Blog do Pedro Hauck: O verdadeiro significado de estar no meio do nada (mais nada que todas as outras vezes): Aproximação à região da Laguna Jilgero

5 de outubro de 2015

O verdadeiro significado de estar no meio do nada (mais nada que todas as outras vezes): Aproximação à região da Laguna Jilgero

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Escalar montanhas sem nome tem um preço a pagar. Se elas não tem nomes, é porque ou nunca ninguém esteve lá ou porque as poucas pessoas que estiveram perto nunca se atentaram a dar um nome a elas. O fato é que por uma ou outra razão, uma montanha sem nome é um local remoto de acesso muito difícil para não dizer perigoso.

Após descermos do “La Brea”, retornamos a cidade de Chilecito e de lá voltamos à Fiambalá, base para ascensões na região do Paso San Francisco. Ao chegar na pequena cidade catamarquenha nos encontramos com Jonson Reynoso, que nos deu a boa notícia que o Paso enfim reabrira depois de tanto tempo. 

Com a boa notícia, rumamos cordilheira acima e fomos dormir no refúgio Laguna Verde, a 4300 metros de altitude, um local que usamos para aclimatação durante nossas expedições comerciais ao Ojos del Salado. Na entrada para este refúgio, há uma vaca morta completamente seca. Seu couro ainda está lá, assim como parte da carne, perfeitamente mumificado, com alguns locais mais deteriorados onde aparecem os ossos. Esta vaca é um exemplo do que acontece com você se seu carro quebrar ali em cima. Será encontrado daqui 500 anos, da mesma forma como hoje encontramos escaladores incas mortos ou as pessoas que eles sacrificavam nas montanhas.

Vaca morta. É assim que você vai ficar se algo der errado nas montanhas da Puna do Atacama.

Atravessamos o planalto que é base para tantas montanhas de 6 mil (são umas 18 na região). Estava bastante nevado, como nunca vi antes. Havia torres enormes de gelo do lado da pista que foi removido pelos tratores chilenos. Na aduana, fomos informados que desde a tempestade de 25 de Março deste ano o passo fora aberto poucas vezes. Meio ano de frio, vento e temperatura extrema.

Continuamos nossa viagem pegando a estrada para o Norte, em direção à Diego de Almagro, até chegar um pouco antes de La Ola, onde derivamos para Leste numa estradinha de terra bem mantida, que se manteve bem até uma espécie de represa de uma mineradora. A partir dali a estrada vira uma trilha pelo vale do mesmo rio e ela piora bastante.

Primeiramente há areia, depois ela entra em um canyon e temos que literalmente dirigir dentro do rio, situação que se repete por diversas vezes. Mas não é só isso.

Isso não é um rio. É a trilha 4x4 que leva ao lugar onde ficam as montanhas sem nome.
Subindo o canyon dentro do rio
Saindo do rio, voltamos a andar em bancos de areia e ainda somos obrigados a sair do vale mais tarde, subindo uma encosta íngreme e cheio de areia que vai dar um planalto cheio de pedras vulcânicas cortantes. O tempo todo eu fico pensando: _ Eu não deveria estar aqui num único carro.
Claro que tomando o máximo de cuidado possível com os pneus (que furaram na puna de La Rioja), eu sou obrigado a murchar quando encontramos areia (e afundamos nela) e tenho que encher quando andamos nas pedras cortantes. Sorte que o Conway tem um compressor e eu posso encher a murchar sem muitos problemas.

Depois do planalto pedregoso fomos parar numa estrada bem mantida com moto niveladora. Nitidamente uma estrada de mineradora. Após um tempo andando por lá, damos de cara com um local cheio de gelo acumulado. Certamente ninguém passa por ali há bastante tempo. Desviamos por fora da estrada e continuamos.

