A Serra da Prata é um maciço montanhoso impressionante, não pela altitude que alcança, que é de apenas 1500 metros, mas sim pelo fato que isso tudo começa no nível do mar. Ou seja, a serra é uma enorme muralha que se levanta da praia com 1.5 quilômetros de altura.
A Torre da Prata, ponto culminante do maciço, está inserida dentro de um Parque Nacional, que se chama Saint Hilaire/Lange, uma homenagem ao naturalista francês August Saint Hilaire, que realizou uma expedição ao Brasil no século XIX e ao ambientalista Roberto Ribas Lange, que faleceu em 1993.
O nome, no entanto, nunca pegou, pois, a população conhece o local mesmo como sendo “Serra da Prata”. Apenas fazendo uma comparação com as ideias do antropólogo Marc Augé, lembrado a pouco pelo amigo Nelson Brugger, que chamou de “não–lugares” os espaços carentes de significados e representações sociais, vazios de valor afetivo e sem relevância para a relação homem-natureza. O nome deste Parque Nacional, criado num gabinete por ambientalistas é um exemplo de “não nome”, com todo respeito aos homenageados.
A Torre da Prata foi conquistada na década de 1950 pelo pai do fotógrafo Zig Koch, que pela tradição marumbinística da época era chamado pelo apelido de “Canguru”. Conquistei uma via de 5 grau no Anhangava recentemente em homenagem a este grande montanhista de poucas palavras e muitas histórias.
Até pouco tempo atrás, subir o Prata era um grande desafio, pois sua base era cheia de trilhas, ramificações e picadas de caçadores e palmiteiro. Nitidamente as pessoas que frequentavam o local não queriam ir ao cume e quem queria se perdia em meio a tantas ruas que levam à ilegalidade. Com um trabalho realizado pelo Clube Paranaense de Montanhismo (CPM), com a supervisão do Eng. Florestal Marcelo Brotto, a trilha principal da montanha foi remarcada com fitinhas refletivas e com setas em bifurcações, o que acabou com o problema. Houve adição de escadas em pontos críticos e cordas também.
O resultado é que a trilha principal se destacou e logo as secundárias foram se fechando, e se relegando à obscuridade. Hoje subir o Prata é um desafio físico pela grande ascensão, mas nem tanto de orientação.
O resultado é que a trilha principal se destacou e logo as secundárias foram se fechando, e se relegando à obscuridade. Hoje subir o Prata é um desafio físico pela grande ascensão, mas nem tanto de orientação.
Cheguei à base da montanha com meu amigo Luiz Antoniutti, com quem já realizei uma bela expedição aos Andes do norte da Argentina em 2014 e também com minha namorada e atual maior companheira de aventuras Maria Tereza Ulbrich, que também se arrisca na altitude, na rocha e agora no mato. Saímos tarde de Curitiba e só começamos a caminhar às 9 da manhã, o que é um horário considerado tarde.
Para variar, mesmo com chuva, a trilha estava bem molhada. Resultado da própria transpiração da floresta. Mata ombrófila densa que pouco deixa os raios de sol penetrarem no chão.
Em poucos minutos de caminhada demos de cara com uma enorme árvore caída que obstruiu a passagem formando uma enorme maçaroca. Quando uma árvore velha cai na mata, os cipós que se desenvolvem no dossel amarram uma árvore com outra e o resultado é a queda de diversas outras árvores menores. Forma-se uma clareira e logo as árvores pioneiras começam a crescer e ocupar o espaço deixado pela morte das mais velhas. É a própria regeneração da floresta que passa por estágios chamados de sucessão ecológica. No estágio inicial, as pioneiras crescem anarquicamente formando o que os montanhistas chamam de quiçaça, que é horrível passar.
Atravessando a quiçaça, o caminho fica livre debaixo da sombra da floresta e a trilha se desenvolve bem. Com as novas indicações, mais gente começou a caminhar por ali, mas mesmo assim há alguns visitantes indesejados que ainda não se incomodaram com a presença de montanhistas e mantem as picadas secundárias. Há pouca distância de onde eu estava ouvi o barulho de disparos de uma arma. Não eram assaltantes, mas sim outro tipo de bandidos, os caçadores.
