Blog do Pedro Hauck: A conquista do Monte Parofes, a (ex) montanha virgem mais alta dos Andes

14 de dezembro de 2015

A conquista do Monte Parofes, a (ex) montanha virgem mais alta dos Andes


Frio, muito frio. É isso o que eu mais me lembro da caminhada de aproximação ao Parofes. Montanha que até aquele momento gelado sequer nome tinha e sequer sabíamos como ela era. O Vento forte batia na cara, fazendo o gelo salpicar no rosto, chegando ao ponto que era impossível falar e entender quem estava a seu lado.

Soubemos da existência desta montanha por uma pesquisa de sensoriamento remoto utilizando dados topográficos da NASA e os códigos em linguagem Pyton que a Suzie Imber criou e rodou em um supercomputador. Na pesquisa com os locais, ninguém sabia desta montanha. Ela não tinha nome e não tinha sequer uma foto, de tão remoto que era. Na prática era um terreno desconhecido. Obviamente sem trilhas e sem rastros. Tínhamos aquilo que georreferenciamos no GPS, que ficava do outro lado de um cordão de montanhas que seguia paralelamente ao cordão principal do Pissis, composto pelo Pissis Leste e o Nascimiento del Jagüe. Teríamos que atravessar um passo entre estas montanhas, mas para isso seria necessário cruzar inúmeros vales secos que eram oriundos deste cordão e que dissecavam a Puna.

Caminhada de aproximação por terreno desconhecido.
Os ventos vinham de oeste e carregavam neve que se acumulavam nas vertentes leste de todas as depressões e vales. Estava cansado, pois com o tempo que tardamos em decidir se iríamos ou não para a montanha, demoramos em sair e já começamos a caminhada precisando comer algo, o que tardamos em fazer. Isso mais o vento e o frio me deixou muito debilitado. E desta maneira cheguei a um ultimo vale que de tanta neve acumulada havia cornizas. Sem querer eu levei um tombo e fui parar direto onde Maximo nos esperava, onde ficamos assistindo o Jovani fazer o mesmo. Se tivesse lugar para acampar, teria ficado ali mesmo.

Parada para nos abastecer de energia com leite condensado mesmo.

Sequencia de fotos do Jovani caindo na corniza.

Continuamos neste vale, que se tornou uma canaleta e ao sair dele, direto no passo que deveríamos cruzar, fomos novamente açoitados pelo vento, que quase tornou impossível nossa delicada missão de ficar em pé. Só era possível tirar os apoios dos bastões de trekking entre uma rajada e outra e nessa delicada situação progredimos até ficarmos protegidos pelas vertentes do Pissis Leste, uma vertente oriental, evidentemente coberta de neve, em que realizamos uma diagonal até chegar a um ponto onde havia uma descida até um anfiteatro, onde ficava um bom local para acampar.

Nosso destino naquele dia era chegar a uma lagoa, mas ela ficava há 5.5 km dali e ainda teríamos que cruzar outro passo. O local em que estávamos acampando, no entanto, dava acesso a outro vale que fazia um caminho em linha reta até o vulcão sem nome, atravessando outro passo, mas encurtando caminho. A dificuldade é que no caminho mais curto o desnível era maior. Mas deixaríamos isso para o dia seguinte, o dia do cume, que iríamos chegar sem mochilas pesadas nas costas.

Acampamento base do Monte Parofes.
Montei minha barraca individual e logo me instalei. É uma barraca protótipo que trouxemos da China com o propósito de vender na loja, mas nunca conseguimos fazer a importação por causa dos altos impostos e da alta do dólar. Ao meu lado se instalou o Maximo e o Jovani na velha barraca Mountain Hardwear de 2 pessoas. 

Enquanto eles preparavam o jantar, que era um macarrão sopa horrível, eu cheguei a dormir na barraca. Até neguei comida quando ela ficou pronta, mas sabia que precisaria de energia para o dia seguinte. Nem preciso dizer que o rango estava horrível, mas era o que tinha. Na pressa de sair de Fiambalá, não levamos nada fresco e só tínhamos coisas em pó industrializado, tudo ruim.

Ao sair da barraca, depois do jantar, um tolete de neve que acabara de precipitar caiu do teto da barraca. O tempo estava péssimo e o vento carregava vento consigo, deixando tudo muito frio. Os poucos passos de uma barraca a outra foram congelantes, mas fiquei quente de raiva ao abrir minha barraca e ver que tudo estava branco por dentro.

O maldito vento carregou neve em pó que de tão fina passou por baixo da saia da barraca e atravessou as telas de tecido, sendo depositadas em cima de meu saco de dormir e todas minhas coisas. Por sorte o frio era tão grande que ela não derreteu em nenhum momento e nada molhou, mas diante deste problema tive que me espremer na outra barraca e ter uma noite péssima.

Subindo vale com ventos brancos nas costas.
Em três, a condensação dentro da barraca foi muito grande e acordamos cobertos de gelo com estalactites se formando no teto.  Comemos qualquer porcaria, nos hidratamos e saímos um pouco tarde do acampamento para ir ao cume. Felizmente o ditado que diz que depois da tormenta vem a calmaria se tornou realidade. O céu estava azul e havia pouco vento, pelo menos naquele momento.

