Blog do Pedro Hauck: janeiro 2008

21 de janeiro de 2008

O tal Cerro Negro

:: Leia sobre a expedição Mercedário 2008 desde o começo
:: Leia a história que antecede este relato

No mesmo dia em que fizemos cume no Cerro Ramada, descemos de volta ao acampamento base. Lá, re-encontrei-me com Antonio, que como imaginei estava na pior angustia, como eu também estaria se estivesse na montanha doente vivendo apenas o pior desta atividade: o desconforto dos acampamentos, o isolamento e a comida ruim.

O acampamento estava mais povoado, com uma dupla Argentina de Barreal e dois alemães orientais, muito gente boa, todos eles por sinal.

Passei um bom dia de descanso conversando sobre os mais variados assuntos com estes alemães, além de Steve e Collin é claro. Os americanos, apesar de todo o preconceito que sempre temos sobre eles, eram muito boa gente. Tive também muitas conversas interessantes sobre evolução com o Collin, que é botânico. Ele se interessou bastante sobre a Teoria dos Refúgios Florestais e a pesquisa que eu desenvolvo no Brasil.

O clima era de descontração total, mas mal sabíamos o que estávamos para esperar. Mais tarde, desceu vindo do Cerro la Mesa, Aníbal, seu ajudante e cliente. Eles haviam feito algumas rotas inéditas na montanha. Quando Collin comentou com ele nossa intenção de escalar o Cerro Negro desde Pirca de Polacos ele falou:

_ Se você forem fortes e loucos o suficiente, dá pra fazer!

Entretanto só fui saber deste comentário quando estava no meio da parede. Até então, o Cerro Negro era para mim um mero treino para a face sul.

Acordei às três horas da madrugada do dia 11 para ascender o Negro. Mochila e equipamentos todos prontos me aguardavam. Que conforto vestir-se e equipar-se numa altitude confortável de apenas 3600 metros e apenas alguns números abaixo de zero.

Requentei um macarrão safado que me esperava na panela.

Luzes de led iluminavam a barraca vizinha dos americanos e apenas as estrelas iluminavam o caminho numa madrugada de lua nova. Quando me encontrei com Steve e Collin eles olhavam as constelações. Mostrei a eles o cruzeiro do sul e disse que aquilo só era visível daqui do sul e que a quarta estrela se chamava “Maria intrometida”, entretanto não me lembrava como se chamava “intrometida” em inglês e brinquei:
_ Intrometida?! É como eu, apareço do nada e estou escalando com vocês!

Eles não entenderam a piada e chamaram a estrela de “Maria Pedro”.

_C’mon Maria Pedro, Let’s Rock, it’s time to climb!

E lá fomos nós para montanha, ao mesmo tempo em que me despedia de Antonio, que pela manhã iria descer a montanha junto com um dos garotos argentinos de Barreal.

A dificuldade inicial, como eu previa, era atravessar o largo rio Colorado. De noite, não dá para achar um bom lugar para atravessar, mas ainda bem que o Collin, enquanto passávamos um dia descansando em Pirca de Polacos, foi sozinho procurar um lugar melhor e marcar com pedras esta passagem. Entretanto, mesmo o melhor lugar para passar não nos isentou de molhar os pés. Pior para mim, que ingenuamente esqueci deste detalhe e não levei uma meia reserva!

Atravessando o rio ainda tínhamos que encontrar um caminho bom para subir as morainas até a base da canaleta de gelo da montanha. Esta tarefa não foi nada fácil, uma vez que lá, Collin não tinha marcado o caminho. Acabamos perdendo um tempo precioso subindo a moraina por lugares impossíveis até achar um caminho plausível. Contudo, chegamos na base da canaleta com o dia clareando, sorte minha, pois acabei enxergando uma meia suja, porém seca, esquecida desde minha ultima caminhada no Pico Paraná, no fundo de minha mochila.

Atravessamos penitentes enormes até chegar no Bergeschrund da montanha que são gretas que ocorrem no contato da rocha com uma geleira em terrenos inclinados de montanha. No caso do Cerro Negro, era uma parede de gelo bastante inclinada, com cerca de 80 graus acessível depois de uma greta bem grande.

