Blog do Pedro Hauck: janeiro 2014

29 de janeiro de 2014

A ascenção ao Llullaillaco

Veja a parte anterior...

Chegamos na base do Llulla na quarta feira, dia 8 de Janeiro, por volta das 11 da manhã, um horário que achei tarde para tentar qualquer aproximação. Decidi ficar no acampamento base, montar a barraca, nos alimentar e hidratar bem, ao invés de sair às pressas rumo a um acampamento superior.

Nesta tarde, como ficamos sem muito o que fazer, resolvemos subir um pouco e reconhecer a rota de ascensão. Foi uma sabia decisão, pois lá pudemos sentir o terreno e tecer estratégias. Durante esta caminhada, como era previsto, avistamos uma tempestade na parte superior da montanha. Em pouco tempo as cumulus nimbus tomaram conta da paisagem, evoluindo para pesadas nuvens negras que despejou neve na montanha. De longe vimos estas nuvens encobrir o Lllulla e após dissipar, deixar a montanha inteira branca.

O vento levava e trazia estas nuvens e as vezes floquinhos de neve vinham cair e se acumular em nossas roupas. Apesar disso, o base permaneceu como ele geralmente é: seco!

Acampamento base do Llullaillaco, 4900 mts de altitude.

Luca e Luiz em nosso acampamento base
Mas foi só a noite cair para a nevasca romper o silêncio da montanha com seu habitual sussurro. Tive uma noite de bom sono, mas acordei meio sufocado com a barraca esgrouvinhada com o peso da massa branca. Ao sair para mundo exterior me dei de frente com outra paisagem: a Puna tinha dado lugar à uma paisagem polar. Tudo estava branco!

Não pude avaliar se a nevasca havia sido boa ou ruim pra gente, mas foi um tanto quanto bonito e até mesmo divertido se deparar com aquele novo mundo e ver nosso carro inteiro abaixo da neve. Contudo, desmontar acampamento e arrumar as mochilas se tornou uma tarefa mais difícil e lenta e só começamos a caminhar às 11 da manhã!

Como ficou o acampamento após a nevasca

Paisagem polar

Carro totalmente coberto de neve

Montanha totalmente branca, muito mais bonita!

Café da manhã, onde foi parar as panelas?

Há 2 acampamentos altos no Llullaillaco, um a 5500 metros e outro a 5900. Pelo Trackmaker, através do tracklog que o Maximo Kausch me cedeu, calculei que do base ao 1 teríamos 3 km de trilha e deste acampamento para o 2, somente 1,5, mas 400 metros de desnível. Com isso em mente, comecei a achar melhor fazermos uma aproximação mais longa e irmos direto ao 2, ao invés de fazermos duas caminhadas curtas em dois dias e com isso perder mais tempo e uma boa janela que estava se formando na sexta feira.

A neve caída na noite anterior nos ajudou a caminhar. Ela cobriu os pedregais existentes na trilha e deixou o terreno mais fácil, embora tivéssemos que andar com botas duplas. Durante a tarde, o tempo, repetiu-se o mal tempo do dia anterior. Desta vez, no entanto, estávamos num lugar mais alto na montanha e ficamos no meio da tempestade. Os ventos carregavam a neve em pós na superfície e a jateava contra nossos rostos. Em alguns momentos, raios caiam perto de nós. Mesmo num cenário que pra muitos pode parecer ruim, eu estava me divertindo, pois o mal tempo deu origem a uma temperatura agradável de caminhar e assim eu ganhei um bom ritmo, me divertindo com a situação.

Eu sabia que aquilo era temporário. Que durante a tarde o tempo estaria ruim, mas a noite os ventos se cessariam o as estrelas iriam brilhar como nunca. Depois da tempestade a calmaria. Aliás, depois da temporada passada quando eu e o Waldemar Niclevicz escalamos 10 cumes nas piores condições possíveis, aquilo parecia brincadeira de criança.

