Como citar este artigo:
HAUCK, P. Vila Velha e as Origens dos Campos Gerais e das Florestas de Araucárias. In: Odete Terezinha Bertol Carpanezzi; João Batista Campos. (Org.). Coletânia de Pesquisas. Parques Estaduais: Vila Velha, Cerrado e Guartelá. 1ed.Curitiba: Imprensa Oficial, 2011, v. 1, p. 23-28.
Vila Velha e as origens dos Campos Gerais e das
Florestas de Araucária
Pedro Augusto Hauck da Silva[1]
Resumo
O Parque Estadual de Vila Velha, em Ponta Grossa – PR,
abriga ecossistemas de campos e florestas subtropicais em total oposição
sucessional. Dúvidas sobre as origens de tal paisagem conduziram o autor a
buscar pesquisas paleo palinológicas e comprovar as idéias pioneiras de Maack
que afirmavam que os campos eram coberturas vegetais relictuais do período mais
seco e frio da última glaciação, há 10 mil anos atrás. Além de confirmar esta
hipótese, o autor ainda faz importantes considerações sobre as origens das florestas
subtropicais e a evolução do Domínio Morfoclimático dos Planaltos das
Araucárias.
Introdução
Desde os
tempos de Saint Hilaire ((PEREIRA
&IEGELSKI 2002), as contradições paisagísticas existentes entre campos e
florestas despertam a curiosidade dos viajantes e pesquisadores de natureza
sobre suas origens. Na região dos Campos Gerais do Paraná há ecossistemas em
total oposição sucessional. De um lado temos ecossistemas campestres que
indicam um estágio inicial de sucessão e de outro, florestas subtropicais de
Araucária, em estágio avançado de sucessão ecológica.
A história das buscas por respostas mais
contundentes sobre as origens dos Campos Gerais, começam por Maack na
década de 1940, que postulou a teoria mais contundente sobre a origem desta fácie
de paisagem. De acordo com ele, a vegetação campestre seria remanescente de um
páleo ambiente mais frio e mais seco na passagem do Pleistoceno para o Holoceno
à época da glaciação de Würm-Wisconsin (MAACK,1981).
O avanço no conhecimento sobre como se comportou as
paisagens brasileiras durante esta fase de mudança climática em escala mundial
levou Ab’Sáber (1992) e Vanzolini (1992) e outros autores a formular, anos mais
tarde, a chamada Teoria dos Refúgios Florestais que, de acordo com Ab’ Sáber (op.
cit, pag. 29) é o principal corpo de idéias referente aos mecanismos e
padrão de distribuição de floras e faunas da América Neotropical. Viadana
(2002, pág 20-21) realiza uma síntese das idéias da Teoria:
[...]flutuações climáticas da passagem para uma fase mais
seca e fria durante o Pleistoceno terminal, a biota de florestas tropicais
ficou retraída às exíguas áreas de permanência da umidade, a constituir os
refúgios e sofrer,portanto, diferenciação resultante deste isolamento. A
expansão destas manchas florestadas tropicais, em conseqüência da retomada da
umidade do tipo climático que se impôs ao final do período seco e mais frio,
deixou setores de maior diversidade e endemismos como evidência dos refúgios
que atuaram no Pleistoceno terminal.
Como se nota, as idéias iniciais de Maack se
encaixavam dentro do conhecimento gerado através da Teoria dos Refúgios
Florestais, porém a paisagem dos Campos Gerais só foi estudada por este viés
paradigmático através das pesquisas no Parque Estadual de Vila Velha realizada
por Hauck (2009) e Hauck & Passos (2010) com as contribuições das pesquisas
em páleo palinologia levadas à cabo pela equipe de Behling (BEHLING, 1997a,
1997b, 1998, 2002), (BEHLING; LICHTE, 1997), (BEHLING; PILLAR, 2007), (BEHLING et
al., 2004), (BEHLING et al., 2007) e os dados botânicos da vegetação
de cerrado presente nos Campos Gerais obtidos por Ritter (2008).
