Blog do Pedro Hauck: Mercedário em 2 dias e com muita perrengue

16 de janeiro de 2013

Mercedário em 2 dias e com muita perrengue

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O tempo continuou ruim no Oeste argentino, com chuvas todos os dias nas montanhas. Quando nos deslocávamos de La Rioja até Barreal, na província de San Juan, acampamos numa reserva biológica chamada La Cienága, onde pela primeira vez na viagem pegamos uma chuva torrencial como se vê na Serra do Mar.

São chuvas de verão as que estão acontecendo, aquelas que o apresentador do telejornal chama de “pancadas de chuvas à tarde”. Só que na montanha isso vira neve.

Chegamos em Barreal sábado à tarde e nem ficamos na cidade, indo direto ao Mercedário que fica 80 km de distância percorrendo uma estrada que pertence à minerador Rio Tinto, que está preparando a Mina El Pachón para explorar cobre, num projeto grandioso.

Chegando a Las Juntas, onde fica a porta de entrada da mina, ficamos sabendo que a estrada até o Mercedário estava cortada. As chuvas em excesso destruíram parte do caminho que estava sendo reparado.

Tivemos a permissão de entrar, sem saber o que fazer. A ideia era acampar em um local e esperar a abertura da estrada.

Sem achar um local atraente, fomos andando até chegar no Rio Colorado, que nasce na parede Sul do Mercedário, drenando um vale que além daquela montanha, ainda tem mais quatro seis mil. Estive ali em 2008 com o gaúcho Antonio Gadenz e junto com os americanos Steven Sheets e Colin Tucker, quando escalei o Ramada e fizemos a parede Sul do Cerro Negro.

Naquela ocasião, atravessei o rio colorado à pé diversas vezes, numa deixei cair um radio VHF Yaesu, perdendo-o para as águas barrentas do rio, que desta vez estava muito mais forte e muito mais cheia devido às intensas nevascas na montanha. Ficamos olhando para o rio, sem saber o que fazer.

Antes de tomarmos qualquer decisão, chegou no local o Don Lisandro, que faz o serviço de levar e buscar montanhistas no Mercedário. Ele estava com um grupo de 3 pessoas de Córdoba que também ficaram sem saber o que fazer para atravessar o rio.

Enquanto esperávamos o rio baixar, o Waldemar aparece com uma estaca de metal e começa a cruza-lo a pé, testando a profundidade do mesmo e atestando que era possível passar. Ele pegou a caminhonete Andina e cruzou o Colorado, sendo depois seguido dos amigos argentinos.

Fomos seguindo estrada adentro, até enfim chegar ao ponto onde a estrada estava cortada. Uma grande enxurrada desceu de um rio intermitente e erodiu a estrada que fica no meio de uma vertente íngreme, com um precipício pra cima e outro pra baixo. Ficamos ali observando o trabalho de uma pá carregadora, até que enfim ela tampou o buraco e pudemos todos prosseguir, chegando ao refúgio Laguna Blanca, base do Mercedário à 3100 metros, quase ao anoitecer. Nos acomodamos e jantamos com os cordobeses, que aparentemente não botaram muita fé em nosso plano de no dia seguinte subir acampamento, atacar o cume e voltar dali 2 dias.

Como planejado, acordamos às 5 da manhã e às 6 eu e o Waldemar já estávamos com as cargueiras nas costas subindo o vale do Rio Blanco rumo à qualquer local bem alto o suficiente para empreender um ataque ao cume.

O dia não estava bom, mesmo de manhã haviam muitas nuvens e mal dava para ver as montanhas mais altas. Em ritmo forte de caminhada, nem prestei atenção no GPS e deixamos de entrar no vale que dá acesso à rota normal da montanha, nos obrigando a corrigir o caminho fazendo uma hipotenusa para não ter que caminhar dois catetos de caminho. Nessa perdemos uma hora de caminhada.