E assim, nestas condições “boas”, chegamos aos 5500 metros, no local onde ficava o acampamento 1, ou melhor, onde deveria ser. 

Subida na neve


Por volta do meio dia fazia muito calor

Mas a tarde o tempo fechou e a temperatura ficou agradável

No horizonte, pode-se ver o Vulcão Socompa todo nevado.

As vezes nuvens com neve nos alcançava

O acampamento 1 não era bem definido. Dava pra ver que embaixo da neve deveriam haver uns locais para montar a barraca, mas deveria fazer muito tempo que ninguém acampava ali. O terreno era meio exposto ao vento e ao mal tempo e as rochas estavam soterradas pela neve. Pensei em como eu iria montar o acampamento sem pedras pra segurar a barraca, ou então como seria difícil limpar o terreno para montar a barraca com o tempestade nas costas. Como era muito cedo, 3 da tarde, joguei a possibilidade para o Luiz e o Luca de acamparmos no 2 naquele dia. O Luiz titubeou, mas o Luca concordou com o meu argumento. Acabamos prosseguindo.

Tendo a certeza que iriamos dormir em grande altitude, acabamos deixando nossas botas simples mocada numa ruína que tudo indica poder ter sido uma construção Inca. Ali descansamos um pouco e prosseguimos rumo aos 400 metros finais até o merecido descanso.

Eis que na retomada, acabei mantendo meu ritmo e quando percebi estava muito na frente de meus companheiros. Parei algumas vezes para esperar eles, mas meu ritmo era muito mais forte, embora minha mochila estivesse pesando uns 20 e poucos quilos. Um pouco na frente avisei meus parceiros que seguiria com meu ritmo até o acampamento e os esperaria lá.

Subi forte e cheguei ao Acampamento por volta das 5 da tarde. Lá limpei o terreno, deixando-o aplainado e livre de rochas grandes no chão. Montei a barraca ancorando-a em rochas grandes e quando eles chegaram, já estava me preparando para coletar uns penitentes e começar a derrete-los para fazer água. Após todo o ritual de fazer água, preparei um belo rango liofilizado e todos nós comemos como rei. Deixei tudo pronto para o ataque final.

Acampamento 2, 5900 metros de altitude.
Vista para o alto do Llullaillaco desde o acampamento 2 à noite.

O relógio despertou às 3 da madrugada. Não fazia frio, ouvia-se o som do silêncio. Acordei o Luiz e ele me disse que estava com dor de cabeça. Dei um analgésico a ele e ao Luca e botei o relógio para despertar uma hora mais tarde, para ver se o remédio podia fazer efeito. Acordei às 4 e desta vez o Luiz além de dor de cabeça, tinha também enjoo. Aí o bicho pega, enjoo e dor de cabeça são sintomas de mal de montanha. Decidi ficar descansando e ver o que fazer depois. Quem sabe ficar mais um dia e tentar cume no sábado.

Eis que dormir se tornou uma tarefa impossível. Virava pra todos os lados e não conseguia pregar os olhos. Eu mesmo fiquei com dor de cabeça e meus pensamentos martelavam meu cérebro. Comecei assistir cenas rápidas passando por meus olhos como se fossem um filme acelerado e sem sentido. Num determinado momento, lembro que saí da barraca e vi no horizonte uma cidade com luzes vermelhas. _ San Pedro! Pensei eu. _ Mas porque luzes vermelhas? Olhei de novo, enxuguei os olhos e de fato, eu via uma cidade com luzes vermelhas. _ Mas não existem luzes vermelhas na cidade! Será que é um vulcão em atividade? Diante de tantas dúvidas sem solução, dei de ombros com o problema que eu via e fui dormir. Foram cenas tão perfeitas que eu não sei até hoje se foram reais ou mais uma alucinação, como aquelas pernas femininas balançando a água da piscina com murmúrios e risadinhas. Risadas bem conhecidas, mas sem rostos, só pernas... Que cena bizarra!

