Blog do Pedro Hauck: Tempestade no deserto

29 de janeiro de 2013

Tempestade no deserto

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No começo da viagem tivemos sorte com o tempo e fizemos vários cumes sob céu azul e pouco vento. No entanto, depois do dia 8 de janeiro, nossa sorte mudou e começou a se formar uma instabilidade climática que marcou o resto da temporada com muito temporal nos vales e nevascas nos cumes de toda a cordilheira.

Esta instabilidade nos fez mudar os planos, nos atrasou no cronograma e dificultou muito as escaladas e os deslocamentos.

Primeiramente, toda a região andina do norte argentino e chileno é desértica. Lá os rios são quase todos intermitentes, muitos mal tem seu canal de drenagem definido, formando leques aluviais que descem de maneira difusa dos vales estreitos nas montanhas e se espalham nas planícies, depositando cascalho e areia nas baixadas. Estes fluxos acontecem somente quando chove bastante, o que é muito raro.

Neste ano, estes eventos que ocorrem entre um ano e outro, ou alguns anos, ocorreram diversas vezes em intervalos de dias, limitados por pequenas janelas de bom tempo, que tivemos que aproveitar, como fizemos no Mercedário.

O problema é que aproveitar a boa janela significa se deslocar quando o tempo estava ruim, o que nos deu problemas, já que tivemos que enfrentar cortes de estrada, fluxos de lama e pedra que correram sobre as estradas, entre outras coisas.

Nossa saída do Mercedário foi um exemplo. Lá pegamos grandes corridas que cobriram a estrada com detritos. O tamanho dos blocos rochosos transportados pelas águas impressionam. Eles demonstram a força da água para conseguir transportar algo tão grande e pesado. No Passo internacional de Água Negra, esperamos por horas até que a estrada fosse liberada para nossa passada.

No dia que descemos do Tórtolas, chegamos a quase presenciar ao vivo o começo de uma corrida de lamas. Tive que desobstruir a estrada no momento em que pedras rolavam de uma vertente na chuva. Obviamente não ficamos lá para presenciar o que ia acontecer. Um dia depois, em pleno deserto do Atacama, perto de Copiapó, presenciamos uma leve chuva na estrada e depois disso, já no Passo San Francisco, onde ficam algumas das maiores montanhas dos Andes, tivemos alguns problemas com autoridades por conta do mal tempo.

Quando fomos nos apresentar aos Carabineros do Chile, que é a policia local, eles não aceitaram que a gente fosse às montanhas por conta da neve. Sem alternativas, sugerimos ir ao refúgio Santa Rosa, localizado ao lado da laguna do mesmo nome, uns 30km em frente à aduana de Maricunga, onde fica a polícia e o controle fronteiriço. O Carabineiro em plantão, bem gente fina, aceitou nossa ideia e liberou a passagem.

Ao chegar no refúgio, nos encontramos com diversos escaladores que se preparavam para procurar um montanhista argentino desaparecido no Cerro 3 Cruces. Uma destas pessoas era o guarda parque Nicolai, que conhecia o Irivan e estudou com o Sassá na Espanha. Conversamos bastante e desta forma ganhamos a confiança do grupo. Eles sugeriram que a gente fosse antes ao Ojos Del Salado, para não atrapalhar as buscas e disseram pra gente ir a um refúgio na base da montanha, o Claudio Lucero, para iniciar a escalada no dia seguinte. Fomos contentes, pois ali no Santa Rosa teríamos que compartilhar o parco espaço com muita gente.

Eis que quase chegando ao refúgio Claudio Lucero, cruzamos com uma viatura dos Carabineros, que nos obrigou a voltar. O chefe destes carabineros, um militar baixinho e gordinho, foi bem arrogante e mandou a gente voltar, fazer o que? Desrespeitar uma autoridade num país super militarizado? Voltamos à aduana putos com a ordem e sabendo que aquilo ia custar caro, pois andamos 120km a mais e talvez não teríamos diesel para completar nossa escalada.

O resultado disso é que tivemos que dormir na aduana, ao invés de poder dormir no refúgio, fazendo uma super farofada juntos com outros farofas que lá estavam. O tempo estava ruim na montanha, mas tinha a previsão de uma boa melhora a partir daquele dia, não custava a gente esperar isso em um lugar mais adequado. O militar que autorizou nossa ida ao Santa Rosa recebeu uma super dura do baixinho arrogante, que ainda ligou para um superior para contar que a situação era “catastrófica”. Tudo isso por conta da avaliação de um cara que não sabia nada de montanhismo.

Esta era nossa situação, tínhamos duas montanhas pela frente, pouco combustível na Andina, muita neve acumulada nas montanhas e um desaparecido na montanha...

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Grande corrida de lama e pedras numa estrada na provincia de San Juan.

Mais corrida de lama no asfalto. Desta vez em La Rioja.

Isso era um rio intermitente.

Nuvens negras no deserto de Atacama

Nuvens no Vulcão Copiapó (segundo plano) na frente, laguna Santa Rosa.

Neve nas montanhas do Passo San Francisco.

Farofada na aduana chilena.

Um comentário:

Miriam Chaudon disse...

Maravilhosa expedição de vocês! Que este lindo projeto continue e essa parceria permaneça!