Collin, que mora no Alaska e está acostumado com escaladas em gelo técnicas, tomou a inciativa de guiar a enfiada enquanto que Steve dava segurança. Após procurar um lugar seguro para escalar e subir alguns metros, o americano percebeu que estava escalando um Serak prestes a cair e resolveu descer abandonando um parafuso de gelo. Foi quando eu tomei a iniciativa de ir mais para a esquerda e achar um lugar onde pudemos escalar com mais segurança e vencemos o enorme Bergeschrund.

Depois da primeira parte técnica, a escalada parecia que ia ser moleza. Pura ilusão!

Começamos a subir por um lugar bastante irregular onde aparentemente estavam se formando penitentes. De repente, chegamos na base de um Serak gigantesco e tivemos que contorna-lo indo mais perto da parede de rocha. Lá, o gelo era mais sujo e ruim. Pude perceber que esta diferença no gelo era por que fazia tanto calor durante o dia que o glaciar descongelava formando cachoeiras que durante a noite congelava. Aos poucos fui notando como esta cachoeira ia descongelando e aos poucos tudo ai ficando molhado e mais perigoso.

Mal percebi e já era meio dia. O sol estava forte e mesmo assim eu me esforçava em escalar o gelo duro formado do congelamento da água que derrete durante o dia. De repente, ouço um zumbido e sinto algo passar velozmente perto da minha cabeça: Zummmmmm.......

Como um projétil, uma pedra do tamanho de uma bola de futebol de salão passa a poucos centímetros de mim. Quem derrubara? O calor!

As rochas nas montanhas são bastantes instáveis, uma vez que o gelo é um excelente agente erosivo. A água penetra nas fraturas e frestas e quando a noite chega, esta água se congela e expande, quebrando uma rocha grande em várias pequenas. Este fenômeno se chama “efeito de crack”. Em altitude, o que mantém estas rochas estáveis é o congelamento da água. Quando está frio, as rochas ficam como se estivessem concretadas pelo gelo, num fenômeno chamado permafrost. Entretanto estes anos têm se verificado uma grande atenuação do permafrost em altitude e o gelo sujo da canaleta era um indicador que este ano estava muito quente e que muita pedra ia cair sobre nossa cabeça se não saíssemos daquele lugar logo.

Eu continuava escalando o melhor que podia, mas o gelo duro era um grande obstáculo, assim como minhas botas que são três números maiores que meu pé e meu anorak que também é enorme! Tudo isso fruto de minhas compras de Internet, já que estes equipamentos de alta montanha não existem no Brasil e eu tenho que compra-los de olhos fechados sem poder saber se são do meu tamanho (é foda ser baixinho!).

Meus pés sambavam dentro da bota dupla, minha perna era um gambito dentro de um sapatão destes de palhaços, minha canela sangrava e eu sentia isso por baixo da roupa.

Sentia uma grande sede, mas não conseguia parar de escalar, não queria perder tempo cravando minhas piquetas no gelo, passando minha solteira sobre elas e tirando minha garrafa de dentro da mochila para beber água. Quanta Logística para algo tão simples. Usar um sistema de hidratação? Esqueça, bastava bater um vento para que a água dentro do tubinho congelar.

Zummmmmmmmm... Lá se foi outra pedra, desta vez pelo menos eu vi caindo e pude desviar sem apenas contar com a sorte. Minha preocupação com as pedras caindo neste momento era tão grande que eu só escalava olhando para cima, foi quando eu percebi que minha mochila também me atrapalhava! (Mas que droga, será que mesmo depois de quase uma década de escalada em alta montanha eu ainda não consegui acumular um equipamento bom?!)

Após esta segunda pedra, fiz um desvio em diagonal e consegui sair da rota de colisão. Aliviado, fui tomar uma água e deixei uma garrafa cheia cair, quase que o Steve foi atropelado por ela.

Continuei subindo até conseguir por definitivo passar este trecho mais exposto da canaleta, encontrando-me com Collin que estava mais na frente.

Já era tarde e o sol agora estava com tudo. Steve ainda na zona de queda de rochas nos preocupavam. Gritamos várias vezes para ele, mas sem respostas. Após esperar por quinze minutos, ele aparece, cansado, mas a todo vapor. Ufa! Nada havia acontecido.