Num certo ponto, para meu desespero, o GPS aponta que devemos sair da estrada boa e rumar à direita, que neste momento nem sei mais qual é a posição geográfica. Deixo a confortável estrada mineira para andar no meio do nada, descendo uma encosta rumo uma depressão preenchida por sal.
Não chegamos a tocar neste salar, onde geralmente é um local com lama onde o carro atola. Fomos contornando em sua lateral passando por alguns locais difíceis com pedra e areia e um descidão arenoso, até que posso ver o começo, ou fim de uma estrada mineira, talvez aquela que deixamos para trás para andar off road. A questão é que o GPS diz que é para ir para a direita e a estrada, que possivelmente circula o salar, vai para a esquerda. 

Ando algum tempo no meio do nada, até achar uma pegadas de 4x4 bastante apagadas, que vou seguindo. Ela melhora e começa a subir um passo, onde há bastante pedra. Descendo, volta a ter areia e encontramos um grande lado que circulamos pela direita. Ali já conseguimos avistar três montanhas de 6 que conhecemos: O vulcão Colorados, O Vallecitos e o Sierra Nevada que foi a última montanha de 6 mil a ser escalada (isso foi em Dezembro de 2014!!)

Ali sou obrigado a murchar de novo os pneus, pois eles afundavam na areia. Após este pequeno serviço continuamos e subimos um grande passo onde damos de cara com um belo visual formado por uns 5 vulcões, todos sem nome, enfileirados ao lado de um lago de água leitosa que fica muito próxima à fronteira argentina.

Murchando o pneu

Usando o compressor original das bolsas de ar para encher os pneus.

Pampa com rochas antes de chegar na estrada mineira.

Atravessando a pampa no meio do nada.

Gelo na estrada, hora de desviar.

A proximidade com a Argentina fez Suzie indagar se traficantes pudessem usar estas pegadas para atravessar de um país a outro com drogas. A resposta foi imediata: _Não, duvido que traficantes se arriscariam tanto!

Descemos a grande vertente arenosa e vamos parar ao lado deste lago. Num certo ponto chegamos a um rio que o alimenta. Por sorte seu leito é tão mineral que as rochas são calcificadas e posso atravessa-lo sem atolar. 

No outro lado do lago, apenas 2 minutos após atravessar o rio, damos de cara com muros de pedra circulares bastante destruídos. Seu espaço interno é insuficiente para caber uma barraca. Seria indígena? 

Continuamos e damos de cara com mais muros de pedra, mas alguns deles nitidamente modernos. Achamos até mesmo madeira de palet. As pessoas que frequentam este local são todas jipeiras que vem em grupos aqui “brincar” com suas máquinas. Como é muito distante, é necessário fazer pernoite e isso justifica este acampamento. Na maioria estas pessoas não tem nada a ver com montanhismo. São aventureiros 4x4 e graças a eles temos estes caminhos no meio nada. Não dá pra saber a frequência que eles vêm aqui, pois na Puna uma pegada de carro pode durar muito tempo.
Decidimos continuar e chegamos num local onde um penhasco de rochas Vulcano-sedimentar dá direto na água do lago salgado. Local muito protegido e perfeito para acampar! Na escolha de um local para colocar a barraca, encontramos de novo muros de pedra e por ali não havia nenhuma marca de pneu!

Aqui é um lugar belíssimo. O fim da tarde foi com uma luz belíssima e serena que contrastava com nuvens negras no lado argentino e a cor celeste do lago contrastando com o vermelho das rochas e o amarelo dos pequenos arbustos que crescem no meio da Puna. Para completar o cenário, a beira do lago é branca de sal e no meio dele há pontinhos rosa que são os flamingos, aves tão comum nestas lagoas minerais. 

A tensão por ter dirigido neste local tão perigoso e selvagem é contrastada com a paz da paisagem marciana. Quase 100 km de trilha 4x4 extremamente perigosa, este é o significado de estar literalmente no meio do nada. Nunca tive tanto medo e tanto admiração pelo mesmo lugar.

Dirigindo no meio do nada

Atravessando rio calcificado.

Vista para Laguna Brava e montanhas de 5 mil metros sem nome.
Estudando a travessia no salar.

Passou....

Pircas de indios.

Pircas de Indios.

Seriam estas pircas incaicas?

Laguna Brava e um cume de 5 mil sem nome

Mais pircas de indios em ruinas.

Enfim acampamento.

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