Duas semanas atrás uma tormenta despencou sobre a Puna do Atacama, pintando a paisagem de branco e claro, fechando a estrada internacional que liga o Chile à Argentina. Estivemos no olho do furacão naquela ocasião e por conta disso descemos até Copiapó. No entanto, como diz o ditado, depois da tempestade sempre vem o a calmaria e os dias que se passaram foi de sol e calor.
Com bom tempo finalmente depois de tanto tempo ruim, pudemos aproveitar e escalar bastante. Primeiro fizemos o Vulcão Copiapó de 6050 metros de altitude com a Suzie, Caio, Jovani e Max. Depois fomos só eu o Jovani e o Maximo para o remoto Vulcão Patos de 6288 metros. De lá fomos ao mais remoto ainda Sierra Nevada de Lagunas Bravas (6137m), onde começamos a ligar do telefone satelital para saber se o paso abriria. Ainda escalamos mais outra montanha virgem e sem nome de 5068 metros de altitude só pra enrolar enquanto esperávamos, até que percebemos que não fazia sentia a gente estar escalando montanhas acima de 5 e 6 mil metros por que uma estrada que está a 4 mil está fechada pelo mal tempo!? Não foi à toa que demos o nome desta última montanha de “Paso Cerrado”, uma crítica à altura ao que estava acontecendo.
Ainda nesta expedição tivemos que esperar por duas oportunidades a abertura do Paso San Francisco. A primeira demorou o mês de setembro quase inteiro e na segunda foi quando não permitiram que o Jovani fosse ao Chile. Nesta última já havíamos fica revoltados e fomos até a aduana argentina nos encontrar com ele, onde por nossa surpresa não encontramos uma manchinha de neve sequer na estrada.
Estava claro que algo que não era o acúmulo de neve dificultava a reabertura da fronteira toda vez que ela fechava, mas ainda não conhecíamos os procedimentos para reabilitação do passo para ter certeza. Fomos até Maricunga, na esperança que o passo pudesse abrir naquele dia. Aliás o tempo estava perfeito há mais de 15 dias e já não havia nenhuma abaixo dos 5 mil metros.
Chegamos à aduana e demos de cara com ela fechada. Fomos falar com o carabineiro que estava de guarda e a resposta era aquela que temíamos: O PASO ESTÁ FECHADO!
Perguntamos se haviam máquinas trabalhando para limpar a estrada, mas ele não sabia dizer. Perguntamos também se havia uma previsão e ele também não soube dizer. Apenas dizia que era normal o paso fechar e que devíamos voltar a Copiapó e fazer uma viagem de 2500km para atravessar para a argentina por outro lugar. Absurdo!
Para piorar a situação, a gente não tinha combustível suficiente para fazer os quase 300 km de distância dali a Copiapó. Também não tínhamos pesos chilenos, o que tornava temerosa a possibilidade de ir até onde dá com o tanque de combustível e esperar uma carona. Primeiro porque não passa ninguém no deserto, depois porque se tivéssemos sorte em conseguir carona, precisaríamos ir até o centro da cidade, trocar dinheiro, ir a um posto de combustível, comprar diesel, tentar uma carona para voltar para encher o tanque com o que fosse possível carregar e rezar para que isso fosse suficiente para voltar à civilização. Não, não fazia o menor sentido estar numa situação de risco como aquela.
Pegamos o telefone satelital e começamos a ligar para os consulados e embaixadas para conseguir ajuda. Ligamos para a embaixada da Inglaterra, Argentina e Brasil, mas claro que só a inglesa fez algo. O telefone do governador de Atacama tocou bastante naquela tarde.
Quando conseguimos incomodar as autoridades, começamos a ter explicações do que acontecia. Descobrimos que havia uma empresa privada que estava asfaltando a estrada internacional e em todo o tramo em que ela tinha a licitação para trabalhar estava limpo. De acordo com o governo, esta empresa tinha que fazer a limpeza de toda a rodovia, mas de acordo com eles não. E nesta queda de braço a estrada ficava fechada por meses, até que o sol e o vento derretesse tudo.