Já se passava das duas. Olhando para baixo dava para ver que já havíamos subido bastante, mas olhando para cima não dava para ter noção do tanto que faltava. Olhei no GPS e vi que nem havíamos chegado aos cinco mil metros. _ Não é possível! Pensava.

Queria parar de pensar. Tanto tempo escalando e nada! _ Quando descer eu não piso no Mercedario! Isso aqui já basta! Eu pensava sem comentar meus pensamentos com meus colegas (mais tarde eles me disseram que estavam pensando o mesmo!).

O cansaço já tomava conta do corpo e eu não podia parar para descansar. Mesmo que eu quisesse, não podia me sentar e sentir conforto, pois numa inclinação de 60 graus isso só ia acontecer se eu cavasse uma plataforma, mas eu não ia fazer isso por que aí sim ia ser cansativo. Eu também sabia de uma coisa: Nesta altura, não dava mais para descer pela rota de subida, se eu quisesse voltar para casa e rever todas as pessoas que eu sentia saudades, eu tinha que chegar no cume e descer pela rota normal.
Já eram quase quatro e ainda faltavam mais quatrocentos metros para o cume. Me lembrava da escalada que eu havia feito em Pedralva – MG, quando subimos uma via de 320 metros de altura. Havia demorado um dia inteiro para subir só isso e no Cerro Negro eu tinha que subir mais do que eu subi naquela escalada sendo que já era tarde e para piorar, o tempo estava dando sinais de piora.

Depois das quatro da tarde, nuvens negras encobriram o cume do Mercedario e das montanhas mais altas da região. O calor foi substituído pelo frio da sombra e pelo vento que ao assoprar roubava ainda mais nossas energias. O gelo, no entatanto, estava bem melhor do que nas altitudes inferiores.

Após passar pelo trecho de canaleta, chegamos num glaciar menos inclinado, com “apenas” 45 graus, mas com gelo glaciar. Lá, pude progredir mais rápido me apoiando próximo ás laminas das piquetas. Comecei então a escalar bem mais rápido e metódico, ao ponto de sentir dor por esforços repetitivos.
Olhava para o lado e via meus companheiros no mesmo estado que eu. Olhava para o outro lado e percebia que estava quase na mesma altitude ou próximo do fim da parede sul do Mercedario, eu sabia que o cume esta perto!

Subimos sem pensar e sem olhar para cima, até chegarmos em um local onde tinha vários esporões com canaletinhas de gelo, pela qualidade e facilidade, me meti na canaletinha mais na esquerda até que o gelo terminasse numa crista rochosa onde dava para ficar em pé. Era o fim? Não.

Esperei os americanos chegarem e fui além desta crista para ver onde ia dar. Era impossível transpô-la. Tivemos que fazer uma diagonal e subir uns acarreos até chegar uma outra crista que desta vez sim nos levava ao cume da montanha.

Nos reunimos os três juntos, eram cinco da tarde e sob vento forte prometemos: Não vamos dormir aqui em cima, segurem as pontas por que vamos subir. Enquanto engolimos uns chocolates, tive tempo até de dormir!

Desta vez sem precisar de piquetas, num terreno mais fácil tecnicamente, porém esgotante para quem se achava em nosso estado, subimos vagarosamente até o ponto mais alto, onde nem sequer tiramos fotos. Atravessamos o cume e já começamos a serpentear a vertente para descer a montanha por outro lado, que ainda era um desafio, pois não conhecíamos esta rota.

Por sorte, a descida foi fácil de encontrar e saímos da zona de altitude com facilidade. A descida, no entanto não foi nada prazerosa. Tivemos que caminhar por vertentes com pedras soltas o tempo todo, onde era muito difícil manter-se em pé. Nos metemos por dentro de vales e canyons e quanto mais descíamos, mais víamos que ainda faltava para descer. Aliás, havíamos subido 2000 metros de altitude até o cume!
Steve, que na rota estava morto de cansaso, ressuscitou na descida e foi na frente, enquanto eu e Collin ficamos para trás. Quando estava quase escurecendo, vi Steve abaixo de mim no meio de um canyon. Gritei a ele para que não descesse por este lugar e sim atravessasse-o para descer pelo outro lado em meio à um acarreo. Entretanto, da mesmo forma que ele não escutara durante a escalada, ele também não escutara na descida. Cansado, e achando que ele talvez tivesse achado um caminho melhor, ignorei e continuei minha descida, chegando em Pirca de Polacos junto com Collin às 23 horas, totalizando 20 horas de atividade fisica intensa e extrema.