Corrigido o problema, adentramos no vale correto e fomos ganhando altura rapidamente, até que um mar de pedras substituíssem a rala vegetação do vale do rio Blanco. Ainda em ritmo forte, chegamos à “Cuesta Blanca”, onde observamos um grupo subindo sua forte vertente. Seguimos o caminho deste grupo e quase no topo desta quebrada, começamos a pegar uma forte nevasca, que deixou a paisagem toda branca e apagou as pegadas do grupo de andinistas.

A tormenta continuou forte e senti uma coisa estranha na cabeça. A eletricidade estática era tão grande, que produzia faísca no cabelo que fazia um barulho parecido com o de uma abelha, inclusive eu sentia como se tivesse uma abelha enroscada no meu cabelo, era uma sensação estranha, de como se de repente viesse um raio do céu me fritasse ali mesmo.

A tempestade passou, o sol abriu e pelo meio do vale nevado prosseguimos nossa caminhada.

Passou-se menos de uma hora, e quando nos acercávamos de Pirca de Incas, um dos mais frequentados acampamentos da montanha, a nevasca voltou a nos atingir. No meio do “White out” encontrei o acampamento do grupo que estava em nossa frente em Cuesta Blanca. Era um grupo liderado pelo guia san juanino Anibal Maturano, quem conheci em 2008. Como nevava muito, resolvemos acampar ali mesmo, à 5100 metros, 12 km de distancia do base e quase 1700 metros verticais do cume.

Derretemos neve, obtivemos informação da montanha com o Aníbal e comemos, para antes da 8 já estarmos dormindo nas cama saco, tudo isso ao som da neve caindo na barraca e acreditando na previsão do Mountain Weather Forecast que dizia que no dia seguinte haveria uma janela boa pela manhã.

Às 11 o Waldemar me acorda e já começamos a nos preparar para empreender o ataque, tomando chá, comendo pão e o que tinha em mãos. As estrelas desaparecem em segundos e uma tormenta com neve em pó nos saúda logo à meia noite e meia, o horário preciso que saímos do acampamento.

Era noite de lua crescente, ou seja, noite sem lua. Nevava e não era possível enxergar rastros de trilha e tão pouco algo além dos 2 metros. Saímos navegando com o tracklog do Maximo Kausch (que escalou a montanha em 2009 junto com a Isabel Suppé). Waldemar ia na frente e eu atrás ia guiando. _Waldemar, vire levemente à direita. Agora faça uma curva pra esquerda... Nem sabíamos que tipo de terreno era o que enfrentávamos, mas assim fomos ganhando altura até que as estrelas preencheram o céu novamente, dando um alívio e fortalecendo a esperança de que a previsão ia estar correta.

Se por um lado foi um alívio ver as estrelas, por outro o frio que se pôs agregou mais uma dificuldade à ascensão, que incluía a neve branda e fofa, o caminho longo e alto, a inexistência de sinais que indicassem o caminho correto, a escuridão da noite e a certeza que pela tarde o tempo se fecharia de novo e com tempestade elétrica.

Revezamos na tarefa de abrir pegadas na neve e fui na frente até cansar. O dia não amanhecia e fui pego por um incontrolável sono. Bocejava todo minuto e não conseguia parar em pé, andava sonhando com minha cama em meu delicioso apartamento em Curitiba. Até perguntei pro Waldemar porque a gente não tirava um cochilo, já que ele sofria do mesmo mal. Fui aconselhado a gritar para acordar, ao tempo em que ele passou à frente na tarefa de abrir caminho na neve.

Amanheceu e com ele se foi meu sono. Tomei a dianteira até chegar num local chamado “El Diente”. Ali pegamos um caminho contornando a encosta da montanha, sempre abrindo caminho pacientemente no meio da neve, às vezes escorregando e às vezes afundando até o joelho.

No meu GPS eu ia buscando o caminho até um ponto onde a rota normal se encontra com a da Face Sul. Este ponto nunca chegava e eu já estava muito cansado e desidratado. Para piorar, o tempo passara e já era quase 11 da manhã, as nuvens subiam dos vales e estava preocupado.

