Blog do Pedro Hauck: Ascensão ao remoto Vulcão Patos (ou Três Quebradas)

18 de novembro de 2015

Ascensão ao remoto Vulcão Patos (ou Três Quebradas)


Após a ascensão ao Vulcão Copiapó, nossa equipe sofreu baixas. Não que alguém tenha se machucado, mas o tempo para a Suzie e o Caio havia acabado e eles tiveram que voltar para casa. Ficamos no Chile eu, Maximo e Jovani.

Após termos sofrido muito com o mau tempo, enfim ele parecia estar começando a dar uma trégua e melhorar. Ao invés de voltarmos para casa, decidimos fazer uma "saidera" e escalar outras montanhas antes de pegar estrada. Felizmente o Jovani conseguiu arrumar o seu jipe, fora isso estávamos aclimatados e na região havia há montanhas que há anos queríamos escalar. Tudo conspirava para a gente ficar um pouco mais e aproveitar. Isso sem falar que a fronteira estava fechada e de qualquer forma não dava para ir para a Argentina.

Após um dia de descanso pegamos a ruta CH31 com o sentimento que aquela seria a última vez que subiríamos aquela estrada, pelo menos nesta viagem. A cada quilômetro tínhamos uma recordação de perrengue. O local onde o carro ferveu, a descida que fizemos quase sem combustível e por aí vai. Foram muitas subidas e descidas.

Desta vez a subida foi rápida e nem paramos no refúgio Santa Rosa, indo direto na direção da montanha. Eu já havia olhado o Vulcão Patos inúmeras vezes pelo mapa e apenas tinha visto ele quando escalei o Pissis em 2013. Sabia quer era uma montanha que fazia fronteira entre o Chile e a Argentina, mas não sabia nada sobre o acesso. Aparentemente pelo Google Earth havia um caminho óbvio pela Argentina, mas pesquisando por ali Maximo desenhou uma rota aparentemente fácil pelo Chile, saindo por uma mina desativada de ouro e subindo um vale com rio. No entanto minha experiência na Puna do Atacama deixava um alerta: Nem tudo é o que parece ser!

Com o GPS ligado achamos a entrada pela mineradora abandonada em uma estrada de terra. Ali em uma curva tivemos o primeiro problema, o pneu direito traseiro do Conway furou. Era um pneu meia vida que eu havia comprado numa borracharia em Copiapó em substituição a outro pneu que fora destruído em San Juan. Consertamos este pneu com um kit de reparos do Jovani. Colocamos dois reparos para tampar o furo que era muito grande e fomos com receio para a montanha, sabendo que só teríamos outro pneu auxiliar que estava ainda pior.

A estrada que começava ao lado da mineração estreitava após um tempo e ao entrar no vale, após uma descida abrupta em uma ribanceira ela desaparecia e logo ali tivemos a primeira dificuldade em relação com o relevo. Havia uma linha de neve estreita aparentemente fácil de passar com o carro, mas ao fazer isso minha roda afundou. Era um rio tampado de neve. O carro ficou atolado, sem muita dificuldade de retira-lo com o guincho do Jovani. 

Fizemos um calço com pedras e atravessamos o rio, cruzando por uma vega, vegetação encharcada, que tinha bastante neve e que obviamente tivemos o receito de atolar novamente, achando que pudesse ter um fundo falso para atolarmos como na primeira vez. Por sorte não havia mais rios e continuamos nossa jornada de aproximação ao vulcão.

Num determinado momento observamos cercas de pedra alinhadas na vertente direita do vale e ao aproximar nos demos conta de que haviam dezenas delas. Paramos para observar, pois suspeitávamos que eram ruínas incas, no entanto ao observar uma delas, Maximo encontrou um pedaço de vidro que era uma garrafa quebrada. Com uma parede mais grosa que outra, percebemos que se tratava de uma garrafa muito antiga, do período colonial e isso nos intrigou. As dezenas de cercas de pedras alinhadas dava a impressão que aquilo foi um acampamento militar antigo e isso nos fez pensar que ali pudesse ter sido usado pelo exército de Diego de Almagro na conquista do Chile.

O espanhol Diego de Almagro atravessou os Andes pelo Paso de San Francisco. No entanto não se sabe exatamente por onde. Percebendo que este vale atravessa um passo e que apenas em pouco tempo esta travessia fica sem água, bem diferente do vale onde atualmente passa a estrada internacional, onde é muito mais árido, o achado desta garrafa nos fez pensar que estas ruínas sejam espanhola e não indígena. Uma hipótese bem interessante para adicionarmos às observações de nossa expedição.