Acordei com as primeiras luzes do dia e não me contive em sair de novo da barraca. As luzes do dia eram convidativas e a temperatura também. Nunca vi a 5900 metros a água não congelar durante a noite...
Notei que o Luiz estava sentado dentro da barraca e o convidei para ver a luz do sol. Sentamos numa pedra e começamos a discutir os planos. Ele não estava bem e achou que era melhor descer. Neste momento pedi licença para fazer o cume sozinho. De princípio ele se mostrou preocupado com minha segurança, mas eu já estava acostumado com isso e assim ele acabou aceitando.

Peguei uns chocolates, água, chá e me mandei para o cume, eram 8 da manhã...

Primeiro metros de ataque ao cume, o C2 está em meio as rochas no plato abaixo. Olhando bem pode-se ver a barraca em laranja. Isso dá uma boa dimensão da imensidão da montanha...

Crista rochosa por onde passa a rota, a neve começou a derreter por volta das 10 da manhã.

Canaleta de difícil progresso.

A neve ainda estava firme nas encostas da montanha e isso facilitou muito o progresso. Fiz 200 metros em apenas uma hora, mas depois das 10 da manhã, o sol começou a pegar forte e a neve firme do dia anterior começou a derreter e eu comecei a me afundar nela e a patinar nos acarreos existentes abaixo da massa branca.

Pra quem não sabe, acarreo é um monte de cascalho que fica solto nas pendentes inclinadas nas montanhas. É o típico local onde se dá um passo pra frente e escorrega dois pra trás. Comecei a ficar cansado, mas muito focado, sem olhar pra cima.

A subida se dava por uma crista, depois chega-se perto de uma grande torre rochosa, onde desvia-se para a esquerda, entrando num vale bastante íngreme e de difícil progresso. Vencendo este vale, chega-se à primeira construção Inca em ruínas, a 6500 metros, onde fiz a primeira pausa para descansar. Era meio dia e lá comi um pouco de chocolate, tomei água e chá. 

Achei que estava tarde, mas mesmo assim prossegui. Por sorte, o terreno ruim havia ficado para trás e dali em diante era uma pendente suave em terreno estável, progredi muito rápido. No alto avistava duas torres rochosas. Me lembrei de quando o Waldemar me contou de sua escalada naquela montanha, em 2004. Ele tinha feito a ascensão pelo Chile, não pela Argentina como eu estava fazendo e ele disse que o cume era uma torre rochosa e que ele havia chego na torre errada e que teve que fazer uma escalada técnica no cume pra corrigir e chegar no cume verdadeiro. Na hora vi que meu objetivo estava perto.

Serpenteando a montanha cheguei num sub cume bastante amplo, na base daquela torre. Lá haviam duas ruínas Incas bem grandes, numa delas, em 1999, foi achado um menino mumificado, uns artefatos ornamentais de outro e prata, além de bonequinhos de Lhama. A torre do cume ficava na minha frente, eu sabia que era só fazer um “trepa pedra” e estaria no topo.

Subindo no meio das rochas, ora enfiando o pé na neve, ora, o equilibrando numa agarra rochosa, fui vencendo o trecho que não chegava a ser uma escalada técnica e quando percebi não havia mais nada a subir. No meu pé havia a famosa caixa de cume do banco do Chile, patrocinador de um projeto muito bacana que consistiu em escalar todos os 6 chilenos e no topo de cada montanha instalar aquela caixa de cume luxuosa.

Primeiras ruínas Incas a 6500 metros.

Primeira visão para as duas torres onde fica o cume.

Base da torre do cume e ruínas Incas.

Cume

Vista das ruínas incaicas perto do cume.
Apesar de poucas pessoas conhecerem o Llullaillaco, esta é uma montanha especial. São 500 anos de história de escaladas, descobertas arqueológicas num mundo extremamente remoto e selvagem. Ninguém vai lá, ninguém conhece esta montanha, que é sagrada. Aproveitando isso, fiz um pedido à Pachamama que ela dê uma forcinha pro nosso amigo Parofes, que precisa de uma porra de medula óssea pra continuar vivo. Deixei sua foto no caderno de cume e comecei meu caminho de volta.

