Blog do Pedro Hauck: Ojos del Salado em condições invernais

3 de fevereiro de 2013

Ojos del Salado em condições invernais

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Após passarmos a noite na aduana, por conta de um carabineiro pra lá de precavido que não deixou irmos a um refugio na montanha, conseguimos enfim a permissão para irmos ao Ojos Del Salado. Apesar da mancada do militar chileno que nos fez perder precioso combustível, até deu para entender o motivo, afinal eles não são “experts” em montanhismo e nunca vêem aquelas montanhas nevadas, exceto no inverno. Assim mesmo fomos para a montanha.

Tivemos uma sorte grande em encontrar com uma caminhonete de uma mineração e com eles conseguir combustível, resolvendo este problema, chegamos ao refúgio Claudio Lucero, que fica a poucos km´s da estrada internacional, no vale entre o Mulas Muertas/ El Muerto e Vincuñas, que tem ao fundo o Ojos Del Salado, segunda montanha mais alta dos Andes com 6893 metros e o maior vulcão do mundo.

Ao lado do refúgio Claudio Lucero começa uma trilha 4x4 que adentra vale acima, chegando aos 5200 metros de outro refúgio, o Atacama, que é um container adaptado onde dormem poucas pessoas. O caminho até ali não foi nada fácil, pois ele já estava todo nevado e era difícil distinguir o que era a trilha do que não era. Chegamos a nos perder por um momento, mas enfim conseguimos chegar ao refúgio com a caminhonete Andina abrindo caminho na neve.

Nosso cronograma era apertado e sem tempo a perder, arrumamos a mochila, nos despedimos da Silvia que ficou no refúgio e começamos a caminhar rumo ao refúgio Tejos, que fica a 5800 e é de se inicia o ataque ao cume. Do Atacama ao Tejos são apenas 600 metros de desnível e há uma estradinha, transitável apenas por jipes pequenos e ágeis. Nós mal conseguimos ver sinais desta estradinha, pois ela estava encoberta pela neve. O que era para ser uma caminhada de 2 horas, foi um pouco mais cansativo e demorado, porém chegamos ali sem problemas, admirados pela quantidade de neve.

O refúgio Tejos é bem melhor estruturado que o Atacama. Lá são dois contêineres em “L”. De acordo com o Waldemar, que esteve ali em 1989, quando se tornou o primeiro brasileiro a escalar o Ojos, havia até água quente e luz elétrica no refúgio. Hoje, ele está sem manutenção e bem sujo. Até novembro deste ano, uma empresa chamada aventurismo era responsável pela manutenção do local, mas eles desistiram da tarefa e em breve haverá uma nova licitação para ver quem irá administrar a infraestrutura na montanha. Até que isso não aconteça, escalar o Ojos continuará sendo de graça, mas os refúgios irão aos poucos se deteriorando.

Tivemos uma noite desgraçada, tentando dormir. A lua estava crescente, e no começa da noite ela iluminava tudo, inclusive o interior do refúgio. A altitude, no entanto, aliada com a ansiedade foram ingredientes que essenciais para não deixarmos dormir. O despertador, tocando as duas da manhã, acabou nem sendo uma penalidade como geralmente é e antes das 3 já estávamos em marcha aproveitando um pouco da luz lunar que dali poucos minutos se poria no horizonte, deixando tudo escuro novamente e dificultando enormemente nossa navegação.

Mesmo com dificuldade, encontramos o acesso à enorme rampa que leva à cratera do vulcão, à qual subimos em zig zag abrindo caminho na neve fofa. O afundar na neve com o tempo esfriou tanto o pé que mesmo com a bota dupla sentia muito frio. O que só veio a melhorar com o nascer do sol. Porém, apesar do conforto solar, a neve derreteu e ficou ainda mais fofa nos afundando até a coxa, o que tornava cada passo montanha acima um grande tormento.

Fizemos uma travessia em diagonal, passando por uns penitentes, e conseguimos achar uma língua de gelo sobre cascalhos não muito fundos, o que diminuiu o tormento de ter que afundar até a coxa na neve e assim conseguimos progredir até a cratera do Ojos, que não é cilíndrica como muitas outras, é apenas uma concavidade negativa com grandes paredões rochosos à Sul. Um destes paredões, o mais alto, é o cume principal.

Esta concavidade negativa da cratera estava muito cheia de neve e mesmo bordejar ela pela curva de nível já era um grande esforço. O Waldemar que é mais alto que eu, afundava até a coxa, eu simplesmente flutuava na neve fofa, me esforçando ao máximo para sair daquela situação horrível.

