Uma choupana com paredes de vime este é o local onde escrevo este relato. Lá fora há mais outra como essa e duas casas de pedra, uma delas, com três portas viradas para a aldeia é o alojamento onde devo dormir hoje a noite.
Chutang parece uma aldeia indígena dos yungas bolivianos ou peruanos. Não deixa nada a desejar na questão de simplicidade e nem no meio de vida da população que habita essas paragens. Exceto que aqui o estrangeiro é muito mais comum, tanto que em cada porta do alojamento, que ainda não conheci, está escrito "room number 1, 2 and 3".
Estou indo escalar o Mera Peak, uma montanha de 6476 metros. Um pouco mais alto que o Illimani, mas bem menor que o Everest, que está aqui ao lado. Bem mais modesto, o Mera não atrai tanta atenção como seu famoso vizinho e a trilha aqui é bem menos frequentada. Ao ponto que não vi ninguém nestas quase 3 horas de caminhada até aqui.
É bem diferente mesmo do trekking ao Everest e me lembra bastante a solidão dos Andes. Então bora escrever...
Ontem o trekking solidário ao Everest base camp chegou ao fim. Foi uma experiência mágica. Parte da equipe já retornou à Kathmandu, mas a outra metade ficou travada no aeroporto de Lukla por conta deste mesmo mal tempo que me pegou na trilha.
É uma vibe totalmente diferente. Lá eu tinha internet e gente para conversar o tempo todo, mas agora apenas Tendu, o Sherpa que me acompanha. Sinto falta da Maria ao ponto quando lembro dela me dá um nó na garganta e os olhos pesam de água. Queria que ela estivesse aqui.
O tempo não ajuda mesmo. Essa chuvinha curitibana não pára nunca e aumenta o sentimento de solidão.
Por um momento guardo o celular no bolso, vou até o quarto deixar minha mochila e noto a simplicidade do abrigo: duas camas e o chão com calçado com brita, igual à boa parte do trekking que acabei de terminar.
Volto à choupana e a mulher que trabalha no local me oferece batata assada e chá com manteiga sherpa, não é bom, mas ajuda a manter aquecido.
Bato papo com Tendu, afinal é cedo e não tem nada o que fazer. É deixar o papo rolar pra acabar com o marasmo, conhecer quem me acompanha e quem sabe aprender algo com ele.
Tendu Sherpa é de Pattle, mesma aldeia de Pemba, quem ajudamos a construir a escola no Projeto Dharma, de Karina Oliani e Andrei Polessi. O mundo é pequeno, "meu" sherpa é da mesma cidade de Pemba e o Andrei é da mesma cidade que eu nasci, Itatiba-SP. Ele estudou com minha irmã.
Tendu tem somente 26 anos. Ele está estudando para se tornar guia de montanha, uma profissão valiosa aqui no Nepal. Porém ele ainda não escalou nenhuma montanha de 6 mil metros. O levaria com prazer ao Mera, mas ele não tem seguro e por isso burocraticamente complica as coisas.
Tendu é meu guia de trekking, embora eu não quisesse, não tenho outra opção, pois sou obrigatório aqui no Nepal ter um. Também terei que ser acompanhado de um "climbing" guide na montanha. Até lá vamos ver como será.
Do trekking solidário ao solitário muita coisa mudou e a sombria neblina lá fora me assombra. Nada bom para um primeiro dia.
Vila de Chutang |
Restaurante de Chutang |
No restaurante de Chutang |
Quarto do lodge |