Às 4 da tarde já estava no acampamento. Às 5, já tinha comido, descansado, desmontado a barraca e estava com a mochila pronta e comecei a descer. O forte sol havia derretido a neve da quarta feira, mas mesmo assim não parei nem para trocar de bota e às 6:30 já estava abraçando meus parceiros pelo sucesso na expedição.

Homenagem ao Parofes no cume do Llullaillaco


Auto retrato no cume

Até esta minha escalada apenas dois brasileiros haviam escalado o Llullaillaco. O primeiro a realizar esta ascensão foi meu amigo Waldemar Niclevicz, em 2004, pelo lado chileno. O relato destas ascensão está em seu site pessoal (http://www.niclevicz.com.br/llullaillaco/).O lado chileno é o que recebe a maioria das ascensões, pelo menos é o que pude constatar pelas assinaturas no livro de cume. Apesar disso, acho meio complicado por ali, pois é necessário conhecer bem o caminho, já que lá tem muitos campos minados e um erro naquelas inúmeras estradinhas pode ser fatal.

O segundo, que embora não tenha nascido no Brasil é brasileiro, foi o Maximo Kausch, que fez a montanha sozinho em 2012 com sua moto pela mesma rota que eu, no lado argentino. As dicas que ele me deu foram cruciais para poder chegar no topo com sucesso e voltar com segurança.

:: Assista ao vídeo da escalada no LLullaillaco

22 de janeiro de 2014

O difícil caminho até o Llullaillaco

Veja o relato anterior da expedição...

O Llullaillaco não é apenas uma montanha difícil de pronunciar, é também difícil de chegar.

A cidade grande mais próxima é Salta, capital da província de mesmo nome. Salta fica a cerca de 1000 metros de altitude na região das “Yungas” que é o sopé dos Andes formado por vales mais úmidos recobertos por uma vegetação mais verde e densa. Não chega a ser a Mata Atlântica, mas para eles aquilo é uma selva.

Subindo pelo pronunciado vale del Toro, aquela vegetação florestal dá lugar à uma mata de cactos gigantes, os Cardones, que de tão grandes são lenhosos e são utilizados na construção e na decoração das casas da Puna. O vale del Toro é uma fronteira entre duas civilizações etno culturais, a civilização gaúcha com fortes laços da colonização espanhola sobre guaranis da bacia platina e a Kolla, com forte descendência incaica. O nome “Kolla” que veio da Bolívia, advém de “Kollasuyo” que era o nome da região sul do império Inca, chamado por eles mesmos de Tawantisuyo (O país das quarto regiões; Kolla = Sul; Suyo = região).

Cardonal no vale del Toro


São 170 km apenas entre Salta e San Antonio de Los Cobres, localizada a 3800 metros de altitude em plena Puna do Atacama. Para quem não sabe, a Puna é a região Sul do Altiplano, que tem sua maior expressividade na Bolívia. Trata-se de um planalto imenso entre as chamadas cordilheiras “Ocidentais” (vulcânicas) e “Orientais” (formadas por dobras e cavalgamentos). Ela começa em La Rioja na Argentina, na região da Corona del Inca em Alto Jagüe e vai até o Peru.

Esta estrada é quase toda asfaltada, quase, pois há trechos tão instáveis que a rodovia deve mudar seu trajeto toda vez que há uma enchente ou terremoto, mas este é o trecho mais fácil do acesso ao Llulla. A partir de San Antonio há uma trama de estradinhas de terra que nos conduz aos rincões mais ermos da Puna. São estradinhas poeirentas que rasgam salares, planaltos vulcânicos e precipícios, locais pouco frequentados, aliás locais nada frequentados que qualquer pane no veículo pode significar a necessidade de andar centenas de quilômetros para buscar ajuda, isso se o sujeito conseguir ficar sem beber agua por dias a fio.
Carro que encontramos abandonado no meio da estrada com a chave no contato. Um problema no carro e só depois de dias você encontrará alguém para pedir ajuda.

