primeira vez, mas infelizmente com bastante neve, o que nos obrigou a encontrar um caminho entre as manchas de neve.

Do Hito fomos em direção norte, cruzando um campo de blocos rochosos que de principio era fácil de desviar, mas que ao cair a luz do dia se tornou um labirinto de pedras perigosas e estressante, onde tivemos que parar varias vezes para sair de problemas.

Após muito stress conseguimos passar por este campo, mas estava cada vez mais difícil corrigir o rumo até a montanha, pois apareceu várias manchas de neve. Desviando delas, saímos no topo de um morro circulado de pedra e neve e tivemos que retroceder. Assim como no primeiro vale no começo de nossa jornada, o retorno nos deu outra visão e observei um vale por onde pude entrar com o carro e aproximar o máximo possível, até achar um manchão de neve onde decidimos acampar. Era tarde, fazia um frio grande e não tivemos outra opção.

Apesar de não ser o melhor lugar possível, montamos um bom acampamento e passamos uma noite confortável, principalmente depois de um rango delicioso preparado pelo Max. Nada mais justo, esta aproximação ao desconhecido me gerou muito stress. Envelheci 10 anos dirigindo naquele local.
Acordamos com os primeiros raios de sol no dia seguinte. Com luz, pudemos ver melhor o que deveríamos fazer e faltava muito até a base de fato da montanha, tanto em distância quanto em altura. Foi neste momento que decidimos ir com o Troller do Jovani, que tem pneus mais altos e preparados até onde desse e de lá começar a escalada.

Tivemos dificuldade de fazer o carro pegar por conta do frio da manhã, mas foi uma boa estratégia. Com o jipe mais alto, pudemos atravessar vários manchões de neve e chegar até os 4800 metros de altitude, 1450 metros abaixo do cume, o que ajudava bastante, mas não deixava a escalada menos desafiadora.

Com botas duplas nos pés, roupas para aguentar os fortes ventos, começamos nossa caminhada subindo uma vertente abrupta de rochas soltas que só não deslizaram para baixo por que eram grandes. 

Maximo, como é muito forte e rápido foi na frente, enquanto que Jovani e eu fomos em nosso ritmo, ficando para trás rapidamente. De fato a primeira parte não era muito difícil, apesar do ganho rápido de altitude. Em pouco tempo alcançamos um platô aplainado que fazia um ombro na montanha onde começava a subida final até o topo. Dali parecia que estaríamos perto do cume, mas um ponto vermelho se movendo mais acima nos dava a idéia exata da imensidão do vulcão do Patos. Era o Maximo cerca de 300 metros acima de nós.

Neste platô começamos a sentir o vento e a medida que a hora ia avançando e íamos ganhando altura, o vento ficava mais forte, ao ponto que começou a ter rajadas tão fortes que era necessário cravar os bastões no chão e fazer um contra peso ao vento para que ele não nos jogasse ao piso. Para piorar, o vento era geladíssimo e todas as partes expostas do corpo (que era apenas a maçã do rosto e parte do nariz) começaram a congelar.

Um pouco depois que começou esta tortura encontramos Maximo descendo do cume, dizendo que em nosso ritmo demoraríamos cerca de uma hora e que o vento lá estava ainda pior. Ele nos alertou do caminho, dizendo que precisaríamos de atenção na volta para não ir para uma vertente errada, dizendo que ali era confuso. Neste momento o Jovani cogitou desistir, pois receber aquela advertência num momento em que éramos torturados pelo vento não foi nada animador, mas convencemos ele de continuar.

E não é que dali até o cume foi rápido? Através da advertência do Maximo evitei estar em um lugar exposto e caminhei no lado leste da crista final que ia até o cume, protegido do vento. Assim, evitei aquela tortura e caminhamos rápido.

Chegamos até o alto de uma protuberância e percebemos que ali era um falso cume ao ver um outro de altura semelhante com uma pilha de pedras no topo. Fizemos a travessia até lá, desta vez super expostos ao vento e ao chegar à esta pilha de pedras vimos o livro de cume. Assinamos o mesmo sentados, para se proteger do frio e do vento, que nesta altura já tinha congelado minha barba, fazendo que ela colasse na bandana



O livro de cume tinha apenas 4 páginas usadas, com assinaturas de 4 expedições somente. este livro estava ali desde 2005 e isso dava a dimensão de como esta montanha era pouco frequentada.
Do topo pudemos ver todas as montanhas ao redor, numa visão privilegiada. Pissis, Vulcão Copiapó, Dos Hermanas, Três Cruces, Solo, Ojos del Salado e Walther Penck  dominavam o horizonte.

Realizamos um descenso sem percalços e ficamos aliviados quando chegamos numa altitude onde ventava menos. Chegamos no Troller e o Maximo nos esperava com uma garrafa de refrigerante. A tarde estava bela com sol agradável e com sentimento de missão cumprida retornamos ao acampamento onde pudemos ver que nossas barracas não tinham sido levadas pelo vento. Na Puna podemos sempre esperar por este tipo de tragédia.

Como ainda era relativamente cedo e fazia "calor", jogamos tudo dentro dos carros e saímos de lá ainda com luz do sol, para enfrentar toda a perrengue 4x4 da aproximação sem problemas. Fomos ficar sem luz do dia apenas na estrada após a mineradora, onde tudo era controlado e acabamos indo dormir no refúgio San Francisco, dividindo o mesmo com um grupo de um clube andino de Santiago com quem fizemos amizade. Neste dia ainda furamos mais uma vez o pneu aquele pneu avariado, mas desta vez com uma pedrinha e só percebemos no dia seguinte.

Durante anos eu olhava o Patos no mapa e não sabia como fazer para chegar perto dele. Descobrimos um (mau) caminho e era uma grande satisfação escalar ele e retornar com segurança à civilização. Um bom sentimento de dever cumprido.
Vista do Vulcão Patos desde a estrada mineira

Primeiro imprevisto: pneu furado


Duas minhoquinhas para remendar o pneu

Falso chão. Rio coberto de neve que nos fez uma surpresa!

Provável acampamento da expedição militar de Diego de Almagro.

Encontrando uma apacheta inca no alto de um morro na busca para um caminho no Patos

Fim de linha? Pelo menos para o caminho que achávamos que daria para fazer...

Rochas impedem a passagem pelo caminho que achávamos ser possível passar

Abrindo caminho na Puna

Hito fronteiriço no Paso del Patos. 

Vulcão Patos ao amanhecer

Nosso acampamento na base do Patos

Local onde deixamos o Troller na base do Patos para realizar a ascensão.

Jovani na ascensão ao Vulcão Patos

Ascenso ao vulcão Patos: Sofrimento com o vento

Jovani no cume do Vulcão Patos.

Com a caixa do cume na mão

Eu e Jovani no cume do Vulcão Patos

Assinando o livro

Vista para o Vulcão Pissis

Vista para o Vulcão Copiapó

Vista para o Três Cruces Sul e Central com o falso cume na frente

Vista para o Ojos del Salado e Walther Penck

Com Parofito no cume do V. Patos

O Imponente Três Cruces Sul e sua linda face sul

Fim de tarde na Puna no retorno à civilização.