À noite Tengba veio me contar como seria nossa escalada. Acordaríamos à 1 da manhã para sair para o cume às 2.
Na verdade já havia ouvido isso do guia do outro grupo, ou seja, era algo "standard". Mesmo eu tendo chego no campo alto em apenas 4 horas a partir de khare, o que grupos normais levam o dobro de tempo e ainda considerando que havia iniciado a caminhada em Tangnak, ele decidiu seguir as regras comuns. Tentei falar com ele sobre a estratégia sem contrariá-lo, mas para não ficar chato aceitei.
Acordei à 1 da manhã sem que chamassem, apenas com o barulho do outro grupo. Me arrumei e fui na barraca refeitório. Fazia muito frio.
Me serviram um chá pelando e um mingau que neguei. Não queria vomitar. Odeio mingau.
Encontro Tengba no meio da confusão e aviso que estou pronto, ele vem com uma corda e começamos a caminhada montanha acima.
Logo nos 30 minutos iniciais passamos todo mundo e já não há lanterninhas acima de nós. Tengba para algum vezes em gretas e com o piolet deixa elas abertas para sinalizar para quem vem.
As gretas eram pequenas, nem me preocuparia com elas. Porém o que era preocupante era o frio. Meu deus que frio!
Comecei a me incomodar com os pés. Me questionava porque não comprei as meias Alta Montanha da Makalu na loja e deixei elas esgotar. Também sentia frio nas pernas e era difícil não pensar em outra coisa.
Olha pra trás e as lanternas estão muito distante. Então digo para o Sherpa que ele desacelere, pois senão chegaríamos no cume de noite. Ah que raiva, porque não insisti para sair mais tarde. Estava morrendo de frio e ainda poderia ter a decepção de chegar no topo antes do sol nascer.
Nos cursos de escalada em gelo e alta montanha que ministro na Bolívia sempre falo aos alunos que é necessário vencer a madrugada. Agora sou a dizer isso em meu interior.
O frio sugou minha energia. Se antes tive que dizer à Tengba para desacelerar, agora nem precisa mais. Naturalmente virei uma lesma tonta. Nem olho para o lado. Apenas tento seguir um ritmo mínimo de caminhada.
O dia vai amanhecendo lentamente. Paro para guardar a lanterna e pegar os óculos. A bandeira do Nepal que Tendu me deu voou e a esperada adição de energia do sol não vem. Uma brisa congelante impede que me aqueça. Sem opção vou caminhando.
Olho para cima e vejo um cume. Ele não é o verdadeiro. Vencemos este ressalto e já posso ver os dois cumes da montanha. Pergunto qual é o verdadeiro e o Sherpa me aponta para a esquerda. É pra lá que vamos. Insisto na pergunta
_Are you sure that one is the higher?
_Yes Sir, that's the highest...
Vamos nos aproximando e o cume vai ficando mais íngreme, até que no final ele tem uma pequena parede, facilmente escalável, porém, como uma mãe, Tengba sola na frente e fixa uma corda.
É aí que eu entendo pra quê daquele jumar.
Subo jumareando o trecho final e rapidamente estou no cume.
Tiro a câmera para fazer uma foto, mas ela está congelada. Consigo fazer algumas imagens com o celular, que não focaliza. Perco a chance de fazer uma bela fora de 5 montanhas de 8 mil metros que estavam na minha frente: Cho Oyo, Everest, Lhotse, Makalu e Kangchenjunga. A imagem ficará guardada em minha memória.
Rapelo o trecho de corda fixa e logo fico protegido do vento congelante. Consigo até gravar um vídeo.
A descida foi bem tranquila, me aqueço e retomo minhas energias. Chegamos ao campo alto em apenas 2 horas. De lá são 4 até Khare, pois preciso parar muitas vezes por conta da dor terrível que tenho ao usar por muito tempo botas rígidas. Uma herança de tanta experiência escalando alta montanha foi o facinte plantar, uma dor terrível na palma dos pés provocado pelas botas duplas.
Tendu me espera no restaurante. Lá todos já sabiam de minha história, mas sabe como é gringo, eles nunca falam com estranhos e querem saber de você. Eles ficam horas a fio sentados lendo livros. Mal sabiam que este seria o último dia de tempo bom por muito tempo.
Vou dormir com uma grande nevasca despencando do céu.
Fiquei com uma pulga atrás da orelha e mais tarde, pelo mapa, consegui identificar o que fiz. De fato, Tengba não me levou ao cume Norte, apenas no Central, que é cerca de 30 metros menor. Fiquei bem decepcionado, pois suspeitava que aquele não era o cume principal. Chegamos lá super cedo e poderíamos ter feito o cume verdadeiro sem problemas e com sobra de tempo. Uma pena.
Trecho final do Mera Central |
Everest Visto do cume do Mera |
Cume do Mera Central |
Everest e Lhotse |