Com as nossas ligações o governador de Atacama decidiu fazer algo e ordenou que dois técnicos subissem até o paso para ver como estava a situação. Descobrimos que mesmo depois de 15 dias, ninguém havia ido até a fronteira para ver o estado da estrada. Tal função é feito por uma empresa de engenharia terceirizada. Eles saiam de Copiapó e faziam os quase 400 km de lá até a fronteira para ver se tem neve na estrada e voltam. Impressionante o desperdício, mesmo com carabinero, Sistema Agrícola Ganadero, Policia de Investigaciones e Aduana tão perto, sem fazer nada. A burocracia chilena fazia que engenheiros viessem de longe para avaliar, pois os outros profissionais que ficam ali em cima na fronteira não tem esta obrigação.
E o pior disso tudo é que a empresa de engenharia fica numa situação vulnerável, pois se eles permitem alguém passar pela estrada e ocorre um acidente, eles podem ser responsabilizados, por isso são extremamente exagerados nas avaliações, ou seja, se há qualquer nevezinha eles dizem que as condições estão ruins.
E não deu outra. Esperamos por horas pela tal empresa de engenharia subir e descer e dizer que o paso estava em más condições! Isso foi motivo para mais ligações e reclamações. Para desespero dos carabineros aqueles chatos iriam dormir lá com eles na aduana.
Mas não éramos chatos, não queríamos dormir ali e nem atrapalhar. Quem estava atrapalhando eram eles e suas regras absurdas. Queríamos apenas voltar para casa.
No dia seguinte, após tanta reclamação, o governador ordenou que uma moto niveladora limpasse a neve na estrada e por volta das 7 da manhã ela saiu de Maricunga para subir cerca de 120 kms onde estava a neve para realizar o serviço. A velocidade da máquina é de cerca de 30 km/h. Será que ela conseguiria limpar e voltar no mesmo dia?
Ficamos ali esperando e com o passar do tempo subiam mais e mais gente até a fronteira. Era hilário, quase 300 km de distância do posto de gasolina mais próximo e não havia uma placa sequer que o paso estava fechado. Era preciso subir até ali para descobrir. Percebi que isso ocorria todos os dias.
O tempo foi passando e a tensão só aumentava com as pessoas que iam chegando. Até que chegou um ponto, por volta das 14 horas, que o carabineiro decidiu pegar a caminhonete e subir para ver se seria possível atravessar naquele dia, pois não tínhamos esta informação ainda. Ele levou um telefone satelital Iridium e deixamos o nosso ligado, pois ele ligaria para dar as novidades. Ficamos felizes com a ajuda deste carabinero que estava se esforçando para ajudar. E de fato ele ligou uma hora depois dizendo que a estrada estava limpa e poderíamos atravessar a fronteira. Quando ele voltou, uma hora mais tarde, ficamos na expectativa de poder atravessar, mas ele não podia fazer nada.
De acordo com ele, mesmo sabendo que estrada estava em boas condições, o procedimento oficial requereria que o motorista da motoniveladora voltasse até Maricunga, ligasse para seu superior em Copiapó informando que o serviço estava pronto. Seu superior ligaria para o governador e este ligaria para o Carabinero, que estava na nossa frente e já sabia que a estrada estava aberta para que ele autorizasse que as demais pessoas na fronteira trabalhassem carimbando nossos passaportes para podermos ir. Mas quanto tempo levaria para uma moto niveladora que anda a 30 km/h andar 120 kms?
Ligamos novamente para o governador e acho que ele estava tão de saco cheio disso tudo que o telefone do carabinero não demorou em tocar para que os tramites se iniciassem o mais rápido possível.
Nem acreditamos quando entramos no carro e começamos a dirigir rumo à Argentina. No caminho da volta pudemos ter certeza que o que fechava a fronteira era de fato a burocracia e não a neve, pois esta já tinha derretido e o trecho “limpo” pela moto niveladora poderia ser facilmente desviado.
Ainda demoramos um tempão na fronteira do lado argentino, onde pudemos abastecer o carro e seguir viagem. Fomos chegar a Fiambalá super tarde e cansados.
Estava com muita vontade de ir embora, mas ainda faltava a cereja do bolo de nossa expedição. Uma montanha de 5845 metros de altitude que era a mais alta de todos os Andes que permanecia sem ascensões e sem nome. Será que conseguiríamos escalar?
:: Continua...
:: Continua...
Trabalhadores da empresa que está reformando a aduana tiram sarro da situação, dizendo que podiam tirar a neva da estrada com uma pazinha de mão. |
Senhor que ficou esperando com a gente. Diabético, ele poderia ter complicações de saúde, pois não tinha insulina. Imagine ele dormir no chão da aduana? |
Complexo fronteiriço de Maricunga. |
Carros esperando... |