Paisagem dos Campos Gerais
Nos Campos Gerais do Paraná, onde fica o Parque de
Vila Velha, de acordo com Maack (1981) a temperatura média anual é branda,
17,6°C. O mês mais quente tem a temperatura de média de 21,2°C e o mais frio,
13,3°C. O mês mais chuvoso é Janeiro, com uma média de pluviosidade de 164,4
mm. O mês mais seco é Agosto, com 71,2 mm e a precipitação média anual é de
1422 mm.
A fitogeografia dos Campos Gerais é marcada pela
presença de duas fácies de paisagem bastante distintas, a primeira é a formação
Florestal Ombrófila Mista, onde a Araucária (Araucaria angustifolia) é o
elemento mais marcante, com sua notável beleza cênica que ocupa o andar
superior da floresta acima do dossel das árvores latifoliadas. As Araucárias
são árvores, originalmente, muito abundantes nos planaltos sulinos. Ela é
caracterizada por seu tronco largo e sua copa em formato piramidal quando jovem
e umbeliforme em idade adulta. As folhas são coriáceas, glabas, agudíssimo
pungentes de 3 a 6 centímetros (LORENZI 1998).
As Araucárias dominam os estratos superiores das
florestas e muitas vezes estão associadas ou em competição com espécies
latifoliadas, como a Ocotea porosa (Imbuia) e outras árvores da Família
das Lauraceas.
A outra paisagem existente na região é de campos,
que são constituídos por formas biológicas diversas, tendo como característica
marcante uma vegetação herbácea e subarbustiva. Este tipo vegetacional
encontra-se, de acordo com Moro & Carmo (2007) sob abundante insolação e
efeito de ventos constantes que selecionam espécies adaptadas à condições
secas. Além destes fatores ambientais, contribui para a existência de campos a
pouca profundidade dos solos e as condições de drenagem, ou seja, grande parte
da vegetação campestre está sujeita a ambientes com baixa capacidade de reter
água e alta evaporação, um suporte ecológico que não dá sustentação à formações
vegetais em estágios de sucessão mais avançados.
As espécies predominantes dos campos são gramíneas
da família das Poaceaes. Estas espécies, de acordo com Moro & Carmo (op.cit)
são muito versáteis e seu sucesso como formas vegetais predominantes nos Campos
Gerais se deu devido a seu caráter semi-xeromórfico, como a presença de
céspedes (tufos densos), rizomas (caules subterrâneos) enraizamento denso e
sementes abundantes que se adaptam à pressões do regime hídrico, às queimadas,
à presença da fauna de herbívoros e aos solos rasos e empobrecidos.
As plantas campestres que não são gramíneas e que
ocorrem com abundância e tipicidade nos Campos Gerais também apresentam
adaptações xeromórficas, como caules subterrâneos (rizomas, xilopódios e
bulbos) que além de serem resistentes às queimadas, são também resistentes às
freqüentes geadas no inverno. Muitas das plantas dos Campos Gerais apresentam
também folhas coriáceas (resistentes à queimadas), corpos carnosos e tecidos
que acumulam água, mesmo que muitas destas espécies encontram-se também em
áreas pantanosas.
As queimadas, a topografia e principalmente os
solos controlam a biomassa arbórea, arbustiva e herbácea da vegetação de campos,
imprimindo as diversas fitofisionomias e ecossistemas campestres (COUTINHO,1982).
Qual seria a explicação para a ocorrência de
ecossistemas tão distintos convivendo lado a lado?
Evolução da Paisagem dos
Campos Gerais
De acordo com Hauck & Passos (2010), os dados
páleo palinológicos indicam que o Segundo Planalto do Paraná durante o Ultimo
Máximo Glacial (U.M.G), entre 12 mil há 9 mil anos atrás, era recoberto
exclusivamente por vegetação aberta, formado principalmente por campos secos:
Os registros palinológicos refletem um clima muito
mais seco dificultando o desenvolvimento de uma grande população de Araucaria.
