Eu pressentia algo de ruim no silêncio de dias sem comunicação. Sabia que ele estava no hospital muito debilitado e já até havíamos nos despedido. A mensagem, que levou cerca de meia hora para ser respondida, pôs fim a dúvida:
“Pedro, o Parofes acabou de falecer”.
Eu já havia perdido avós e gente mais velha na família. Apesar de estar esperando sua morte, eu nunca havia sentido um golpe no estomago daquele jeito. O Parofes morreu. Ele não mais existe, acabou as conversas, as caminhadas. Uma pessoa, cheia de vida agora não era mais feita de carne e osso.
Pouco tempo depois fui a São Paulo e visitei a Lili no apartamento em que eles viviam e que há muito eu frequentava. Senti o vazio no lugar...
Ela me deu alguns pertences seus, alguns dos quais eu guardo até hoje, como um relógio e a blusa de frio que ele tanto gostava e que já fiz alguns cumes andinos com eles. Outra coisa que ela me deu foi uma caixa de madeira lustrada e fechada com dois parafusos. Dentro estavam suas cinzas.
Ela me avisou que antes de Parofes morrer, ele pediu para ela que eu jogasse suas cinzas no alto das Agulhas Negras. Nem precisava pedir, pois quando ele ainda estava vivo eu já havia prometido fazer isso:
“Se tu não me jogar na porra daquele cume, eu vou puxar tua perna pra baixo da cama à noite!” Disse rindo no dia em que nos despedimos no hospital.
Até agora eu não joguei, embora eu tenha estado em Agulhas uma vez. Decidi que lá seria o último lugar que ele seria deixado...
Antes disso, resolvi jogar as cinzas do Parofes em todas as montanhas que eu escalasse e não foram poucas. Até agora foram 15 montanhas nos Andes, 13 delas acima de 6 mil metros e em 3 país diferentes. Ele também foi jogado pelo Max na base do Annapurna, montanha com mais de 8 mil metros localizada no Nepal. A história dos locais onde as cinzas de Parofes ficaram até agora será publicada na revista Go Outside em breve.
Mas chegava a data do primeiro aniversário sem ele e não sabia como fazer uma homenagem digna. Aliás, depois de tantas montanhas escalando juntos, o que mais poderia fazer?
Decidi então chamar o maior número de amigos e subir uma montanha singela e bonita. Uma montanha que aliás, foi a primeira que subimos juntos, isso no ano de 2008: O Camapuan, na Serra do Mar paranaense.
Esta escalada que fizemos juntos, 8 anos atrás, foi marcado por ser uma das piores roubadas que fizemos juntos. O Parofes chegou de São Paulo pela manhã e fomos direto pro morro debaixo de uma chuvarada horrível. Daquelas chuvas finas geladas e intermináveis que o Julio Fiori costuma chamar de “Chuva boa para morrer na serra”.
E não deu outra. Até chegamos no cume, mas foi uma péssima ideia acampar lá. Nos arrependemos e voltamos todo encharcados, com água até os joelhos na trilha, e fomos dormir no refúgio 5.13 em Quatro Barras.
7 anos depois, minha homenagem continuava em curso, apesar da previsão de tempo não ser das melhores. Saímos de Curitiba, Maria e eu, às 9 da noite rumo à serra com gotas d’água no para-brisa, para somente começar a caminhar às 22 horas, com bastante umidade no ar.
A subida levou 3 horas, como de costume. E como de costume choveu como um “dia bom para se morrer na serra”. Como no primeiro dia em que eu e o Parofes subimos a montanha e como no dia em que ele morreu...
A homenagem, no dia seguinte, foi singela e quase solitária, pois as poucas pessoas que foram (Greissy, sua sobrinha de 9 anos e Victor Dossi) acamparam no Tucum e nos desencontramos. No Camapuan estava só eu e a Maria, baita companheira para enfrentar aquele frio úmido. Deixei um punhado de Parofes lá em cima. O vento, neste momento, jogou suas cinzas , que caiu sobre a minha namorada. Acho que ele deve ter dado risada lá em cima.
Foi uma subida e descida sofrida e perrengosa, um dia bom pra morrer na serra.