Nesta noite não dormi, capotei!

No dia seguinte, acordei com o barulho do zíper da barraca dos americanos. Despertei desejando bom dia! Mas ao contraria do que eu esperava, Collin me disse que não, pois Steve não tinha dormido aquela noite na barraca.

_Como não?!

_ Eu chutei o saco de dormir dele e percebi que não tinha nada dentro. Ele ainda está na montanha!

Naquele momento me arrependi por não ter sido mais insistente quando o vi descer pelo Canyon. Pensei nas piores coisas, como pedras soltas caindo sobre ele, ou ele caindo e quebrando a perna!

_Oh meu deus! Tudo menos isso! Tragédia não!

Nem sequer tomei meu café da manhã peguei umas comidas energéticas enfiei na mochila e fomos em direção à montanha à busca de Steve.

Atravessamos todos os rios e quando estávamos prontos para subir, enxergamos uma pedra se mexendo, Ufa! Era Steve.

O Californiano havia passado uma noite daquelas dentro do Canyon. Ele percebera que lá era um caminho sem saída, mas sem energia para voltar ele havia bivacado lá mesmo. Com equipamentos de primeira, não havia passado frio e estava tudo bem. Ele comeu minha barrinhas energéticas e aliviados fomos para o acampamento onde passamos o dia inteiro dormindo tentando se recuperar do dia estafante que havíamos passado no Negro.

Obviamente que depois de tudo o que passamos por lá, acabamos desistindo da parede sul do Mercedario, pois havíamos feito uma escalada mais difícil que o nosso maior objetivo.

Não sei se fico mais feliz ou mais triste com isto. A Canaleta sul do Negro é bem mais técnica e difícil que a sul do Mercedario. São 1300 metros de escalada em gelo com perigos maiores que o vizinho maior. Entretanto sinto que escalei uma rota interessante numa montanha pouca expressiva.

Acho que por fim, não fracassei no Mercedario, até por que nem sequer eu tentei escalá-lo. Fui bem sucedido em outra montanha mas falhei no meu plano. Escalar duas montanhas extremas como estas em poucos dias ia ser impossível, então após passar um dia descansando, arrumamos nossas coisas e descemos de volta à civilização, depois de treze dias de montanha, voltando para a cidade no dia em que completei oito anos do começo de minha primeira expedição aos Andes.


Vista da grande canaleta desde a base da montanha ao amanhecer Collin acercando-se da base do Bergeschrund Collin guiando a escalada no Bergeschrund. Steve subindo o bergeschrund. Subindo a canaleta entre o Serak e as rochas. Trecho "sujo" indicativo de queda de rocha na rota. No finalzinho da canaleta Terminando a escalada tecnica depois de 1300 metros de gelo. Vista do final da rota no Cerro Negro para o Mercedario. Na esquerda se ve a face sul e de frente ao Negro o Glaciar Caballito. Nota-se que o tempo estava bem fechado. Ventava muito no momento da foto. Auto retrato no topo da rota. Canyon onde Steve teve que pernoitar na descida do Cerro Negro visto desde Pirca de Polacos. Tudo bem no final.

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20 de janeiro de 2008

Escalando o Cerro Ramada

:: Leia a história que antecede este relato

Agora com Collin e Steve, subi até o lugar que eu havia planejado no dia anterior, a 5400 metros e fixei um acampamento. O local era realmente muito bom, protegido do vento e com água boa.

Não demoramos muito para chegar neste novo acampamento, então pude aproveitar um pouco para curtir o belíssimo visual da montanha. Muito próximo havia um morrinho, de onde eu podia avistar todas as montanhas ao redor, incluindo o Cordón de la Ansilta mais ao norte.

Era um fim de tarde excepcional, nem sequer fazia vento! Fiquei por não sei quanto tempo admirando aquela paisagem, até que algo me aconteceu.

