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No começo da viagem tivemos sorte com o tempo e fizemos
vários cumes sob céu azul e pouco vento. No entanto, depois do dia 8 de
janeiro, nossa sorte mudou e começou a se formar uma instabilidade climática
que marcou o resto da temporada com muito temporal nos vales e nevascas nos
cumes de toda a cordilheira.
Esta instabilidade nos fez mudar os planos, nos atrasou no
cronograma e dificultou muito as escaladas e os deslocamentos.
Primeiramente, toda a região andina do norte argentino e
chileno é desértica. Lá os rios são quase todos intermitentes, muitos mal tem
seu canal de drenagem definido, formando leques aluviais que descem de maneira
difusa dos vales estreitos nas montanhas e se espalham nas planícies,
depositando cascalho e areia nas baixadas. Estes fluxos acontecem somente
quando chove bastante, o que é muito raro.
Neste ano, estes eventos que ocorrem entre um ano e outro,
ou alguns anos, ocorreram diversas vezes em intervalos de dias, limitados por
pequenas janelas de bom tempo, que tivemos que aproveitar, como fizemos no Mercedário.
O problema é que aproveitar a boa janela significa se
deslocar quando o tempo estava ruim, o que nos deu problemas, já que tivemos
que enfrentar cortes de estrada, fluxos de lama e pedra que correram sobre as
estradas, entre outras coisas.
Nossa saída do Mercedário foi um exemplo. Lá pegamos grandes
corridas que cobriram a estrada com detritos. O tamanho dos blocos rochosos
transportados pelas águas impressionam. Eles demonstram a força da água para
conseguir transportar algo tão grande e pesado. No Passo internacional de Água
Negra, esperamos por horas até que a estrada fosse liberada para nossa passada.
No dia que descemos do Tórtolas, chegamos a quase presenciar
ao vivo o começo de uma corrida de lamas. Tive que desobstruir a estrada no
momento em que pedras rolavam de uma vertente na chuva. Obviamente não ficamos
lá para presenciar o que ia acontecer. Um dia depois, em pleno deserto do
Atacama, perto de Copiapó, presenciamos uma leve chuva na estrada e depois
disso, já no Passo San Francisco, onde ficam algumas das maiores montanhas dos
Andes, tivemos alguns problemas com autoridades por conta do mal tempo.
Quando fomos nos apresentar aos Carabineros do Chile, que é
a policia local, eles não aceitaram que a gente fosse às montanhas por conta da
neve. Sem alternativas, sugerimos ir ao refúgio Santa Rosa, localizado ao lado
da laguna do mesmo nome, uns 30km em frente à aduana de Maricunga, onde fica a
polícia e o controle fronteiriço. O Carabineiro em plantão, bem gente fina,
aceitou nossa ideia e liberou a passagem.
Ao chegar no refúgio, nos encontramos com diversos
escaladores que se preparavam para procurar um montanhista argentino
desaparecido no Cerro 3 Cruces. Uma destas pessoas era o guarda parque Nicolai,
que conhecia o Irivan e estudou com o Sassá na Espanha. Conversamos bastante e
desta forma ganhamos a confiança do grupo. Eles sugeriram que a gente fosse
antes ao Ojos Del Salado, para não atrapalhar as buscas e disseram pra gente ir
a um refúgio na base da montanha, o Claudio Lucero, para iniciar a escalada no
dia seguinte. Fomos contentes, pois ali no Santa Rosa teríamos que compartilhar
o parco espaço com muita gente.
Eis que quase chegando ao refúgio Claudio Lucero, cruzamos
com uma viatura dos Carabineros, que nos obrigou a voltar. O chefe destes
carabineros, um militar baixinho e gordinho, foi bem arrogante e mandou a gente
voltar, fazer o que? Desrespeitar uma autoridade num país super militarizado?
Voltamos à aduana putos com a ordem e sabendo que aquilo ia custar caro, pois
andamos 120km a mais e talvez não teríamos diesel para completar nossa
escalada.
O resultado disso é que tivemos que dormir na aduana, ao invés de poder dormir no refúgio,
fazendo uma super farofada juntos com outros farofas que lá estavam. O tempo estava ruim na montanha, mas tinha a previsão de uma boa melhora a partir daquele dia, não custava a gente esperar isso em um lugar mais adequado. O militar
que autorizou nossa ida ao Santa Rosa recebeu uma super dura do baixinho
arrogante, que ainda ligou para um superior para contar que a situação era “catastrófica”.
Tudo isso por conta da avaliação de um cara que não sabia nada de montanhismo.
Esta era nossa situação, tínhamos duas montanhas pela
frente, pouco combustível na Andina, muita neve acumulada nas montanhas e um
desaparecido na montanha...
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Grande corrida de lama e pedras numa estrada na provincia de San Juan. |
Mais corrida de lama no asfalto. Desta vez em La Rioja. |
Isso era um rio intermitente. |
Nuvens negras no deserto de Atacama |
Nuvens no Vulcão Copiapó (segundo plano) na frente, laguna Santa Rosa. |
Neve nas montanhas do Passo San Francisco. |
Farofada na aduana chilena. |