Depois de um longo tempo sem postagens, vamos atualizando as notícias, após nosso regresso à civilização.
Após dormirmos uma noite no nível do mar em Arica no Chile voltamos à Cordilheira subindo até a Bolívia pelo passo internacional de Chungara. Esta fronteira é excepcionalmente bonita, pois muitos vulcões da Cordilheira Ocidental são o limite natural entre os dois países. Na lista das montanhas da região, figuram o Sajama, Pomerape e Parinacota. Os dois últimos muito próximos de si são conhecidos como Payachatas e o outro é simplesmente a montanha mais alta da Bolívia. Estas montanhas tem respectivamente 6542, 6282 e 6342 metros de altitude!
Eu já conhecia a região de outra viagem que realizei pela Bolívia em 2002, quando junto com o Maximo escalamos o Pomerape. Nesta ocasião realizamos uma verdadeira travessia, escalando por um lado e descendo por outro. Foram dias exaustivos, já que estávamos há bastante tempo escalando montanhas bolivianas e fizemos tudo no melhor estilo "gentedemontanha", ou seja, se ferrando bastante.
Desta vez com o Marcio, estávamos mais equipados e com um grande diferencial, com carro. Assim chegamos no dia 17 em Vila Sajama, um vilarejo muito pitoresco, sem energia elétrica. De lá se faz o acesso ao Parque Nacional Sajama que abriga todas estas montanhas.
Chegamos tarde, mas logo conseguimos um lugar para dormir, um pequeno chalé muito agradável, o Hostel Sajama, que pertence à um casal boliviano, a Ana e o Eliseo.
O vilarejo pouco havia mudado desde que estive na região há 5 anos atrás, com a diferença que várias casinhas de adobe agora tinham pintado em sua fachada "Hostal", "Hotel" ou "Hosteria". Uma dessas casinhas era agora o "Hostel Oásis", que em minha última visita era um restaurante em formação, sua dona era uma "Cholita" simpática que nos deixou dormir no chão em nosso regresso do Pomerape, quando estávamos exaustos depois da escalada. Hoje, essa cholita usa roupas ocidentais, tem dois carros 4x4 e um hotel para 20 pessoas. Tudo isso graças ao turismo de escalada, que se desenvolveu muito nesta meia década dando origem a todos esteshotéizinhos e a várias facilidades, como guias, mulas e porteadores.
Enquanto combinávamos as facilidades para nossa escalada no Parinacota, o Payachata que eu ainda não havia escalado, conhecemos um americano que tinha o mesmo interesse que nós, Keith, com quem combinamos em ir juntos.
No dia seguinte lá estávamos nós três na trilha para montanha. Para mim, aquela paisagem era bastante nostálgica, já que em minha última viagem pela Bolívia foi quando eu conheci minha namorada, a Vivian.
Começamos o dia devagar, acompanhando a mula que carregava nossas mochilas, menos Marcio, que andando mais rápido, sumiu na frente de todos. O arriero que conduzia os animais, ao invés de fazer o caminho que eu havia feito meia década antes, foi a outro acampamento mudando completamente dedireção, de forma que não vimos mais o Marcio pelo resto do dia.
Fizemos a opção de continuar o caminho, uma vez que se nosso amigo seguisse até o acampamento e ficasse nos esperando sem sua mochila e barraca, iria ter uma noite muito desagradável.
Chegamos ao acampamento e o Marcio não estava lá. Somente no dia seguinte, através de guias ficamos sabendo que o Marcio estava bem, embora com uma bolha no pé, o que o deixaria fora da empreitada no Parinacota, assim, eu e Keith combinamos em atacar o cume desde aquele acampamento, aos 4700 metros de altitude na madrugada do dia seguinte. A amplitude até o cume cerca de 1600 metros era grande, mas não tínhamos outra opção, pois o retrocesso do gelo na região é tão grande que não existe neve no acampamento mais alto e já que tínhamos levado 10 litros de água com as mulas, era mais prático ficar no mesmo lugar do que ter que carregar toda a água nas costas.
Assim, acordamos ás 4 da manhã no dia 21 e fomos lentamente montanha acima. De princípio atravessamos um vale seco até um filo que liga oParinacota ao Pomerape.
Keith andava muito mais devagar que eu. Em uma das paradas que fiz para esperá-lo minha mão ficou muito fria, pois o sol ainda não tinha nascido. Percebendo que nosso ritmo era bem diferente,Keith concordou que era melhor para ambos andarmos em nosso próprio ritmo e assim nos afastamos.
De fato a montanha era muito fácil, com pouca inclinação e nada de perigo. O fácil entretanto, se tornou exaustivo, quando o vento começou a mostrar sua cara.
Vento e rocha solta, essas eram as dificuldade no começo. Logo, após alcançar os 5800 metros começaram os penitentes que são agulhas de gelo formadas por ventos que é a forma final de destruição de uma geleira.
Atravessar os penitentes com os ventos se tornou em um exercício penoso, pois as rajadas de vento quase me jogava ao chão. Foi assim que lentamente cheguei ao cume, ou melhor ao topo da enormecratera deste vulcão gigante.
Minha única vontade no momento era fugir dos ventos que vinham do oeste. Assim, decidi voltar por outro caminho pelo leste e ficar abrigado dos ventos fustigantes. De fato deu certo, entretanto, ao invés de descer pelo vale mais fácil, acabei entrando em um vale mais estreito e rochoso que acabava em uma cachoeira de gelo a qual tive quedesescalá-la, que foi algo difícil somente devido meu cansaço.
Acabei chegando ao acampamento por volta das 17:00 horas. Foram cerca de 13 horas de jornada, estava exausto! Por sorte, ao regressar, encontrei-me comKeith, que não havia ido até o cume. Ele estava negociando com um jeep 4x4 que acabava de deixar um grupo de montanhistas no acampamento. Acabamos voltando com o jeep para Vila Sajama, onde pude descansar para encarar uma outra montanha, a mais alta da região, o Sajama.
A escalada no Parinacota foi fácil técnicamente. Mas as condições atuais da montanha dificultaram muito esta ascensão. Muita gente não acredita nas mudanças climáticas globais, mas nas montanhas andinas isso é uma realidade. O retrocesso das geleiras é um indicador destas mudanças.
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As águas termais de Vila Sajama, talvez o único lugar onde tem água quente na região. É talvez o único lugar onde as índias tomam banho.
O americano Keith com o Sajama ao fundo.
O Filho do arriero.
Comparação dos Payachatas em 2002 (acima) e 2007 (abaixo). Era para ser uma mera brincadeira repetindo uma foto antiga, entretanto o que eu percebi (recuo do gelo) é muito mais grave!
Keith e nosso acampamento base no Parinacota.