Blog do Pedro Hauck: janeiro 2011

30 de janeiro de 2011

O que está acontecendo com o peixe da Amazônia?

Uma das coisas que eu mais gosto de fazer quando viajo à locais diferentes é conhecer a fundo as particularidades regionais de cada lugar, sua cultura e tipicidade. Na minha opinião a culinária expressa muito bem estas especificidades e comer pratos típicos é algo duplamente agradável, seja por adquirir uma nova experiência como satisfazer seu paladar.

Ter acesso à pratos típicos, no entanto, não tem sido uma tarefa fácil em minhas viagens e na Amazônia não foi diferente, queria ter me enfastiado de peixe, mas não consegui, afinal comer peixe na Amazônia é caro, mesmo tendo os maiores rios do mundo à sua disposição. Claro que não deixei de comer alguns peixes, como o Tucunaré, mas o famoso Pirarucu ficou para depois.

 Tucunaré a milaneza com Guaraná Cerpa de Santarém

 
Peixe sendo vendido na rua por pescador em Alter do Chão

O que aconteceu comigo não se restringe à Amazônia, também aconteceu no Uruguai, no Nordeste do Brasil, na Bolívia e em outros locais. Todos os pratos típicos regionais estão ficando raros e perdendo a concorrência para uma comida mais globalizada, a famosa comida do supermercado.

As coisas típicas são geralmente artesanais e tem uma distribuição muito restrita, além é claro de sofrerem restrições da vigilância sanitária, pois na ausência de um processo de produção industrial, fica muito caro atender todas as exigências de saúde. É por isso que na minha Curitiba, produtos típicos da região não estão na prateleira dos supermercados, como o salame e o queijo colonial. O Pierogi do Tadeu tá sendo substituido pelo Habib´s, Mc Donald ou qualquer coisa do padrão.
 Mais caro!

Na Amazônia você pode ir ao rio pescar, mas quem vive na cidade não tem tempo e trás seus alimentos do supermercado e pelo que parece o peixe tem um dificuldade de ser distribuído e para o consumidor final ele acaba sendo uma alternativa mais cara, apesar de estar de graça no rio.

Pude constatar esta lógica quando estive na comunidade ribeirinha na Floresta do Tapajós. O único lugar que eu comi peixe todos os dias era o unico em que a população de fato vivia do extrativismo e não do supermercado.

Se as tipicidades não forem mantidas, logo mais as próximas gerações irão achar que o hamburguer é a comida típica da Amazônia e uma parte da cultura será perdida, sem falar que um hábito alimentar saudável será substituido por outro. Seria decorrente disso o aumento da obesidade nas classes mais baixas da população?

Isso não significa que não exista mais peixe na Amazônia, mas se você quiser provar os verdadeiros sabores regionais, terá que pagar mais caro e no fim, ir ao rodizio ficará mais em conta.



28 de janeiro de 2011

Santarém: Portugal da Amazônia

Santarém no Pará é uma cidade bem conhecida no Brasil, mas poucos sabem que o nome dela veio emprestada de uma cidade portuguesa e ainda mais que não foi o único caso, pois em toda amazônia há diversos casos de cidades que receberam o nome de cidades de Portugal.

Alter do Chão, Óbidos, Barcelos, Alenquer, ... são muitas cidades originalmente portuguesas que hoje estão presentes nos mapas do Norte do Brasil. A origem destes nomes remonta o século XVIII e foram bastante influenciados pela política do Marquês de Pombal.

Passado três séculos, muito da influência portuguesa se perdeu, mas ela ainda está presente na arquitetura das casas de Santarém. Andei um pouco pelo centro da cidade e tirei estas fotos. É ou não muito português?

 Catedral de Santarém

 Rio Tapajós em Santarém

 Avenida Beira Rio









 Encontro do Tapajós (agua escura) e Amazonas (água barrenta)

Visitante ilustre numa praça da cidade

Curiosas formas nas portas. Seria uma influência moura?


19 de janeiro de 2011

Mata de Igapó, Igarapé e Jacaré

Na Amazônia pequenos cursos d'água recebem um nome especial, Igarapé, que é a mesma coisa que córrego, ou arroio para o gaúcho ou "córgo" para um paulista do interior. Acontece que por aqui na Amazônia as dimensões são sempre exageradas e nem sempre os igarapés são "córguinhos", como se fala lá em Piracicaba.

Tive a oportunidade de conhecer um típico Igarapé amazônico à bordo de uma canoa tipicamente amazônica e conhecer os chamados Igapós, que são matas de terrenos baixos, situados ao longo dos Igarapés que são constantemente inundadas.

As árvores dos Igapós são baixas e são todas adaptadas a viver em terrenos alagadiços. Há muitas bromélias, orquídeas e plantas hidrófilas, como a Vitória Regia. Dentro da água há uma explosão de vida. É nestes igarapés de águas enegrecidas e bastante ácidas onde ficam os peixes mais bonitos e coloridos que estão presentes nas lojas de aquário do mundo. Além deles, há muitas aves e répteis, como as tartarugas e os jacarés.