Subindo a trilha e ganhando altura, cheguei a mais outra clareira, desta vez não ocasionada pela queda de uma árvore, mas sim pelo deslizamento de terra da catástrofe das chuvas de 2011. No local pude observar o afloramento de rocha no topo da cicatriz que ficou no meio do manto verde. Como estava com um geotécnico ao meu lado, não evitamos em comentar o que houve: Uma ruptura total do talus provocado pelo encharmento do solo que já estava saturado após a forte chuva. A água chegou na rocha mãe e sua pressão fez que toda a encosta desmoronasse.
Na jusante, aquele solo cheio de árvores caiu na rede de drenagem já saturada. É possível que tenha se formado um represamento que depois foi destruído com a própria pressão do acumulo de diversos outros deslizamentos, causando um estouro que varreu todo o vale abaixo. Eu visitei a região logo depois do incidente e pude ver, mais à jusante, o resultado da sedimentação e na montante a erosão. Se fossemos analisar as camadas sedimentares deixadas naquele dia no futuro, um geólogo certamente diria que a época que estamos vivendo é de grande instabilidade geológica. Poderia inclusive, sustentar alguma teoria catastrofista.
Mas voltemos à caminhada...
A densa floresta vai ficando raquítica com o ganho na altitude, para virar arbustos, a chamada matinha nebular (Floresta Ombrófila Densa Altomontana para os leigos) e depois, no alto, um campo de altitude. Na história evolutiva do relevo da Serra do Mar sabemos que há cerca de 80 milhões de anos atrás tínhamos uma planície no lugar da Serra, a chamada “Superfície Sulamericana”. No Estado do Paraná ela foi estudada por João José Bigarella que a coloca num patamar atual de 1300 metros, mais ou menos. E é nesta altitude que há um pequeno planalto, dissecado por drenagens que evoluíram em diques de diabásio, onde se desenvolvem os campos, uma cobertura vegetal do passado.
Sim, quando olhamos para os campos olhamos para o passado. A Serra do Mar, mais do que fazer um ecótono entre a floresta subtropical de Araucárias e a mata tropical atlântica, é também o local de um reduto de vegetação campestre isolado e em risco de extinção natural devido ao clima atual. Esta vegetação imperava durante a época da última glaciação, entre 18 até 8 mil anos atrás. Todos os planaltos do Paraná eram campestres, como hoje é a região de Ponta Grossa, pois o clima em todo o estado era mais frio e seco. Como o clima esquentou no fim da glaciação, estes campos ficaram retraídos no topo das montanhas e só não desapareceram por que nestes locais existem queimadas naturais. Estes incêndios, provocados pelas próprias plantas que são resinosas ocorrem de tempos em tempos e assim eliminam os arbustos da matinha nebular de crescer e assim mantem seu espaço ecológico. Se não fosse por isso, os campos já teriam desaparecido. O geógrado Reinhard Maack já havia observado isso na década de 1950 e mais recentemente alguns botânicos estudaram o fenômeno, como Leopoldo Coutinho e o paleo palinólogo Hermann Behling que comprovou esta tese empiricamente estudando pólens de plantas do passado preservadas no sol e intercaladas com camadas de carvão das queimadas que sustentavam a manutenção da vegetação campestre.
Os campos são uma paisagem muito atraente do ponto de vista estético. Como não apresentam limites à visão dão uma grande sensação de liberdade, embora o dia que eu escolhi para subir o Prata não estava assim tão belo. Com muitas nuvens e céu cinza.
Como esta vegetação se desenvolve sob o relevo aplainado da Superfície Sulamericana, há em diversos locais dificuldades para a drenagem da água das chuvas deste clima tão úmido. O resultado é um solo encharcado quando chove, que de tanta agua acumulada, já que chuva é uma constante por ali, tem coloração negra por conta do acumulo de matéria orgânica. Neste solo frágil se desenvolveu ali diversas poças de lama desagradáveis aos olhos, mas naturais dadas as condições edáficas.