Contornando a cratera, tivemos que iniciar uma subida em diagonal até uma canaleta que separa o cume chamado argentino do chileno. Esta subida foi uma verdadeira tortura, pois além de estar extremamente nevada, ela tinha um substrato irregular com muitas pedras soterradas na neve, impossíveis de serem vistas, desencadeando situações imprevistas de podermos afundar o pé muito fundo entre as pedras e até podermos quebrar uma perna. Escolhemos subir galgando as rochas aparentes, fazendo outro trepa pedra perigoso, ainda mais que naquele momento começou a ventar bastante, nos desequilibrando.

Desta forma, com muito esforço e dificuldade, chegamos à corda fixa que auxilia a escalada do trecho final que dá acesso ao cume, que é a escalada do paredão do cume. A corda estava congelada e afundada na neve, com muito cuidado fui me apoiando nela, mas fui usando também as agarras naturais da rocha. Era difícil encaixar o pé com a bota dupla e crampom, mas com a experiência de escalar há 15 anos e paciência, deu para fazer isso com segurança. Eu nem me desesperei quando vi que um tramo da corda fixa estava com a capa destruída e a alma totalmente exposta.

Com dois precipícios ao lado dos meus pés, fui abrindo caminho na neve fofa até não dar mais para subir, chegando assim na plataforma do cume, o segundo cume mais alto que já escalei na minha vida. Não tive nem sinal do livro do Banco do Chile, pois deveria estar a muitos palmos abaixo daquela neve. Com o coração na mão, sendo açoitado pelos ventos brancos, assisti o Waldemar repetir cuidadosamente aquela escalada e chegar ao estreito topo poucos minutos depois de mim. Tiramos fotos rápidas e logo iniciamos o descenso cuidadosamente, sendo castigados pelo vento absurdamente forte que jogava com violência mini cristais de gelo no rosto, riscando meus óculos e provocando dor na parte exposta da pele.

Escalar o Ojos Del Salado em condições normais não é uma tarefa muito difícil, mas fazer ele nas condições que enfrentamos foi um grande desafio de paciência, força e controle psicológico. Foi uma escalada muito desgastante e mal tivemos tempo de nos recuperar, pois antes da viagem terminar, queríamos fazer mais um cume, para voltar pra casa com 10 na bagagem. Mesmo difícil, foi muito satisfatório fazer este cume, que há pelo menos 10 anos estava na minha lista de coisas a fazer!

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Veja o tracklog do Ojos del Salado no Rumos: Navegação em montanhas
A caminho do Ojos del Salado com as montanhas totalemente nevadas. No fundo o Peñas Azules e Ermintaño.
Refúgio Claudio Lucero
Estrada para o refúgio Atacama, que geralmente é seco.

Refúgio Atacama. 5200m.

Vulcão El Muerto de 6470m totalmente nevado.

A caminho do Refugio Tejos, onde geralmente tem uma estrada, não deu nem pra ver.

Na "estrada" do Tejos com o Ojos ao fundo!

Afundando na neve ainda na aproximação.

Chegando ao refúgio Tejos.

Amanhecer na montanha com o Muerto (esquerda) e o Incahuasi ao fundo. Se pode notar que na frente desta ultima montanha há outro 6 mil, o Fraile, que estava totalmente sem neve a 3 semanas atrás.

Vista para o Ojos nas proximidades do Refúgio Tejos.

Primeiros raios de sol para aliviar o frio nas mãos e nos pés.

Muerto com Fraile e Incahuasi logo após o sol nascer.

Tentando chegar na cratera por um caminho mais curto e mais nevado.

Detalhe do Waldemar afundando na neve.

Cratera do Ojos del Salado. Na direita está o cume principal. Note como há um paredão entre a cratera e o cume. O lance mais difícil e cansativo da montanha é o final.

Canaleta que dá acesso ao cume.
Afundando na neve.

Diagonal que dá acesso à canaleta, totalmente nevado e cheio de pedra, ai foi um tormento.

Trecho mais dificil da escalada, com corda fixa totalmente condenada. Imagine subir isso acima dos 6800 metros com bota dupla, crampom, frio e vento, além da neve é claro!

Waldemar subindo o trecho de trepa pedra.

Momentos finais da escalada.
Chegando ao cume!
Waldemar Chegando ao cume!

Vista para os Três Cruces. Esquerda, o Sul e direita o Central. O Norte não aparece na foto.

Vista para o Cerro Vicuñas em primeiro plano, atrás o Barrancas Blancas. Na direita o Ermitanõ e no centro atrás o Peñas azules.

Cume argentino com outras montanhas do Passo San Francisco ao fundo.

Eu no cume.

Vista para o Nascimiento e Walther Penck

Nevado Mulas Muertas

El Muerto, Fraile e Incahuasi.

Voltando ao refugio Tejos.

3 comentários:

Roberto Lacaze disse...

Que visual! Parabéns pela aventura!

Miriam Chaudon disse...

Dificuldades + Belezas = Felicidade

Marechal_pr disse...

Cara, da emoção só de ler teus relatos, imagina então estar la, Parabéns!!