Comecei a sentir várias coisas indescritíveis, angustia, felicidade, tristeza, alegria, otimismo, pessimismo, foi muito estranho. Comecei a chorar como criança e me ajoelhei enquanto curtia um estranho desconforto gostoso. Não sei o que aconteceu, mas depois disso passei a me sentir bem, como se estivesse em um lugar conhecido na Serra do Mar, onde eu saberia o que ia acontecer no dia seguinte. Toda minha angustia pela desistência do Antonio desapareceram como minhas lágrimas nos olhos. Fui dormir pensando no cume do dia seguinte.

Despertei como de combinado às seis da manhã. O teto da barraca estava congelado, fazia muito frio! Apesar de ser tarde, o dia só amanhecia às oito horas, então não era necessário acordar mais cedo que este horário.

Tentei acordar os americanos, mas eles não se sentiam bem, me pediram mais um dia para aclimatar. Como estava frio, achei uma boa idéia voltar para o saco de dormir quentinho. Entretanto, esperar um dia inteiro dentro de uma barraca mais tarde, não foi muito agradável, mas tive tempo de sobra para me preparar para o ataque no outro dia.

Assim como no dia anterior, acordamos às seis. Steve e Collin foram para minha barraca e cozinhamos um purê de batatas com macarrão instantâneo e logo saímos na escuridão fria da montanha.

Não demorou muito para o dia começar a clarear, e que dia! Não haviam nuvens no céu e nem vento!
Em pouco tempo já estávamos a seis mil metros, um recorde para Steve que até então tinha em seu curriculum o Pico Orizaba no México, como montanha mais alta. Mais tarde ele sentiu o que é um seis mil.
Eu e Collin tomamos a dianteira, ele estava muito bem, pois estava viajando fazia tempo e já havia escalado algumas montanhas no Equador. Steve, há pouco tempo na América do Sul, ficou para trás. Parávamos de vez em quando para esperá-lo, mas o frio nos obrigava a subir, mas não estava difícil.

Subíamos a maior parte do tempo por uma vertente pouco inclinada, às vezes aparecia algum acarreo mais inclinado, mas pequeno, outras vezes subíamos por neveiros. A escalada era tão fácil que nem sequer usávamos crampons.

No final, tivemos que subir quatro falsos cumes, sem muito drama, pois esbanjávamos energia. Chegamos no cume ao meio dia e meio, depois de apenas quatro horas e meia de subida. Steve, mais cansado, chegou quase meia hora depois, sentido-se “bêbado” mas bem fisicamente.

Do topo do Ramada pude ver todas as montanhas da região. O Cerro Mercedário com sua gigantesca face sul, o Cerro negro, ao seu lado e sua impressionante "super canaleta", o Pico Polaco com sua face bem escarpada, o Mesa com seu cume aplainado e face inclinada, o Alma Negra e sua vertente rochosa eram as montanhas próximas.

Ao sul, avistava o imponente Aconcagua. Podia ver sua face norte, com a ombreira onde fica Nido de Condores, no topo seus dois cumes e de frente para mim, o grande Glaciar Polacos. Ao norte eu podia distinguir o Cerro Cuerno e Catedral e muito perto, à leste o Cerro Ameghino.

Mais ao sul, Conseguia distinguir o Cerro Polleras e o gigantesco Vulcão Tupungato. Não longe dali, avistava também o Cordón del Plata, com Cerro Plata bastante seco. Eram todas montanhas que eu já havia estado e/ ou escalado. Para mim uma paisagem bastante conhecida.

Entretanto não tirava os olhos da face sul do Mercedário: Meu Deus! Pensava.

_Ela é muito grande! Tentava apenas achar beleza e não dificuldade. Entretanto ser ingênuo diante de um desafio deste é querer enganar a si mesmo.

Esta foi a terceira montanha mais alta que eu escalei. Juro que não senti nenhum desconforto lá em cima. Apesar de rápido, eu me aclimatara muito bem. Mas antes de encarar a face, achamos melhor escalar algo mais técnico antes para nos entrosar. Foi aí que o Cerro Negro entrou no meio do caminho.