Enfim, depois de muito esforço, cheguei à confluência das rotas, mas estávamos apenas às 6500 metros. Em linha reta, meu GPS marcava 600 m até o cume em distancia reta e eram também mais de 250m de desnível vertical. Isso ia demorar pra caramba!

Mesmo sabendo da distância ao destino, do horário do dia, do terrível cansaço, desidratação e do sinal de que o tempo mudaria, continuamos, na esperança de que o cume fosse logo ali. E não era...

Subimos penosamente um trecho bastante inclinado. O cume ser ali em cima, mas não era. Tratava-se de um falso cume. O cume verdadeiro era 100 metros verticais pra cima, mas 400 em linha reta. Vocês precisavam ver a cara de desanimo do Waldemar quando chegou ali. Ô montanha fdp!

Chegamos a discutir a desistência da escalada. Me veio um sentimento de frustração enorme. Apesar do cansaço extremo que eu sentia, era terrível chegar tão perto e desistir. Achei que a gente já ia descer, quando o Waldemar falou: _Então vamos! Não esperei nem um segundo e já fui em direção ao caminho que tracei na cabeça.

Desci para um pequeno portesuelo nevado e logo galguei o segundo falso cume, bordejei pelo Sul o terceiro e logo me vi aos pés do cume, que subi muito rapidamente, esperando apenas meu parceiro para chegar junto ao topo. Não dava pra acreditar, quanto esforço pra chegar ali. Acho que foi certamente a montanha mais penosa que escalei e isso não foi pelas dificuldades técnicas da montanha, mas sim pelas condições extremas e a luta contra o tempo (metereológico) e tempo (cronológico), afinal, nossa chance era apenas aquela curta janela que soubemos aproveitar com precisão e muita insistência.

Descemos a montanha pagando penitencia. Uma nevasca nos agarrou ainda antes do “Diente”, a maldita apagou nossas pegadas e tivemos o esforço de abri-las novamente, numa situação engraçada, pois nos trechos que percorremos a noite era tão escuro que foi com passar pelo caminho pela primeira vez, viemos afundando muitas vezes até os joelhos de novo! Pra piorar, ainda pegamos outra tempestade elétrica. Levei choque no nariz, e fiquei com medo de levar um raio na cabeça...

Às 17:40 voltamos ao acampamento em Pirca de Incas, destruídos. O grupo do Aníbal, que ficou lá, estava apostando que horas a gente chegaria. Fora a brincadeira, eles estavam preocupados, pois ninguém sobe a montanha naquelas condições. Eles nos receberam com alegria e com chá quente, que caiu muito bem na minha garganta ressecada.

Eu já estava quase morto, quando o Waldemar deu a ideia de descer. Relutei, mas pensando nas vantagens de não precisar de dormir apertado na barraca fria e molhada de neve, repensei, arrumei as coisas e logo começamos a descer.

Ainda pegamos chuva no caminho, pra lembrar as pernadas na Serra do Mar, e chegamos no refúgio, onde a Silvia nos esperava, às 11 da noite, exatas 24 horas depois que acordamos para escalar a montanha. Essa foi nossa epopéia no Mercedario, 6770 metros, sétima montanha mais alta do continente.`

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:: Veja o tracklog do Mercedário no Rumos: Navegação em montanhas!

Primeiro crux, os rios estavam muito cheios de tanta chuva.

Segundo crux, as chuvas destruíram as estradas. Aqui trabalhadores da Mina El Pachon recuperam a estrada ao Mercedário

Aproximação ao acampamento alto com Guanacos pelo caminho.

Começo da nevasca na ida ao campo alto.

Como ficou depois de alguns minutos, mesmo assim fomos.

Nosso acampamento em Pirca de Incas

Amanhecer na montanha.

Abrindo caminho na neve.

Vista para o falso cume.

Encosta 

Chegando ao falso cume. Desanimo em saber disso.

Vista para o Cerro La Ramada que escalei em 2008.

Vista para o Aconcagua todo branquinho.

Vista para o cume verdadeiro, longe!

Chegando ao cume verdadeiro.

Vista do cume grande.

Precipicio.

Cume.

Waldemar no cume.

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