Do contrário, quando há uma estiagem, o solo dos campos de altitude secam e impera o calor. Nestes dias quentes é quando há a condição ideal para que as plantas resinosas entrem em combustão. Foi esta a condição de tempo que imperava no feriado de 7 de setembro de 2007, quando houve o grande incêndio do Caratuva. Também estava assim em 2013 quando o cume do Pico Paraná pegou fogo, no meio da semana e igualmente assim quando o cume do mais remoto Ciririca também queimou sem que houvesse ninguém por ali.
Num local com ecossistema parecido, mas menos úmido, rolou há pouco tempo atrás uma discussão cheia de acusações contra os corredores de montanha, pois de acordo com integrantes do clube que cuida da Serra da Prata, eles seriam culpados pelo “impacto” de uma poça de lama. Houve até quem falasse em proibir tal atividade naquela montanha. Faltou olharem para o espelho. Na Serra da Prata nunca houve uma corrida de aventura e na trilha da região campestre da montanha há diversas poças de lama iguais à do Araçatuba.
Não que eu ache que isso seja importante. Na realidade eu acho inclusive o contrário. Sou adepto da concepção geográfico sobre impacto ambiental, que é aquela que diz que um impacto é quando uma atividade humana altera o funcionamento natural da paisagem, ou seja, sua fisiologia na concepção Ab’Sáberiana da palavra. Quando falamos em impacto, temos que entender como aquela paisagem funciona e como ela evoluiu. Devemos abstrair o conceito biológico que enxerga a paisagem como um “bioma” ou seja que nela só há vegetação e entender a dinâmica da vegetação com o solo, o relevo, a geologia e o clima, enxergar a paisagem dentro dos domínios geomorfoclimáticos de Ab’Sáber, Bigarella e outros grande pesquisadores e conhecedores de nossas paisagens. É necessária cautela no momento de acusar os outros de “crime” ambiental. Primeiramente por que isso é injuria e depois porque é necessário conhecimento. Finalizando, também é necessário espelho, pois se achamos que os corredores deveriam ser proibidos de frequentar a montanha, logo pelo simples método da indução, teríamos também que deixar de frequentar.
Subir a Torre da Prata foi um grande desafio físico, por conta de seus 1500 metros de ascensão. Fiquei feliz em ter subido tranquilamente em apenas 4: 30 horas. Esta subida, no entanto, foi mais gratificante como um exemplo sobre temas tão em moda no momento. Primeiramente para observar que a visitação no local poderá transforma-lo e fazer que os reais problemas ambientais e sociais que ali existem, como os caçadores e palmiteiros deixem de existir e depois de como esta experiência é um exemplo na discussão sobre mínimos impactos no montanhismo. Minhas observações caem como uma luva sobre as perguntas que fiz no Seminário Paranaense de Mínimo Impaco realizado há apenas uma semana para debater o tema. Perguntas que naquele momento não foram comentadas. O que é impacto ambiental e o que é mínimo impacto?
Será que os deslizamentos de terra do episódio catastrófico do litoral paranaense de 2011 é impacto ambiental? Ou aquilo faz parte da dinâmica da paisagem? O que será que é um impacto maior? A erosão de uma trilha ou o combate às chamas da Brigada de Incêndio? Como a visitação poderá afugentar caçadores, palmiteiros e extrativistas?
Refaço as perguntas embora já tenha dado dicas.
Na trilha |
Várias árvores climax dominam a floresta |
Deslizamento de solo |
Tudo o que um geotécnico gosta de fazer |
Maria e eu num dique de diabásio |
Poça de lama |
Trilha em declive abrupto que ajuda na erosão. Lembram da mecânica de fluídos? |
Trilha na região campestre. |
Campos de altitude |
Isso sim é ser mateiro |
Luiz, Maria e eu. |
Não seriam chapadões interiores recobertos por cerrados e penetrados por matas galerias? |
Erosão em trilha inclinada. Impossível ficar em pé. |
Visual para a baia de Antonina. |