 Igarapé

 Plantas aquáticas e peixes



Mata de Igapó






 Pôr do sol no Tapajós


Em Jamaraquá eu tive contato com o Sr. Iracildo, que como eu comentei anteriormente, é o Crocodilo Dundee do rio Tapajós exatamente por não ter medo de nada e saber pegar jacarés sem caçar o bichinho (ou bichão) usando apenas as mãos.

Quando conheci o Sr. Iracildo em Alter do Chão, ele nos contou suas peripécias... Disse que foi morar sozinho no mato com 9 anos de idade e que domava jacarés. Ele carrega um colar com um dente que tem uns bons 7 cm de um destes répteis e disse que já levou algumas mordidas. Olhando para sua perna, pude notar uma cicatriz grande.

_ Sr. Iracildo, isso aí na sua perna foi um Jacaré?
_ Foi não minino, isso aí foi o escapamento duma moto. Disse, humorado, nosso Crocodilo Dundee.

Sem perder a chance, fomos com uma canoa a um Igarapé durante a noite para pegar um Jacaré, ou melhor, para ver nosso colega demonstrar sua técnica.

Remamos Igarapé acima, adentramos os Igapós, sempre em Silêncio. Num determinado momento, nosso Crocodilo desceu do barquinho e foi, com a água na cintura, procurar o Jacaré, desaparecendo no meio do mato.

Após algum tempo começamos a ficar preocupado. Não víamos nenhuma luz de laterna e nenhum barulho. O que será que teria acontecido? Teria sido uma boa idéia convencer o pobre homem a demonstrar suas habilidades e colocá-lo em risco?

Pouco tempo depois surge do nada nosso Crocodilo com um Jacaré em suas mãos.

_ Esse é pequeno, lá aonde eu tava até aqui é muito longe pra trazer um grande! Justificou o Crocodilo Dundee do Tapajós. Seu Iracildo, você é o cara!

O Jacaré era pequeno, mas sua mordida podia arrancar alguns dedos. Veja só as fotos do bichano!



18 de janeiro de 2011

Floresta Nacional do Tapajós

A Floresta Nacional (Flona) do Tapajós é uma unidade de conservação localizada ao Sul de Santarém que mantém original alguns ecossistemas da Floresta Amazônica.

Para chegar lá há duas maneira. A primeira é de ônibus, que parte todas de Santarém todos os dias úteis e que chega até a comunidade de Jamaraquá. Outra é por barco no rio Tapajós. Não existe barcos comerciais que vão até lá, mas alguns moradores que oferecem serviços aos visitantes podem te levar. Eu fui no barco do Sr. Iracildo, que nos ofereceu além do transporte, um canto na sua casa e refeições num preço bem amigo, além de passeios na Floresta que vou comentar aqui.
Casa do Iracildo

Visita curiosa na hora do almoço

Casas em Jamaraquá

Há diversas trilhas na mata. Por conta do tempo, não pude conhecer todas, mas a trilha que eu fiz deu pra sentir um pouco do que são os ecossistemas amazônicos. Como meu grupo era grande, fui acompanhado de dois guias, o Luis e a Lourdes, que me passaram todas as informações que vou escrever aqui, que completei um pouco com o minhas interpretações.

Pude perceber e conhecer 3 ecossistemas. São dois em terra firme e um em áreas alagadas, o Igapó. Os ecossistemas de terra firme se diferenciam apenas pelo solo. Enquanto um dos ecossistemas fica nas proximidades do rio e por isso ali existe um solo arenoso pouco evoluído, (neossolo quartzarênico), o outro situado em um planalto a 100 metros de altitude é composto por solos mais evoluídos, porém assentados sobre terrenos lateríticos, ou seja, sobre jazidas de ferro que evoluíram ao longo de milhares de anos com a estabilidade de um clima tropical semi úmido. Embora mais profundos, há uma concentração de ferro e de alumínio muito grande neste solo e isso faz dele pouco fértil.

Sob um clima atualmente muito úmido, há condições fisiográficas para dar suporte à uma floresta, mas devido à diferenciação dos solos, a floresta que eu chamo aqui de mata de areia, situada mais próxima ao rio, apresenta um grau de sucessão intermediário, com árvores mais baixas, muitas delas pioneiras,. Devido seu porte mais reduzido, elas deixam passar mais raios solares, permitindo a existência de muitos cipós que formam um emaranhado de plantas que dificultaria a penetração, se não existissem trilhas na região.


 Floresta de areia, veja as Palmeiras no sub bosque
Floresta do vale fluvial abaixo visto deste o planalto da floresta de terras altas.

Solo arenoso com matéria orgânica na superfície

Clareira aberta por queda de árvore

Mesmo sobre solos mais empobrecidos, existem muitas espécies clímax nesta floresta, espécies mais altas de crecimento lento que são aquelas que indicam um grau mais evoluído da mata.  Ali na mata de areia, porém, elas ocorrem com porte reduzido. Estas árvores são: Jatobá, Marupá, Morototó, Samaúma. Esta floresta apresenta uma fisionomia semelhante à uma floresta estacional, mas mesmo assim ocorrem espécies de sub bosque, que muitas vezes tem o mesmo porte das árvores clímax, que dominam o dossel da floresta.

