Blog do Pedro Hauck: Escalando o Incahuasi 100 depois de Walther Penck

8 de janeiro de 2013

Escalando o Incahuasi 100 depois de Walther Penck

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No AltaMontanha pude certa vez traduzir um artigo sobre as escaladas do Geógrafo Walther Penck aqui na Província de Catamarca. Bom, pra quem não sabe, Penck foi um grande pensador da geomorfologia, a chamada ciência do relevo. Até hoje eu cito as teorias dele em meus trabalhos e acho muitíssimo interessante saber que estas teorias se desenvolveram com as observações que ele fez aqui nesta região, seja seu trabalho como topógrafo, eu seja suas observações como montanhista.

Uma das coisas mais legais, que depois pude comprovar lendo os trabalhos do professor Twidale da Austrália, é que foi Penck quem desenvolveu a nomenclatura “Inselberg” para montanhas isoladas em meio a planíciessemi-áridas, sendo estes morros relictos de processos morfogenéticos. Alguns acham que foi o sulafricano Charles Lester King quem desenvolveu esta nomenclatura. King, grande estudioso da gênese do relevo brasileiro, desenvolveu a teoria da pediplanação e usou a nomenclatura Inselberg para estes morros residuais. Daí a confusão.

Se você é um escalador brasileiro, certamente já escalou um Inselberg! Morros como a Pedra do Baú, Pedra Azul, Pão de Açucar são inselbergs. Eu adoro eles!

Bom, a minha história com o Penck vai além destas questões geográficas, entra no legado que ele deixou no montanhismo, pois em 1913 ele escalou o Nevado San Francisco e também o Incahuasi, se tornando o primeiro não Inca a escalar estes seis mil. Em 2006, eu escalei o San Francisco, a montanha mais fácil e acessível da região e tentei junto com o Maximo Kausch escalar o Incahuasi.

Naquela ocasião, atingimos uma altitude superior aos 6400 metros, mas pegamos uma tormenta que nos impediu de diferenciar o chão do céu. Foi a primeira vez que fui salvo por um GPS. Desde então o Incahuasi permaneceu como um objetivo pessoal, mas faltou oportunidade de voltar à Puna de Catamarca.

Desta vez, junto com o Waldemar Niclevicz, fomos por uma rota diferente, pelo lado chileno. Meu amigo Maximo Kausch fez uma rapa nas montanhas da região, escalando 30 cumes em 2 meses e me deu um tracklog por esta rota, segundo ele muito mais fácil do que aquela que tentamos em 2006.

Adentramos um vale totalmente desértico com a caminhonete Andina, vencendo um terreno arenoso e hostil, até chegarmos aos 4950 metros de altitude, na base do Incahuasi e também do vulcão Fraile. Ali estabelecemos nosso acampamento base.

Às 2 da manhã Waldemar e eu despertamos e começamos nossa empreitada, vencendo com facilidade os primeiros 400 metros deste ataque de 1700. A lua iluminava o caminho e era possível seguir as pegadas deixadas por Maximo, mesmo depois de 2 meses. A sensação era literalmente de andar sobre a lua, encontrando as pegadas do Armstrong.

Lá pelas 4 começou a ventar e começamos a passar muito frio. Desviamos da rota pra achar abrigo, mas não havia. Isso me obrigou a não parar de andar, pois senão congelava. Para piorar, estávamos escalando uma face Oeste, aonde o sol chega mais tarde.

Dali pra frente a gente tinha um grande acarreo, um terreno recoberto por cascalho, onde se dá um passo pra cima e desce dois. Um terreno infernal que combinado com o vento e o frio nos castigou muito.

Para fugir dos metros finais do acarreo, desviei para umas pedras vulcânicas, com uma escalada de terceiro grau. Se eu caísse, já era... Mas o grau é somente psicológico, passei pelo lance sem problemas, mesmo com a bota dupla e descansei ao sol, esperando o Waldemar que não tardou em chegar.

Um pouco acima chegamos à borda da cratera, onde entramos pra nos abrigar do vento incessante. Eu tremia de frio. Percebia que estava com a pilha baixa, pois o vento literalmente suga sua energia. Botei pra dentro uns chocolates e um gel carboidrato, dei um cochilo e já estava com a pilha parcialmente recarregada, o suficiente para vencer um ultimo filo, onde ventava muito, mais um lancezinho de trepa pedra e enfim chegar no cume do Incahuasi, 100 anos depois de Penck e 7 depois da minha ultima tentativa. Acho que esta foi a segunda montanha mais alta que escalei, com 6621 metros o Incahuasi está entre as 15 mais altas do continente.

O Incahuasi, no entanto, cobrou seu preço. Novamente a descida foi ruim, com muita pedra. Entre chutar um e outro cascalho, a sola da minha bota dupla abriu e eu fiquei muito bravo, pois a bota é nova, é cara e é super difícil de comprar!

Ao chegarmos ao acampamento base, continuamos sofrendo com as forças da natureza. O vento continuou soprando forte, enchendo nossas coisas de poeria. Havia muita sílica em suspensão, deixando tudo pesado e atrapalhando a vista. Desmontamos tudo e descemos toda a estrada, 200 km pra descansar em Fiambalá.

Incahuasi significa “casa do inca” em quechua. Assim como muitas montanhas desta região, ela já havia sido escalada por este povo, que tinha as montanhas como sagradas. Será que eles não gostam que a gente entre na casa deles sem permissão? Espero que não, pois ainda vamos visitar muitas casas Incas nesta viagem.

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Esfriando a Andina durante a subida até o Incahuasi.

Trilha até a base do Incahuasi. Local ermo.

Acampamento base do Incahuasi.

Durante a subida ao cume, vista para o Fraile.

Vista de dentro da cratera para o cume.

Subindo até o cume.

Único gelo na montanha.

Chegando no filo final que vai até o cume.

Ultimo lance antes do cume. Pequena escalaminhada, dificil com muito vento.

Chegando ao cume.

Cume. 
Dados do GPS, tempo de subida, altitude, deslocamento médio e distancia percorrida até o topo.

Eu no cume.

Vista para o San Francisco.

Vista para a Laguna Verde.

Vista para o Fraile e outras montanhas proximas ao Ojos del Salado.

Cruz do cume.

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