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Após atingirmos o cume do Vulcão Antofalla, regressemos ao
pueblo de mesmo nome onde pudemos passar uma noite num modesto alojamento de
adobe, com teto de palha da Dona Rosa, uma das 40 pessoas que vivem ali naquele
mundo esquecido.
Pela frente teríamos um longo percurso de trilhas,
desconhecidas pra nós. O que enfrentaríamos? Quais seriam os problemas? Haverá
subidas intransponíveis? areais que atolam o carro? Campos de escória
vulcânica? Travessia em salar? A gente não sabia nada além do traçado destas
trilhas no mapa de fundo de GPS que baixei do site Viajeros 4x4.
Para ir mais afundo, perguntamos aos locais e obtivemos o
depoimento do Don Manuel, marido de dona Rosa, que hoje está cego por conta da
diabetes, mas que no passado deveria ser um baqueano conhecedor daquele cafundó
dos Judas.
Don Manuel descreveu com entusiasmo o caminho que íamos
percorrer e ouvia atenciosamente nossas informações, principalmente sobre as
montanhas. Ele é um homem simples, mas se mostrou possuidor de grande cultura. Simpatizei-me
muito com aquele velho cego, porém, o caminho que havia desenhado no meu GPS
era diferente daquele indicado. Menos mal, pois o novo cortava caminho.
Saindo de Antofalla a trilha parecia uma estrada de terra
comum. Ela bordejava o salar e qualquer carro de passeio podia passar. Ali é um
lugar turístico, um circuito da cidade de Antofagasta para quem quer conhecer o
salar e seus oásis, que são as Vegas, um tipo de vegetação campestre que se
desenvolve onde há água. São várias Vegas, e paramos em todas para fotografar.
É impressionante que basta ter água para ter vida. Nestas Vegas vivem pessoas e
há muitos animais pastando.
A primeira Vega que visitamos chamava-se Botijuelas e ali
vivia um senhor chamado Don Simon, que correu ao avistar nosso carro. Era dia
30 de Dezembro e ele queria uma carona até a cidade. Se desapontou quando
avisamos que ao invés de irmos à civilização, íamos nos afundar ainda mais
naquela puna. Depois, ele se lembrou que na região há muitos pumas e que sempre
que ele se ausenta, uma ovelha dele some. Faziam 8 meses que ele estava ali,
isolado.
Na segunda vega houve uma explosão populacional, lá ela
dobrou, haviam 2 pessoas, um casal de velhinhos que nos explicou que depois de
duas Vegas (pois a próxima não vivia ninguém) vivia outro homem isolado,
chamado Jesus.
Depois de nos bater pra achar o caminho até a Vega onde
morava Jesus, que se desenvolve ao lado de uma laguna chamada La Brea, nos
demos conta que já estávamos no meio do nada. Ali saíamos do vale onde se
desenvolve o Salar de Antofalla, que é uma grande bacia fechada, sem saída ao
mar, para percorrer o interflúvio de outra bacia fechada, a da Laguna Brea.
Este interflúvio era um planalto enorme, sem nenhuma vegetação, uma verdadeira
paisagem lunar acima dos 4 mil metros. De humano ali apenas as marcas de pneu
de outro 4x4 que passou ali um dia. Agora eu sei por que tem tanta gente
procurando Jesus, o cara de fato se esconde!
Bom, descemos até o vale da laguna La Brea, que é circulada
por ladeiras de areia, que nos deixou muito preocupados, será que o carro
subiria no dia seguinte? Fomos até a casa de Jesus e percebemos que ele não
estava. Era esta a nossa situação, isolados no meio do nada e sem Jesus pra dar
a informação da trilha que continuava... Será que deus estava ao nosso lado?
Acordei no dia seguinte animado pela linda paisagem. Lhamas,
Vicunhas, ovelhas e cavalos pastavam na Vega, não é que Jesus vive num paraíso?
Pra melhorar, o local tem muita água e até um rio termal!
Continuamos nossa odisseia na puna, vencendo a vertente
inclinada por onde passava a trilha usando a reduzida da caminhonete andina.
Após ultrapassar este divisor de águas, fomos cair novamente no Salar de
Antofalla, desta vez em seu setor Sul, mais remoto, nada a ver com seu setor turístico.
Tivemos que andar dentro do salar diversas vezes, o que só é possível em épocas
de muita seca.
Após percorrer vários quilômetros, a trilha sai da beirada
do salar e começa a subir até os 4 mil metros de novo. Ali demos de cara com
nosso maior medo: os areais.
Murchamos os pneus e conseguimos vencer a areia. Sem antes
sofrer um pouco com a incerteza, pois se não desse certo a estratégia, seria
complicado voltar com o pneu murcho, pois ali atrás havia muita pedra no caminho.
A gente até tem um compressor que liga na tomada de 12v, mas usá-lo pode, numa
zica, esvaziar a bateria. Imagina isso acontecendo ali, sem Jesus por perto!
Por sorte tudo ocorreu bem e fomos parar na Laguna Del Peinado,
um lugar maravilhoso e cheio de flamingos, aqueles passarinhos cor de rosa.
Antes de acharmos um local para acampar, antes tivemos que vencer um lamaçal,
isso mesmo, até lamaçal existe neste deserto! Novamente deu tudo certo e Deus
nos recompensou com um lindo lugar para acampar, ao lado dos flamingos e perto
de uma piscina natural com águas termais, onde eu tomei banho, há 3300 metros
de altitude. Foi tudo perfeito pra gente comemorar o ultimo dia do ano. Até a
noite nos brindou com um espetáculo de estrelas. Fogos de artifício? Pra que?
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Uma vega ao lado do salar de Antofalla. |
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O Salar de Antofalla, onde dá pra andar de carro. |
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Caminho 4x4 ao lado do salar. |
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Acampamento ao lado da Laguna La Pea. |
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Atravessando uma paisagem lunar entre o salar de Antofalla e a laguna la Pea. |
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Travessia no deserto, subia de pendente inclinada. |
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Local onde houve um derrame vulcanico sobre o salar de antofalla. |
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Atravessando o salar com o carro. |
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A Andina no meio do deserto num local de trilha boa. |
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Laguna del Peinado com o vulcao de mesmo nome ao fundo. |
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Flamingos na laguna del Peinado. |
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Parte da Laguna del Peinado que tem cor azul turquesa. |
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Tipo de alga que vive na terma da laguna del Peinado. |
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Terma da Laguna del Peinado. |
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Água brotando no chão da terma do Peinado. |
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Eu tomando banho a 3300 metros de altitude. com água quente! |
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Silvia e Waldemar no jantar do Reveillon. |