Por outro lado, estes registros mostram que as temperaturas mais baixas e com
frequentes geadas, limitaram a expansão da vegetação de cerrado arbóreo e de
florestas, favorecendo a expansão de um tipo de vegetação campestre subtropical (HAUCK & PASSOS op.
cit. 2010, pag. 160).
Neste momento, de acordo com os autores, as
coberturas vegetais úmidas estavam bastante fragmentadas e indivíduos do pinheiro,
hoje abundante por todo planalto, se encontravam refugiados em zonas mais
rebaixadas, em fundos de vales onde a umidade se manteve mesmo no ápice da
glaciação, como na região do baixo rio Iguaçu, onde hoje fica o Parque Nacional
do Iguaçu, que na época poderia ter um clima subtropical como os existentes
atualmente no topo dos planaltos:
Um antigo
refúgio de matas subtropicais situado no Vale do Paraná (extremo Oeste do
Paraná, que designamos provisoriamente de refúgio de Foz do Iguaçu) deve ter se
tropicalizado nos últimos milênios, afogado que foi pelas florestas de climas
quentes, re-expandidas a partir de refúgios situados no Norte do Paraná e Oeste
de São Paulo. (Ab’SábeR 1981, pág. 20).
Com o término da glaciação e retropicalização, as
Araucárias foram se expandindo para zonas de temperatura mais baixa nas regiões
mais elevadas dos planaltos sulinos. Pelo vale do rio Paraná e Iguaçu foi
penetrando a vegetação da Floresta Estacional Semi Decidual.No Leste do Estado,
a Floresta Ombrófila Densa foi ganhando altura na Serra do Mar e penetrando o
Vale do Ribeira, chegando até o limite do Segundo Planalto.
Com a constatação realizada por Ritter (2008) de
que nos Campos Gerais há pelo menos 587 espécies típicas de cerrado, é inegável
a participação genética da flora desse domínio de paisagem na constituição dos
campos subtropicais. Isso ocorreu porque na vegetação dos cerrados há uma
grande ocorrência de espécies de características ecológicas pioneiras, muito
oportunas e que rapidamente colonizaram o espaço deixado pela retração de
fisionomias vegetais mais exigentes. Os Campos Gerais não fazem parte do
cerrado, porém parte significativa das espécies vegetais que povoam estes
campos subtropicais ou descendem ou também ocorrem com tipicidade na área
nuclear do Domínio dos Cerrados.
Estas espécies, que são as que compõem o substrato
herbáceo e arbustivo das fácies abertas de cerrado, embora tenham como centro
de origem genético um domínio tropical, ao colonizar terras mais frias, mostram
que não têm como fatores limitantes as baixas temperaturas e nem mesmo as
frequentes geadas e que são muito adaptadas a ambientes mais secos. Assim,
enquanto perduraram as condições climáticas impostas pelo período glaciar,
estas espécies não encontraram resistência e obtiveram grande sucesso na
colonização dos espaços mais frios e mais secos dos planaltos do Sul, e das
terras mais altas do Sudeste.
Quando as condições climáticas começaram a mudar
nos planaltos, com a retomada do calor no Holoceno, período denominado de Optimum
climaticum por Ab’Sáber (1980), a flora sensu strictu de cerrado e
também da Floresta Semidecidual, refugiadas em sítios protegidos das geadas e
de outros fatores climáticos limitantes para este tipo de vegetação, passaram a
se expandir. Neste período compreendido pelo Holoceno Médio, as massas de ar
tropicais continentais invadiam os planaltos sulinos e não permitiam a atuação
mais incisiva das frentes polares, resultando em aumento de temperaturas, mas
não de pluviosidade.