Ingressamos no vale que tinha como destino o passo que atravessava para o planalto de onde emergia o vulcão Parofes. A subida foi tranquila, com ventos brancos batendo nas costas, mas bastou chegarmos ao passo e começar a descer as encosta para o outro lado que começaram os ventos chapiscando gelo no rosto.

Descendo para o planalto em local com bastante neve e vento branco. O falso cume do Parofes é a montanha que aparece na direita da foto.

Vista para o Bonete Chico desde o primeiro paso.

Vista para o falso cume, Parofes cume verdadeiro fica atrás e não se vê daí e o Bonete Chico.

A encosta era nevada, obrigou ter cuidado, pois não estávamos com crampons, mas bastou chegar no planalto que as coisas ficaram fáceis, mas com muito vento, novamente quase nos jogando no chão!
No meio deste planalto se eleva o cone vulcânico de um subcume do Parofes, o qual bordejamos pelo Leste, felizmente nos protegendo dos terríveis ventos. Neste momento fiquei para trás e custei alcançar o Jovani e o Maximo. Era nítido meu desgaste por 2 meses de escalada com tempo ruim.

Tão logo eu os encontrei e já começamos a cruzar outro passo, que deu na base do vulcão. Naquele momento eu achei que o subcume do Parofes que havíamos bordejado era o cume de fato, imagine quando eu vi o cone verdadeiro, imenso, em minha frente, tendo que descer até um vale para começar a subir no outro lado. Sem ter o que fazer apenas pensei: _”No pain, no gain”.
Cone vulcânico do Parofes. 

Costeamos um vale e saímos numa canaleta de detritos na face norte, por onde entramos e começamos a ascensão digna de um vulcão: Uma única pendente pronunciada e cheia de “acarreos”, que vencemos passo a passo buscando rochas maiores, e mais pesadas, que não descessem montanha abaixo cada vez que pisávamos nela. 

Eu sequer olhava para cima. Apenas focava no lento progresso, pensando que logo todo aquele esforço ia acabar e começaríamos a voltar, o que na verdade já deveríamos estar fazendo devido à hora avançada do dia. Eis que após penosos e incontáveis passos chegamos a um topo plano, circulado de pequenas protuberâncias. Mais forte, Max foi conferir e voltou com a cara amarrada: 
_ O cume é ali... apontou para o oeste. 

O cume é ali! Momento um pouco depois que avistei o cume verdadeiro do Parofes, já em um local protegido do vento. Teríamos que descer para depois subir.

A imagem que vi foi a pior possível:  O cume era outra elevação. Ele se levantava de outra puna, cerca de 500 metros em linha reta do cume que estávamos, o que significava que teríamos que descer e subir mais um morro.

_ Não velho, vai você, eu não aguento mais. Te espero aqui. Disse eu a Maximo que retrucou:
_ Desistir o cara.... vamos aí, levanta. Jovaniiiiii, vamos p.... , anda! 

Ainda que não tenha sido um tom motivacional, levantei e fui como um moribundo me equilibrando das congelantes rajadas de vento que açoitava mais que todas as vezes anteriormente.

Não me recordo quanto tempo levei para realizar uma travessia até o ponto de descida, mas recordo que a subida foi realizada protegido por uma crista que impedia os violentos ventos. No pouco tempo que estive mais exposto ao frio, minha barba grudou na bandana e tive dor de ouvido. Eu nunca vi um vento tão frio e poderoso!

Mas voltando aos momentos finais, paramos abaixo de uma pedra protegido do vento para esperar o Jovani que vinha atrás, mas acabei não esperando e fui à frente, pois estava muito ansioso para ver o cume e ver o que dava para ver do cume.

E de fato a vista era fantástica. Estávamos na frente da quarta montanha mais alta dos Andes, o Bonete Chico, ao lado do terceiro, o Pissis. Também dava para ver o Peñas Blancas, Gemelos, no horizonte o nevado Famatina e o pouco conhecido Colanguil ao Sul. Foi uma visão magnífica que tive que guardar na memória em pouco tempo, pois o frio e o vento me impossibilitaram de curtir o que eu via.

Cansado, me sentei no chão e comecei a pegar as pedras que havia perto para fazer um amontoado, onde dentro deixei uma caixa com alguns escritos em homenagens ao Parofes. Gritamos, comemoramos, pois não foi fácil chegar lá e merecíamos nos exaltar. 

Apesar de tudo, tinha total ciência de que estava somente no meio do caminho, que era tarde e não dava para perder tempo. Pior que isso é que o GPS estava quase sem bateria, não tinha mais sequer um gel carboidrato e estávamos quase 20 km da barraca.

Cume do vulcão Parofes.

Maximo e Jovani fazendo uma "apacheta" no cume do Parofes e deixando uma caixa com homenagens.

O cume do vulcão Parofes. Ao fundo o complexo do Pissis.

No cume do Vulcão Parofes

No cume do Vulcão Parofes, a montanha virgem mais alta dos Andes em 2015.