No caminho normal até a montanha, logo após passarmos por San Antonio, são 100 km de terra até Pocitos, onde há uma mineradora. A estrada aí é boa, tanto que passam caminhões, mas foi neste trecho em que arregaçamos um pneu e tivemos que mudar nossos planos e ir para o Chile fazer o conserto.

Digo Caminho normal, pois há outro acesso via Chile, passando pela Mineradora La Escondida e uma série de caminhos abandonados de antigas lavras onde se errarmos o caminho, iremos cair num campo minado instalado pelo Pinochet durante a ditadura militar naquele país. Este foi o caminho realizado pelo Waldemar Niclevicz em 2004, que até então tinha sido o único brasileiro a escalar a montanha.

Passando por um campo minado no Chile.


Com esta mudança de planos, voltamos à Puna pelo Paso de Jama e tivemos que voltar à Pocitos por outro caminho, passando ao lado de um Salar pela quase abandonada Ruta 70. Em Pocitos, atravessamos o salar de mesmo nome e logo demos de cara com uma região onde há labirintos de morros formados por rochas Vulcano sedimentares, onde há várias curvas e uma paisagem de tirar o folego de qualquer um. São mais 90 quilômetros por esta estrada até Tolar Grande, que é uma cidade totalmente isolada onde vivem umas 500 pessoas ou menos.

A caminho de Tolar Grande


Tolar Grande tem prefeitura e tem até secretaria de Turismo. Dá pra ver que eles estão sabendo tirar proveito de seu isolamento para se oferecer como um lugar turismo alternativo e pitoresco pra quem vem de muito longe. Aproveitamos a Infra pra pedir informações sobre como estaria a estrada dali até a base do Llullaillaco. Fomos à Oficina de Turismo, localizada num container provisório e a secretária, a simpática Gabriela, nos perguntou se tínhamos a autorização para escalar a montanha. _ Autorização? Que autorização! Este foi meu susto quando soube da notícia.

Pois então, como o Llullaillaco é um sitio arqueológico, era necessário obter uma autorização junto ao Museu Arqueológico de Alta Montanha de Salta para podermos acessar a montanha. Dessa eu não sabia...

Simpática como era, Gabriela se sensibilizou com nosso problema e conseguiu uma solução: _ Então vamos pedir permissão para o Cacique da cidade! E não é que estávamos no Kollasuyo mesmo? 

Fomos até a casa do Cacique, 100 metros da oficina de Turismo. Nos atendeu um senhor baixinho vestindo um macacão da “Mineria La Escondida”. Seu nome, Julio Cruz, ou então o senhor Cacique. Geralmente o Cacique não gosta de receber estrangeiros enxeridos, mas pegamos ele num bom dia e o combinado foi o seguinte: Se a polícia nos autorizasse, ele também nos autorizaria. E lá fomos nós atrás da Polícia, que para felicidade geral da nação, estava sendo representada por um oficial muito boa gente que fez um termo circunstanciado sem nenhum problema e propina. Problema contornado, pé na estrada...
Igreja de Tolar Grande

Ruinas em Tolar Grande
Ir para O Llulla não é tão fácil. Acho que o cacique esqueceu de falar com Pachamama e uma hora depois de nossa partida, nosso pneu furou de novo, a quarta vez na viagem! 

Como já tínhamos perdido um pneu bom e já estávamos rodando com um estepe e nosso estepe era um pneu pra lá de vagabundo comprado de segunda mão em San Pedro, achamos melhor voltar e consertar nosso pneu furado. Tivemos que dormir em Tolar...