Nosso acampamento a 5400 metros de altitude Vista para o Cordón de la Ansita Eu no cume do Ramada, ao fundo, a parede sul do Mercedário. Não podia ser diferente, o Corinthians está sempre no topo! Vista do cume do Ramada para o norte, com o Pico Polaco na esquerda, o Mercedário no centro e o Cerro Negro na direita. Detalhe do Pico Polaco Detalhe da parede sul do Mercedário. Detalhe da super canaleta do Cerro Negro. Detalhe para o Mesa (direita) e Alma Negra, (esquerda) Vista desde o Ramada para o sul. Na esquerda se vê o Tupungato, depois o Polleras, Ameghino, Aconcagua, Catedral e enfim Cuerno. Collin no cume do Ramada

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Novos companheiros

:: Leia a história que antecede este relato

Nosso objetivo no Cordón del Mercedário era bastante ambicioso. Pretendía-mos escalar a face sul de sua montanha mais alta, o Cerro Mercedário.

Trata-se de uma rota não muito difícil técnicamente. Entretanto, exige conhecimento de escalada em gelo, uma vez que a parede apresenta inclinação média de 45 graus, com trechos de 60. Não há riscos de avalanche, mas existe risco de queda. Por se tratar de uma parede com dois mil metros de altura, não dá para subir fazendo segurança, por isso temos que, na maior parte da escalada, estar subindo em solo, sem corda, pois se um cai atado ao outro, morrem dois e não somente um. Tudo isso é dificultado, pois ainda é necessário levar uma mochila com provisões para dois dias e barraca, pois ao fim da parede é necessário montar um acampamento, numa altitude de seis mil metros e de lá fazer ataque ao cume. A maior dificuldade, na minha opinião, é a descida, pois desescalar é sempre mais complicado que escalar.

Para podermos encarar uma montanha dessas, é preciso estar bem aclimatado, ou seja, estar com o seu corpo acostumado com as condições atmosféricas de altitude, onde há menos pressão e oxigênio, ou seja, se não basta uma escalada extremamente esgotante fisicamente, ainda temos um agravante que é a altitude.

Para resolver este problema, planejamos fazer nossa aclimatação no Cerro la Ramada que tem uma altitude de 6400 metros.

Após chegarmos ao acampamento base “Pirca de Polacos” passamos um dia descansando. O acampamento era somente nosso, não havia como de costume, outras expedições na montanha. A monotonia foi rompida mais tarde com a chegada de Aníbal Maturano, o melhor e mais experiente guia da região e seu ajudante Henrique que estavam guiando um francês, o Henry.

Após descansarmos bem, no dia três resolvemos fazer um transporte de equipamentos e provisões para um acampamento mais elevado, o que na Argentina se chama de “porteo”. Portear equipamentos é bom para ajudar na aclimatação, dividir o peso em duas viagens e ainda fazer um reconhecimento do caminho, já que as trilhas são bastante apagadas devido ao pouco fluxo de montanhistas na região.

Assim, fomos subindo montanha acima à procura de um lugar bom para acampar e também um caminho mais fácil. As trilhas estavam muito confusas, pois não sabíamos se eram feitas por gente ou por guanacos. Tivemos que atravessar vários acarreos, que são vertentes com pedras soltas, onde subimos um passo de descemos dois, uma tarefa nada agradável para quem ainda não havia se acostumados com a falta de ar de altitude.

Encontramos dois lugares para acampar no meio do caminho, entretanto não havia água perto, tanto em sua forma liquida ou sólida. Subimos até os 4600 metros para encontrar os primeiros penitentes, que são torres de gelo em seu estado final de derretimento e lá aplainar o terreno para que pudéssemos montar um acampamento.

Com algumas pedras aplainadas, fizemos um terraço suficiente para montar nossa barraca. Deixamos nossos equipamentos e descemos de volta ao acampamento marcando o melhor caminho.

Subir mil metros em um dia havia sido cansativo, mas não estava sentido mal. Antonio, infelizmente sim, com muita tosse.

Ao retornar a Pirca de Polacos, nos demos conta que mais gente havia chegado ao acampamento, eram dois americanos, com quem conversamos pouco. Estávamos cansados!

No dia seguinte, enquanto arrumávamos nossas mochilas para subir em definitivo para nosso acampamento elevado, os americanos vieram falar conosco e disseram ter o mesmo plano que nós. Convidamos para subir até o acampamento elevado juntos e assim fomos, nós leves, por ter porteado equipamentos no dia anterior e eles por sua vez porteando o equipamento deles.