Parofito no cume!


Infelizmente não pudemos ficar curtindo muito. Logo começamos nossa penosa marcha contra vento, descendo da elevação final do cume para chegar ao falso e de lá retornar à grande planície de onde o maciço principal do vulcão se elevava.

Andamos o mais rápido impossível, mas desta vez não seguimos o caminho da ida, onde o tínhamos que atravessar um passo muito alto. Ao invés disso, fomos pelo caminho georreferenciado pela lagoinha que deveríamos ter acampado e que estava completamente congelada. 

Com ritmos diferentes, acabamos nos distanciando um do outro, mas sem nos perder de vista. Por ali, o passo era mais baixo, mas não insignificante. Maximo e Jovani foram pelas laterais para evitar um trecho de gelo, mas como eu estava muito cansado, decidi parar, colocar o crampon e seguir direto sem hesitar. Perdi distancia entre meus companheiros, mas ao chegar ao topo do passo, acabei me deparando com o lusco fusco do fim da tarde e não consegui mais ver ninguém.

Neste momento ouço o Maximo me chamar pelo rádio:

_ Pedro, Pedro, Pedro. Você viu o Jovani? Cadê o Jovani?

A pergunta se repetiu, mas ao tentar responder o radio desligava. A bateria havia acabado! E pior, onde estava mesmo o Jovani?

Num misto entre desespero e sobriedade, parei para colocar a lanterna na cabeça, mas acelerei o passo. Onde estava Jovani?

O céu escureceu e neste momento um faixo de luz apareceu no horizonte.

_ Jovaniiiiiiiiiiiii. Esperaaaaa! Gritei.

Mas ao invés dele me esperar, ele andava num ritmo mais forte que eu e mesmo que gritasse, ele nada fazia. Então eu apenas apertava o passo e quando tinha fôlego gritava.

Após vários minutos (não sei quanto), consigo estabelecer uma conversa.

_ Jovani, cadê o Maximo? Pergunto gritando.

_ Eu não sei! Ele responde.

Aliviado com a solução de um problema, mas sem me importar com o outro, pelo menos fiquei feliz em compartilhar minha angustia com alguém.

Não sabíamos onde estávamos. Sem GPS, sem comunicação e sem luz sequer da lua, pois era noite de lua nova. Pelo relevo ao redor, pensei que estava no vale inicial que começava em nosso acampamento, então fiz o mais obvio possível: Descer.

No entanto, apesar de muito parecido, este vale tinha mais neve que o vale que pegamos para atravessar o primeiro passo em direção ao Parofes. Ele era mais estreito também. Através do relógio do Jovani, vi estávamos numa altitude baixa que o acampamento. Será que o GPS estava errado? Sem ter certeza acabamos seguindo o achometro e continuamos descendo, até que as suspeitas de que estávamos errados nos fez parar de novo.

Entre uma ou outra conclusão lógica, decidimos voltar ao local que nos perdemos. É o mais recomendável de tudo. Voltar ao zero para depois progredir. 

Eu não sei de onde tirei forças. Depois de mais de 15 horas caminhando na altitude, sem ter comido bem, desidratado, cansado e desorientado, conseguir subir o vale que acabáramos de descer. Desliguei a dor, a preocupação, o medo e tudo mais e apenas foquei em mover um pé na frente do outro. Foi uma concentração tão forte, que não faço ideia de quanto tempo demoramos até chegar ao local que nos perdemos e lá achar o feixe de luz da lanterna do Maximo que vinha em nossa direção com chá quente.

Ele acabou apertando o passo para chegar ao acampamento com luz do sol e quase que não consegue achar as barracas na escuridão. Por sorte ele fez isso, senão iríamos passar a noite no relento frio, açoitados pelos ventos brancos que violentamente nos machucava com sua força fora do comum. Era impossível olhar para frente, pois o gelo entrava pelo capuz do anorak e se concentrava no pescoço. Olhando para chão e volta e meia tendo que se segurar para não cair no chão com a força do vento, encontramos com dificuldade as barracas. 

Eu não parei para comer. Apenas desejava meu saco de dormir e minha barraca, nem liguei que poderia ter neve lá dentro, entrei e dormi. Fiquei aliviado, pois como tudo o que fizemos encontramos dificuldades extras, pensei que pelo menos uma das barracas pudesse ter voado com os ventos, mas elas estavam lá! 

Foram 16 horas de atividades extremas com dificuldades do começo ao fim onde sempre estivemos a beira de tudo dar errado. Nunca tive tanto azar numa montanha que supostamente era para ser trivial. Devido à falta de dificuldades técnicas.

Não foi fácil homenagear o Parofes. Até parece que ele não quisesse que nós fizéssemos esta ascensão, pois tudo o que pudesse dar errado deu. Pouca comida, vento branco, frio extremo, fim da bateria do GPS, do rádio, noite de lua nova e vento, vento e vento. Congelante vento.

E ainda teríamos que voltar para o carro, fazer ele pegar e cruzar 90 km de off Road para chegar num lugar seguro...

Nenhum comentário: