"O Chile não é um país, é um meridiano".
Essa frase do Marcio expressa bem a configuração territorial chilena. Este estreito e longo paisinho sul-americano é dividido politicamente em doze região, sendo que a primeira fica ao norte logo na divisa com o Peru e a última fica no extremo sul, englobando a região de Punta Arenas e a Terra do Fogo.
A cidade de San Pedro do Atacama fica na II região. Apesar de muito conhecida pelos brasileiros por causa do turismo, é uma cidade muito pequena e inexpressiva no contexto chileno. No norte do país, as principais cidade são Calama, Antofagasta, Iquique e Arica. Estas cidades têm porte e população consideráveis e são quase que oásis no meio do deserto, pois mesmo importantes, não existe quase nada humano entre entre elas.
A I e a II região do Chile já pertenceram ao Peru e à Bolívia respectivamente. Foram roubadas durante a guerra do pacífico no século XIX, quando estes dois países se aliaram contra o Chile que tinha interesses em tomar as preciosas minas de salitre da região, matéria prima para a fabricação de pólvora e de fertilizantes agrícolas.
O Chile conseguiu o que queria. Ficou com as minas de salitre e deixou a Bolívia sem mar, num momento da história que é até hoje martirizado pelos bolivianos. As vantagens econômicas da guerra, no entanto, não duraram muito, pois anos mais tarde os alemães iam descobrir um salitre artificial e o mundo deixou de comprar este insumo do Chile, transformando as cidades mineiras em verdadeiras cidades fantasmas, das quais a cidade de Humberstone, no meio do deserto, é um grande símbolo.
A Guerra do Pacífico só não foi um fracasso por que sem querer o Chile ficou com uma região riquíssima em Cobre, que na época não era tão valioso, mas que em nosso mundo movido à eletricidade transformou-se na maior fonte de renda do país. Esta mina chama-se Chuquicamata, e fica na cidade de Calama.
Chuquicamata é a maior mina de Cobre do mundo! São três mega crateras que foram abertas para extrair o precioso metal, das quais eu copiei uma imagem do Google Earth só para que tenham uma ideia da dimensão da maior delas.
Esta mega mina foi palco de intrigas e motivo de revolução. Ela pertencia a companhia Anaconda de mineração, empresa multinacional americana, bem retratada no filme diários de motocicleta. Ela foi nacionalizada durante o governo socialista de Salvador Allende e entregue novamente quando Pinochet assumiu o poder depois daquele fatídico 11 de Setembro de 1973, a data do golpe militar que até hoje está presente no Chile.
O Golpe militar que pôs no poder o general Augusto Pinochet foi sem dúvida o mais violento da América latina. Nele foram mortos mais de 200 mil pessoas, um número enorme para um país que na época tinha por volta de 10 milhões de habitantes. Desse tanto, foram eliminados os pensadores críticos e os artistas. O ato que representou a limpeza do pensamento chileno foi a morte do cantor e poeta Victor Jara em pleno Estádio Nacional de Santiago, que teve suas mãos decepadas para nunca mais tocar violão.
Dizem que a violência do golpe valeu a pena pelo "progresso" que o Chile vive desde a década de 1990. Entretanto viajando pelo interior do país não encontramos tal "progresso modelo" para a América latina, pelo contrário, vemos um país onde a riqueza se concentra numa minoria e pior, se concentra no espaço, pois fora a cidade de Santiago o Chile é um país rural e atrasado.
Isto se verifica aqui no norte. Para se ter uma ideia, a estrada que liga Iquique à Arica que tem cerca de 250 quilômetros, não tem um posto de gasolina se quer! A cidade onde fica a maior mina de cobre do mundo é feia e cheia de pobreza e desigualdade.
Há ainda outra coisa sobre o Chile contida na frase célebre de meu companheiro de viagem que eu negligenciei no principio. "O Chile não é um país, é um meridiano e metido a besta".
Odeio generalizar pois isto sempre cai em redundância e achismos perigosos. No entanto, já conheci o Chile suficientemente bem, nestas 4 viagens que fiz por aqui, em meses de contato com o povo e por todo o país. Em minhas experiências pude constatar que o chileno é um povo racista, machista, pré-conceituoso arrogante de pouquíssima educação, nada de simpatia e acarismático.
"Hola" e "gracias" talvez tenham sido as palavras que eu mais escutei durante minhas viagens pelos Andes, mas no Chile tenho certeza que as palavras que mais ouvir foram na verdade frases: "Hay que pagar!" e "Es prohibido!" Sempre que um chileno se dirige a você, pode ter certeza que ele vem ou para te cobrar ou para te punir.
Em nossa viagem, não ficará marcado o Atacama que atravessamos ontem, saindo de San Pedro, passando por Calama e Iquique e chegando em Arica, na fronteira com o Peru na porta do Pacífico, ficará marcado este Chile deserto de humanidade e que ainda gosta do Pinochet.
Estamos deixando o Chile hoje. Daqui iremos novamente aos Andes. Serão quase 200 quilômetros até a fronteira com a Bolívia, onde iremos escalar o Sajama e Parinacota.
Ficaremos bastante tempo sem nos comunicar, mas não se preocupem.
Assim que pudermos, provavelmente em La Paz, estaremos postando novas noticias, quem sabe boas!
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Imagem de satélite da principal cratera da mina de Chuquicamata em Calama