É muito comum a presença do Curuá, palmeira que tem muita serventia às populações tradicionais, pois fornece a palha para o telhado das construções. Por se tratar de uma palmeira abundante, eles nunca ficam sem matéria prima para suas casas. Outra Palmeira muito comum é o Tucum Açu, que é batante espinhento. Esta Palmeira fornece um fruto muito apreciado pelo homem amazônico, o Tucumã, de gosto amargo. Quando este fruto apodrece no chão da floresta, cresce dentro de seu caroço um verme, o Gongo, que serve de remédio para combater Hérnia.

Há outras plantas com propriedades medicionais e outras utilidades, como o Breu Branco, que quando tem sua casca arrancada, aflora uma espécie de seiva branca que dá nome à árvore. Quando esta seiva é queimada, sua fumaça, bastante aromática, serve para desobstruir vias aéreas. É muito gostoso. Além dela, há também a Jutaia, que tem madeira com alto poder calorífico que quando queimada dá chama azul.

Os Cipós amarram todas as árvores, fazendo com que se uma cai, várias outras caiam juntas, abrindo uma clareira que permite a propagação de espécies que gostam de claridade. Os mais comuns são o Cipó Cuia de Macaco, Escada de Jaboti e o Cipó Taracoá, que tem múltiplas finalidades. A primeira é na construção, pois ele é fino e resistente e serve para amarrar a palha usada nos telhados. Além disso, ele tem propriedades medicinais, atuando para combater dor de barriga.

Interessante notar que toda esta floresta se desenvolve sobre o solo arenoso, um solo muito permeável. Toda a água da chuva que cai ali escoa rapidamente pelo solo, deixando a superfície seca e favorecendo árvores com raízes profundas, como aquelas do cerrado. É um solo empobrecido, pois a água lixívia todos os nutrientes rápidamente. Porém a floresta serve este solo com muita matéria orgânica proveniente do apodrecimento das folhas que o mantém revitalizado. Porém basta o homem retirar esta floresta para romper o equilíbrio. O resultado disso seria a formação de voçorocas e dificuldade para as árvores se recomporem.

Após caminhar por esta planície fluvial, subimos cerca de 80 metros até chegar ao planalto onde fica o segundo ecossistema florestal de terra firme. Lá as árvores são muito maiores, mesmo aquelas que também ocorrem nos terrenos arenosos. É o caso da Samaúma, que tem um  indivíduo com mais de 40 metros de altura. O Cajá, o Amarelão, Amapá, Piquiá, Carapanaíba, Fava Bolacha, Sacacá e outras. Algumas dessas árvores têm propriedades medicinais, como Piquiá tem um fruto comestível, de onde se extrai um óleo bom para infecção e cicatrização. A casca da Carapanaíba ajuda a combater os sintomas da Malária

Claro que um ecossistema florestal com o porte tão elevado como esta floresta apresenta em seu sub bosque várias espécies de sombra, muitas delas com propriedades bem interessantes, como o Cacau Jacaré (com flor muito bela), a Pitomba, Cacau da Floresta, Cipó Alho, Taperebá, Cumaru (bom pra Diabetes e tosse), Louro Rosa (que mantém substância aromática muito agradável), Cipó Amber e o Sacacá (que de sua casca faz-se um pozinho que é usado para combater cárie).

Além das plantas com propriedades, há também insetos, como a formiga Taxí. Esta formiga constrói seu formigueiro no tronco das árvores e dos cipós. Elas servem de repelente, mas para isso você tem que ser rápido, deixar elas irem a suas mãos e esmagá-las antes que te piquem.

Tirando a seiva do Breu Branco

Queimando o Breu Branco

Palha do Curuá

Tucum Açu

Samaúma gigante

Diferença de tecnologias

Fruto de Piquiá

Carapanaíba

Formigueiro de Taxí

 Palha de Curuá amarrado com Cipó Taracoá

Tudo isso aprendi com meus guias. Eles não fizeram faculdade, não tem títulos e nem educação formal. Aprenderam tudo o que sabem com seus pais e os mais velhos, é o famoso conhecimento popular, cada vez mais perdido por conta da educação formal das escolas, pelo desinteresse dos jovens e da moda ditada pela televisão.
Ainda bem que em Jamaraquá este conhecimento se mantém e esta população se beneficia disso, seja por conta das ervas medicinais de suas farmácias (a floresta) ou de outras coisas. Lá em Jamaraquá tudo vem da mata, desde a palha usada nos telhados das casas (o Curuá) ou a madeira usada na fabricação dos barcos (Taúba, no casco e Cedro no assoalho), impressionante! Os povos da Floresta são muito mais inteligentes que as pessoas das cidades, mesmo vivendo de forma mais simples e sem acesso a muitas facilidades da vida moderna, ainda bem, graças a eles a cultura popular original dos povos amazônicos é mantida, cultura que precisamos aprender mais.
Bom, faltou falar da mata de Igapó, não é? Bom, continuo na próxima....