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No AltaMontanha pude certa vez traduzir um artigo sobre as
escaladas do Geógrafo Walther Penck aqui na Província de Catamarca. Bom, pra quem não
sabe, Penck foi um grande pensador da geomorfologia, a chamada ciência do
relevo. Até hoje eu cito as teorias dele em meus trabalhos e acho muitíssimo
interessante saber que estas teorias se desenvolveram com as observações que
ele fez aqui nesta região, seja seu trabalho como topógrafo, eu seja suas
observações como montanhista.
Uma das coisas mais legais, que depois pude comprovar lendo
os trabalhos do professor Twidale da Austrália, é que foi Penck quem
desenvolveu a nomenclatura “
Inselberg” para montanhas isoladas em meio a planíciessemi-áridas, sendo estes morros relictos de processos morfogenéticos. Alguns
acham que foi o sulafricano Charles Lester King quem desenvolveu esta
nomenclatura. King, grande estudioso da gênese do relevo brasileiro,
desenvolveu a teoria da pediplanação e usou a nomenclatura Inselberg para estes
morros residuais. Daí a confusão.
Se você é um escalador brasileiro, certamente já escalou um
Inselberg! Morros como a Pedra do Baú, Pedra Azul, Pão de Açucar são
inselbergs. Eu adoro eles!
Bom, a minha história com o Penck vai além destas questões geográficas,
entra no legado que ele deixou no montanhismo, pois em 1913 ele escalou o
Nevado San Francisco e também o Incahuasi, se tornando o primeiro não Inca a
escalar estes seis mil. Em 2006,
eu escalei o San Francisco, a montanha mais
fácil e acessível da região e tentei junto com o Maximo Kausch escalar o
Incahuasi.
Naquela ocasião, atingimos uma altitude superior aos 6400
metros, mas pegamos uma tormenta que nos impediu de diferenciar o chão do céu.
Foi a primeira vez que fui salvo por um GPS. Desde então o Incahuasi permaneceu
como um objetivo pessoal, mas faltou oportunidade de voltar à Puna de
Catamarca.
Desta vez, junto com o Waldemar Niclevicz, fomos por uma
rota diferente, pelo lado chileno. Meu amigo Maximo Kausch fez uma rapa nas
montanhas da região, escalando 30 cumes em 2 meses e me deu um tracklog por
esta rota, segundo ele muito mais fácil do que aquela que tentamos em 2006.
Adentramos um vale totalmente desértico com a caminhonete
Andina, vencendo um terreno arenoso e hostil, até chegarmos aos 4950 metros de
altitude, na base do Incahuasi e também do vulcão Fraile. Ali estabelecemos
nosso acampamento base.
Às 2 da manhã Waldemar e eu despertamos e começamos nossa
empreitada, vencendo com facilidade os primeiros 400 metros deste ataque de
1700. A lua iluminava o caminho e era possível seguir as pegadas deixadas por
Maximo, mesmo depois de 2 meses. A sensação era literalmente de andar sobre a
lua, encontrando as pegadas do Armstrong.
Lá pelas 4 começou a ventar e começamos a passar muito frio.
Desviamos da rota pra achar abrigo, mas não havia. Isso me obrigou a não parar
de andar, pois senão congelava. Para piorar, estávamos escalando uma face
Oeste, aonde o sol chega mais tarde.
Dali pra frente a gente tinha um grande acarreo, um terreno
recoberto por cascalho, onde se dá um passo pra cima e desce dois. Um terreno
infernal que combinado com o vento e o frio nos castigou muito.
Para fugir dos metros finais do acarreo, desviei para umas
pedras vulcânicas, com uma escalada de terceiro grau. Se eu caísse, já era...
Mas o grau é somente psicológico, passei pelo lance sem problemas, mesmo com a
bota dupla e descansei ao sol, esperando o Waldemar que não tardou em chegar.
Um pouco acima chegamos à borda da cratera, onde entramos
pra nos abrigar do vento incessante. Eu tremia de frio. Percebia que estava com
a pilha baixa, pois o vento literalmente suga sua energia. Botei pra dentro uns
chocolates e um gel carboidrato, dei um cochilo e já estava com a pilha
parcialmente recarregada, o suficiente para vencer um ultimo filo, onde ventava
muito, mais um lancezinho de trepa pedra e enfim chegar no cume do Incahuasi,
100 anos depois de Penck e 7 depois da minha ultima tentativa. Acho que esta
foi a segunda montanha mais alta que escalei, com 6621 metros o Incahuasi está
entre as 15 mais altas do continente.
O Incahuasi, no entanto, cobrou seu preço. Novamente a
descida foi ruim, com muita pedra. Entre chutar um e outro cascalho, a sola da
minha bota dupla abriu e eu fiquei muito bravo, pois a bota é nova, é cara e é
super difícil de comprar!
Ao chegarmos ao acampamento base, continuamos sofrendo com
as forças da natureza. O vento continuou soprando forte, enchendo nossas coisas
de poeria. Havia muita sílica em suspensão, deixando tudo pesado e atrapalhando
a vista. Desmontamos tudo e descemos toda a estrada, 200 km pra descansar em
Fiambalá.