Chegamos ao acampamento dos 4600 metros por volta das quatro da tarde, derretemos gelo dos penitentes o suficiente para enchermos nossas garrafas e cozinharmos. Foi um tanto chato fazer o fogareiro funcionar, não sei por que? Na tentativa eu acabei queimando meu cabelo, os pelos do meu braço e da minha mão, fiquei com muita raiva por estes motivos cada vez mais estou usando fogareiros a gás do que benzina.

No dia seguinte, continuando nossa programação, subimos porteando equipamentos e buscando um caminho mais fácil. Logo de cara tivemos que subir um acarreo de trezentos metros de altura, sofrimento interrompido por uma sombra sob as rochas que aparentava um avião, era um enorme condor plainando sob nossas cabeças.

Após o acarreo, subimos uma crista também inclinada e chegamos a um acampamento também sem água. Buscando um lugar melhor, continuamos o caminho, serpenteando umas torres de rocha de cor negra até encontrarmos um lugar perfeito numa altitude de 5600 metros com direito a água corrente que derretia de uma neveiro mais acima.

Antonio demorava a chegar. Acabei aplainando o terreno num lugar próximo ao riacho semi-descongelado. Quando Antonio chegou, mal pode me ajudar, de tão mal que estava. Terminei de preparar nosso acampamento, deixei algum material e logo retornamos ao acampamento mais baixo, onde os americanos já estavam instalados com sua barraca.

Ao regressar, Antonio me contou que se sentia muito mal. Sua tosse havia piorado e ele tinha um principio de febre, sem falar nas bolhas nos pés que quase não permitiam que ele caminhasse direito. Passei uma noite ruim por causa de meus pensamentos, o estado físico do Antonio me deixou bastante preocupado e o pior realmente aconteceu no dia seguinte. Sentido-se pior da gripe, Antonio me avisou que não iria subir mais.

Foi sorte minha os americanos terem os mesmos planos que eu. Quando me convidei para escalar com eles não tive problemas em ser aceito. Depois deste dia passei a ser parceiro de Collin Tucker, natural do Colorado, mas residente no Alaska, um biólogo mestre em botânica de 27 anos e Steven Sheets, natural da Califórnia, Phd em Física nuclear de 28 anos. Contando que sou mestrando em Geografia Física, formamos, pelo menos acadêmicamente, uma equipe bastante graduada.

Antonio aplainando o terreno para estabelecermos o acampamento de 4600 metros de altitude.

Subindo um acarreo.

Local de nosso primeiro acampamento no Cerro Ramada.

Antonio derrentendo gelo na porta da barraca.

Vista de nosso primeiro acampamento para o Cerro La Ramada.

Steve, esquerda, eu no centro e Collin na direita: Novos companheiros.

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Acercando-se da montanha

:: Leia a parte anterior deste relato

O chamado Cordón del Mercedário, ou oficialmente Cordón de la Ramada é provavelmente o cordão montanhoso andino que mais tem montanhas com mais de seis mil metros de altitude. São cinco no total, Cerro de la Ramada, Alma Negra, Cerro la Mesa, Pico Polaco e por fim o Mercedário que com 6770 metros é a oitava montanha mais alta do continente.

Trata-se de um fantástico anfiteatro de montanhas nevadas não sendo mais famoso talvez, pois seu vizinho próximo, o Aconcagua, acaba roubando as atenções. Uma grande injustiça, já que no Cordón del Mercedário existem escaladas muito mais técnicas e bonitas que no vizinho mais alto do sul, como a aresta sudeste do Pico Polaco, o canaletão sul do Cerro Negro e a parede sul do Mercedário com mais de dois mil metros de altura. Isso sem falar que no Cordón del Mercedário a natureza é muito mais preservada e selvagem, o que faz ser comum avistarmos guanacos, raposas e condores.

O acesso à este cordão montanhoso se faz desde a pequena cidade de Barreal, na província de San Juan, Argentina. Entretanto, fomos direto de Mendoza, onde se faz também o acesso ao Aconcagua, pois a infraestrutura é melhor e é mais fácil comprar as provisões necessárias para a montanha.