Continuamos nossa aproximação rumo ao desconhecido e num determinado momento derivamos a sudeste, subindo um vale tributário ao rio principal que apresentava um relevo mais suave e amigável em oposição ao primeiro. No entanto nossa intuição foi frustrada num determinado ponto em que este vale secundário estava impedido com uma grande mancha de neve.

Retornamos a nosso plano inicial, voltando e adentrando o vale principal que se encaixava em um canyon profundo, onde a sombra mantinha um gelo vítreo permanente. Desviamos destas manchas de gelo em vários momentos, no entanto no alto do vale diversos blocos rochosos impediam a passagem: Game over.

Chegamos a cogitar acampar naquele local e no dia seguinte realiar uma travessia de cerca de 18 km para chegar à base da montanha. No entanto Maximo não ficou satisfeito e ele nos fez voltar ao vale secundário, nos encorajando a encontrar um caminho para aproximarmos mais da montanha. Retornamos àquele vale, seguindo as únicas pegadas que haviam ali: As nossas.

Ao retornar ao local impedido pela neve, achamos um caminho subindo por uma vertente que saia num planalto. Desviando de uma e outra mancha de neve chegamos num precipício intransponível, mas ao dar meia volta encontramos uma descida a um local mais alto no vale acima do ponto obstruído. Descemos até o fundo do vale e atravessando ele começamos a subida em outro lado indo em direção ao enorme cone vulcânico.

Apesar do terreno ser virgem (não tinha nenhuma pegada), ele era fácil e assim conseguimos avançar, nos aproximando do vulcão. Num determinado momento, já com o sol quase se pondo, observo uma torre metálica ao horizonte e ao me aproximar percebo que é um hito fronteiriço, que são torres colocadas nas fronteiras entre dois países. Comemoramos o achado de um passo entre o Chile e a Argentina e de lá pudemos ver bem nosso destino pela primeira vez, mas infelizmente com bastante neve, o que nos obrigou a encontrar um caminho entre as manchas de neve.

Do Hito fomos em direção norte, cruzando um campo de blocos rochosos que de principio era fácil de desviar, mas que ao cair a luz do dia se tornou um labirinto de pedras perigosas e estressante, onde tivemos que parar varias vezes para sair de problemas.

Após muito stress conseguimos passar por este campo, mas estava cada vez mais difícil corrigir o rumo até a montanha, pois apareceu várias manchas de neve. Desviando delas, saímos no topo de um morro circulado de pedra e neve e tivemos que retroceder. Assim como no primeiro vale no começo de nossa jornada, o retorno nos deu outra visão e observei um vale por onde pude entrar com o carro e aproximar o máximo possível, até achar um manchão de neve onde decidimos acampar. Era tarde, fazia um frio grande e não tivemos outra opção.

Apesar de não ser o melhor lugar possível, montamos um bom acampamento e passamos uma noite confortável, principalmente depois de um rango delicioso preparado pelo Max. Nada mais justo, esta aproximação ao desconhecido me gerou muito stress. Envelheci 10 anos dirigindo naquele local.
Acordamos com os primeiros raios de sol no dia seguinte. Com luz, pudemos ver melhor o que deveríamos fazer e faltava muito até a base de fato da montanha, tanto em distância quanto em altura. Foi neste momento que decidimos ir com o Troller do Jovani, que tem pneus mais altos e preparados até onde desse e de lá começar a escalada.

Tivemos dificuldade de fazer o carro pegar por conta do frio da manhã, mas foi uma boa estratégia. Com o jipe mais alto, pudemos atravessar vários manchões de neve e chegar até os 4800 metros de altitude, 1450 metros abaixo do cume, o que ajudava bastante, mas não deixava a escalada menos desafiadora.

Com botas duplas nos pés, roupas para aguentar os fortes ventos, começamos nossa caminhada subindo uma vertente abrupta de rochas soltas que só não deslizaram para baixo por que eram grandes. 

Maximo, como é muito forte e rápido foi na frente, enquanto que Jovani e eu fomos em nosso ritmo, ficando para trás rapidamente. De fato a primeira parte não era muito difícil, apesar do ganho rápido de altitude. Em pouco tempo alcançamos um platô aplainado que fazia um ombro na montanha onde começava a subida final até o topo. Dali parecia que estaríamos perto do cume, mas um ponto vermelho se movendo mais acima nos dava a idéia exata da imensidão do vulcão do Patos. Era o Maximo cerca de 300 metros acima de nós.