Partindo no dia seguinte pela manhã, conseguimos chegar rapidamente na estação de Caipe e começar a subir uma encosta íngreme que segue serpenteando o trilho do “tren a las nubes”, numa região chamada localmente de “Corniza” que há um ano era intransitável, mas que, com cuidado, conseguimos vencer sem muitos problemas.

A estrada dali em diante ficava bem mais precária e perigosa, adentrávamos de fato um mundo selvagem e inabitado há séculos por humanos, é uma região histórica, por onde Incas passavam com destino à sua montanha sagrada. Hoje as pessoas não dão tanta atenção às montanha e o caminho virou um local fantasma onde a sensação é sempre a de ser o primeiro, sensação de estar num mundo novo e de estar explorando o desconhecido. Sensações causadas mais pelo isolamento e aparência que pela história, pois como disse, os Incas dominavam aquele mundo hostil com grande intimidade.

Não tarda muito e a estrada se torna um caminho, onde é obrigatório da reduzida. Os pneus castigados pelos pregos e espinhos gruda nas rochas vulcânicas, o carro sofre, mas faz força para vencer os obstáculos e assim, após 160 km nestas condições chegamos ao fim. Ao ultimo local onde um veículo motorizado pode chegar: O Acampamento base do Llullaillaco, 4900 metros de altitude.
Caminhos da Puna

Indo para Tolar Grande

Delegacia de Polícia em Tolar

Atravessando o Salar de Arizaro

Puna sem fim

Corniza

E a estrada virou um caminho....

os que ficaram pelo caminho...

Vista para o Vulcão Socompa

Primeira vista para o Llullaillaco

Caminhos na altitude

Enfim: Base!!!!

15 de janeiro de 2014

Licancabur

Leia o relato anterior da expedição...

Após a ascensão ao Sairecabur, começamos a nos organizar para escalar o Licancabur, vulcão vizinho ao Saire um pouco mais baixo, com 5920 metros, mas muito mais bonito, com uma forma perfeitamente cilindra e imponente, se elevando mais de 4 km em frente a San Pedro de Atacama.

Ele faz a divisa natural entre Chile e Bolívia, mas sua ascensão se dá pela Bolívia, primeiro porque o lado boliviano é menos íngreme e depois porque no chileno há diversos campos minados instalados durante a ditadora Pinochet com a finalidade de impedir a imigração ilegal e contrabando do país vizinho. Infelizmente a ditadura se foi e estes campos minados continuam ali.

Sem querer, quando estávamos fazendo o controle migratório na aduana chilena em San Pedro do Atacama, encontramos com amigos montanhistas de Curitiba que estavam regressando do Licancabur e eles nos deram dicas preciosas nos informando dos gastos que teríamos no país vizinho, dentre eles o ingresso no Parque Nacional Eduardo Avaroa e a obrigatoriedade de contratar um guia para nos conduzir na montanha.

Subimos o Passo Hito Cajón com rapidez e em pouco tempo já estávamos no refúgio Laguna Verde para acertar detalhes e ir atrás do guia para o dia seguinte. Conversa vai e vem e enfim encontramos um sujeito baixinho e marrento que se intitulava o único guia. O nome dele era Serafim e ele já tinha escalado os dois últimos dias e por isso parecia não estar muito afim de subir de novo. Fez um preço alto, 500 Bs. e fez suas exigência, dentre elas a de que teríamos que fazer cume em 6 horas. Fiquei ressabiado, pois nossa intenção era aclimatar na montanha e não pra isso não queríamos forçar muito fisicamente.

Acordamos antes do previsto para o ataque, pois havíamos esquecido que na Bolívia era uma hora a menos. Isso nos fez ganhar tempo. Consegui fazer o carro pegar no frio da madrugada e assim partimos nós quatro pela estradinha precária de 4x4 com destino ao vulcão.

Deixamos o carro no acampamento base e começamos a caminhar madrugada a dentro, ganhando altura passo a passo num ritmo forte e continuo, o suficiente para o calor de nossos corpos exigir a retirada de blusas, mesmo no frio da escura noite.