Saímos de Mendoza na manhã do dia 30 de Dezembro e logo estávamos subindo a cordilheira com a caminhonete do Antonio, meu companheiro de escalada. Depois de percorrer cerca de duzentos quilômetros pela estrada internacional, deixamos o asfalto e começamos a cruzar um extenso deserto aplainado situada entre a cordilheira e a pré cordilheira, um lugar chamado de “Pampa del Leoncito”. Dali, foram mais cem quilômetros até a Ruta Provincial 400, que dá acesso a uma futura mina que promete ser a segunda Chuquicamata e também ao vale do Rio Colorado, que nos dá acesso ao Cordón del Mercedário.

Após cruzarmos uma ponte sobre o Rio de los Patos, que é controlada pela mineradora, chegamos à localidade de Sant’Ana que é um posto da Gendarmeria Argentina onde eles engordam e reproduzem muares. Segundo o Antonio, que já havia ido duas vezes lá, poderíamos conseguir um preço melhor com os militares argentinos para podermos levar nossos equipamentos mais pesados, no lombo dos animais, para o acampamento base da montanha, e assim foi.

Começamos nossa caminhada no dia 31. Com menos peso, pois havíamos levado muitas coisas com os animais, muito logo já tínhamos percorrido oito quilômetros, até que a fome começou a apertar. Sob a sombra de uma pedra fizemos um macarrão instantâneo, enquanto também esperávamos o sol dar uma amenizada, pois mesmo na montanha, o calor é insuportaável.

Nosso rendimento acabou caindo um pouco após a parada, ainda mais por que tivemos que atravessar o rio colorado algumas vezes. Como estratégia para este tipo de travessia, eu sempre levo uma papete por fora na mochila e assim não molho minha bota. Meu colega não se preparou para isso e talvez por andar com as botas molhadas ele acabou fazendo bolhas enormes nos pés.

Após atravessar o rio várias vezes e depois de percorrer 18 quilômetros, chegamos em um lugar gramado onde montamos um acampamento. Lá passamos nosso reveillon, sem festas e sem rojões, somente a tosse do Antonio que estava ruim de gripe.
No dia seguinte continuamos nossa odisséia subindo o rio Colorado. O percurso era mais acidentado que no dia anterior, mas pelo menos podíamos continuar por mais tempo em uma só margem do rio, sem nos preocuparmos em atravessar aquelas águas turbulentas.

Num ritmo bastante lento, chegamos em Pirca de Polacos, o acampamento base da montanha a 3600 metros de altitude por volta da cinco da tarde, com tempo fechado e um pouco de vento. Antonio demorou bem mais do que eu, ele não estava bem.

Dali já podíamos avistar a gigantesca parede sul do Mercedario e o respeitado Pico Polaco. Fomos dormir ao som dos gritos dos guanacos que peleavam pelas fêmeas, já que era a época do acasalamento dos animais.


Antonio e sua caminhonete na "Pampa del Leoncito" Inicio da aproximação do Cordón del Mercedário Antonio atravessando um dos trechos do Rio Colorado Nosso acampamento durante aproximação da montanha Nosso acampamento em Pirca de Polacos e a imponente face sul do Mercedário (direita) e o Pico Polaco (esquerda) As bolhas do Antonio

18 de janeiro de 2008

de volta!

:: Veja a história anterior à este relato

Depois de muitos dias sem comunicação, estou de volta à civilização.

Infelizmento nem sequer tentei escalar o Mercedário. Isso no entanto não significa que a expedição foi um fracasso, muito pelo contrário, pois escalei duas outras montanhas, uma delas, a mais dificil que já fiz em minha vida. Trata-se do Cerro de Negro, de apenas 5600 metros. Escalei sua face sul, que é uma enorme canaleta de gelo com 1300 metros de altura. Foram 20 horas para subir e descer num esforço técnico e fisico extremo. Ainda escalei o Cerro La Ramada, de 6400 metros de altitude, muito alto, mais fácil e belíssimo. Em Breve irei detalhar como foram estes dias na montanhas, assim como também irei divulgar mais fotos. Ainda estou cansado e nem cheguei em casa, então esperem por mais novidades, abraços

Cerro Negro e a super Canaleta

  O Cerro La Ramada visto desde seu acampamento mais alto.

  Pico Polaco na esquerda, Mercedário no centro e Cerro Negro na direita, visão do cume do La Ramada