Neste platô começamos a sentir o vento e a medida que a hora ia avançando e íamos ganhando altura, o vento ficava mais forte, ao ponto que começou a ter rajadas tão fortes que era necessário cravar os bastões no chão e fazer um contra peso ao vento para que ele não nos jogasse ao piso. Para piorar, o vento era geladíssimo e todas as partes expostas do corpo (que era apenas a maçã do rosto e parte do nariz) começaram a congelar.

Um pouco depois que começou esta tortura encontramos Maximo descendo do cume, dizendo que em nosso ritmo demoraríamos cerca de uma hora e que o vento lá estava ainda pior. Ele nos alertou do caminho, dizendo que precisaríamos de atenção na volta para não ir para uma vertente errada, dizendo que ali era confuso. Neste momento o Jovani cogitou desistir, pois receber aquela advertência num momento em que éramos torturados pelo vento não foi nada animador, mas convencemos ele de continuar.

E não é que dali até o cume foi rápido? Através da advertência do Maximo evitei estar em um lugar exposto e caminhei no lado leste da crista final que ia até o cume, protegido do vento. Assim, evitei aquela tortura e caminhamos rápido.

Chegamos até o alto de uma protuberância e percebemos que ali era um falso cume ao ver um outro de altura semelhante com uma pilha de pedras no topo. Fizemos a travessia até lá, desta vez super expostos ao vento e ao chegar à esta pilha de pedras vimos o livro de cume. Assinamos o mesmo sentados, para se proteger do frio e do vento, que nesta altura já tinha congelado minha barba, fazendo que ela colasse na bandana



O livro de cume tinha apenas 4 páginas usadas, com assinaturas de 4 expedições somente. este livro estava ali desde 2005 e isso dava a dimensão de como esta montanha era pouco frequentada.
Do topo pudemos ver todas as montanhas ao redor, numa visão privilegiada. Pissis, Vulcão Copiapó, Dos Hermanas, Três Cruces, Solo, Ojos del Salado e Walther Penck  dominavam o horizonte.

Realizamos um descenso sem percalços e ficamos aliviados quando chegamos numa altitude onde ventava menos. Chegamos no Troller e o Maximo nos esperava com uma garrafa de refrigerante. A tarde estava bela com sol agradável e com sentimento de missão cumprida retornamos ao acampamento onde pudemos ver que nossas barracas não tinham sido levadas pelo vento. Na Puna podemos sempre esperar por este tipo de tragédia.

Como ainda era relativamente cedo e fazia "calor", jogamos tudo dentro dos carros e saímos de lá ainda com luz do sol, para enfrentar toda a perrengue 4x4 da aproximação sem problemas. Fomos ficar sem luz do dia apenas na estrada após a mineradora, onde tudo era controlado e acabamos indo dormir no refúgio San Francisco, dividindo o mesmo com um grupo de um clube andino de Santiago com quem fizemos amizade. Neste dia ainda furamos mais uma vez o pneu aquele pneu avariado, mas desta vez com uma pedrinha e só percebemos no dia seguinte.

Durante anos eu olhava o Patos no mapa e não sabia como fazer para chegar perto dele. Descobrimos um (mau) caminho e era uma grande satisfação escalar ele e retornar com segurança à civilização. Um bom sentimento de dever cumprido.
Vista do Vulcão Patos desde a estrada mineira

Primeiro imprevisto: pneu furado


Duas minhoquinhas para remendar o pneu

Falso chão. Rio coberto de neve que nos fez uma surpresa!

Provável acampamento da expedição militar de Diego de Almagro.

Encontrando uma apacheta inca no alto de um morro na busca para um caminho no Patos

Fim de linha? Pelo menos para o caminho que achávamos que daria para fazer...

Rochas impedem a passagem pelo caminho que achávamos ser possível passar

Abrindo caminho na Puna

Hito fronteiriço no Paso del Patos. 

Vulcão Patos ao amanhecer

Nosso acampamento na base do Patos

Local onde deixamos o Troller na base do Patos para realizar a ascensão.

Jovani na ascensão ao Vulcão Patos

Ascenso ao vulcão Patos: Sofrimento com o vento

Jovani no cume do Vulcão Patos.

Com a caixa do cume na mão

Eu e Jovani no cume do Vulcão Patos

Assinando o livro

Vista para o Vulcão Pissis

Vista para o Vulcão Copiapó

Vista para o Três Cruces Sul e Central com o falso cume na frente

Vista para o Ojos del Salado e Walther Penck

Com Parofito no cume do V. Patos

O Imponente Três Cruces Sul e sua linda face sul

Fim de tarde na Puna no retorno à civilização.

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