Mas o ritmo foi sendo interrompido por diversas paradas e o frio foi retomando espaço em nossos corpos. O primeiro a sentir foi o Luca, que esqueceu de colocar uma meia mais grossa e logo começou a ficar sem sentir os pés. Ele teve que colocar uma meia mais quente, tirando as botas. Fiz uma massagem em seus dedos para que o sangue voltasse a circular e assim continuarmos.

Após os pés, veio o frio nas mãos. O Luca começou a ficar com os dedos duros e sem sensibilidade. Após mais uma sessão de massagem, fiz o sangue circular novamente e recomeçamos.

O desagradável de andar com guias obrigatórios é que eles são mais fiscais particulares do que condutores propriamente ditos. Como sabíamos que o Serafim estava de saco cheio da montanha, eu tinha que motivar meus parceiros a melhorar o ritmo, pois seriamos obrigados a baixar sem fazer cume, mas não foi possível, pois com o ganho de altitude, todos se cansaram o ritmo ficou lento, quase parado.

Quando já eram quase 9 da manhã, o Luiz não estava com energia suficiente para continuar sem parar para descansar. Nosso guia já estava ficando impaciente e eu via na cara dele aquela vontade de dizer: _vamos descer!

Acabou que o Luiz percebeu que não ia conseguir subir e aceitou a proposta do Serafim de ir comigo e o Luca até o cume. Faltavam 150 metros verticais apenas!

Como já havia passado o prazo das 6 horas, botei bastante pilha no Luca e ele correspondeu, andando bastante rápido. Fizemos os 150 metros finais em apenas 40 minutos, o suficiente para salvar nossa escalada.

Chegamos com o tempo totalmente encoberto, impossibilitando a visão das montanhas vizinhas e do pequeno lago existente na cratera do vulcão. Mal tivemos tempo de tirar fotos e comemorar e já fomos seguindo Serafim, num caminho de descida, para evitar “los vientos fuertes”.

Foi uma descida rápida, pelo meio do “acarreos” que são rampas de cascalho soltos, onde dá pra descer surfando e subir sofrendo. E assim, em poucos minutos, nos encontramos com o Luiz que teve a ótimo notícia que havíamos feito cume. Foi um momento emocionante ver a felicidade do pai abraçando o filho.

Levando mais algumas horas na descida e neste tempo quebramos o gelo com o guia, que ficou muito feliz com nossa escalada, se tornando nosso amigo. Ele deu a notícia de que a pessoa mais jovem que ele sabia ter subido o Licancabur havia sido justamente um garoto de 15 anos da França. Com isso podemos afirmar que o Luca foi uma pessoas mais novas a escalar a montanha, pelo menos em tempos históricos...

Digo históricos pois o Licancabur é mais outra montanha que já havia sido escalada pelos Incas. Na base da montanha há diversas ruinas de acampamentos feitos por eles sem suas homéricas escaladas. Não dá pra saber se no passado uma criança Inca já escalou a montanha. De qualquer forma, subir o Licancabur, tanto hoje quanto antes, é uma tarefa difícil, que exige muito fisicamente e por isso fazer ela com 15 anos de idade é certamente um grande feito.

Continue lendo....

Licancabur, vista de qualquer lugar em San Pedro do Atacama.

Parada para o chá de manhã.

Subida sem fim.

O guia Serafim na frente

Luca indo para o cume. Muito frio

Luca chegando no cume.

Luca e eu no cume do Licancabur, 5920m.

O Guia Serafim na descida e a Laguna Verde no Horizonte.

Vulcão Juriques entre nuvens

Luiz abraça Luca na descida

Comemorando abaixo das nuvens

Ruinas Incas na base da montanha


Vista da Laguna Verde de Laguna Blanca

Guia Serafim, primeiro foi durão, mas depois se tornou um grande amigo.