Com a redução das temperaturas a partir do Holoceno
tardio, como atesta Bigarella (1964), a cerca de 3.000 anos, houve um acentuado
aumento na umidade dos planaltos, com grande expansão da Floresta de Araucária,
devido suas estratégias de dispersão muito oportunas, fazendo retrair outras
formações florestais e campestres Este fenômeno não foi limitado ao Sul,
ocorrendo também no Sudeste do país que abrigava refúgios antigos de Araucárias
em vales protegidos (BEHLING, 1997a; BEHLING, 1998; BEHLING, 2002; BEHLING;
LICHTE, 1997; BEHLING et al., 2007).
Origens das Florestas de
Araucária
A Araucária é um indivíduo arbóreo que pode ser
considerado um fóssil vivo por ter suas origens remetentes ao Triássico (Mecke et. al. 2005). Este
pinheiro apresenta hábitos ecológicos ímpares, de acordo com Soares (1972), as
Araucárias têm sido consideradas por pesquisadores ora uma espécie pioneira ora
clímax nos estágios sucessionais da floresta subtropical dos planaltos sulinos.
Entretanto, de acordo com o autor, esta espécie não se encaixa em nenhuma
destas escalas de sucessão.
As Araucárias não apresentam algumas características
fundamentais das pioneiras para que assim sejam classificadas. Para Soares (op.
cit.), as pioneiras precisam, em primeiro lugar, apresentar uma grande
mobilidade, ou seja, devem ser capazes de se disseminar através de extensas
áreas. A Araucária não apresenta uma eficiência dispersiva para assim ser
classificada. Suas semente são grandes, de acordo com Lorenzi (1998), têm entre
4 e 7 centímetros de comprimento, são pesadas e perdem rapidamente o poder
germinativo. As espécies pioneiras também são capazes de suportar ambientes
inóspitos, ao menos em suas regiões de ocorrência. De acordo com Soares (op.
cit.) as Araucárias jovens com menos de 3 anos não suportam geadas e
morrem. Considerando que este fenômeno climático é comum nas regiões dos planaltos
sulinos, isto prova a fragilidade da espécie diante de seu ambiente natural.
Esta espécie se desenvolve bem quando jovem no sub bosque formado por
indivíduos de sua mesma espécie mais velhos, desenvolvendo-se bem neste estágio
à claridade de apenas 25%, o que as torna intolerantes ao sol em um estágio de
vida, ao contrário das pioneiras que são, sem exceção, heliófitas em todos os
estágios de suas vidas.
As Araucárias também não podem ser consideradas
clímax, pois velhos povoamentos desta espécie são comumente substituídas por
espécies latifoliadas de crescimento lento, tais como as Lauraceas, família de
arbóreos que dominam o dossel das formações florestais do Domínio Tropical
Atlântico, o que indica que as folhosas são espécies clímax desta comunidade.
Soares (op. cit.) justifica que as coníferas como as Araucárias são
espécies rústicas e primitivas e a tendência natural do processo evolutivo na
superfície terrestre é a substituição destas pelas latifoliadas mais evoluídas
e especializadas.
De acordo com o Soares (op.cit.), em uma
situação hipotética, as pioneiras são as primeiras a ocupar o sítio. Elas
preparam o local para as espécies séries, mas não conseguem elas próprias se
regenar em seu sub-bosque. As espécies séries preparam o local para espécies
mais adiantadas na escala sucessional, este seria então o posicionamento da Araucária
dentro dos estágios de sucessão. Isso explica a ausência de regeneração natural
em povoamentos naturais onde a sucessão evolui sem nenhum distúrbio que pudesse
perpetuar estágios intermediários.
A constatação de que a Araucária é uma espécie
série, implica em diversas indagações sobre sua abundante presença e
predominância nas florestas subtropicais brasileiras, o que significa dizer que
as espécies clímax que habitariam os planaltos sofrem de algum impedimento ou
distúrbio para que elas não ocupem seu devido local nos andares superiores das
florestas do Sul.
Um dos distúrbios ambientais mais freqüentes da
natureza e que são responsáveis por imprimir grandes transformações imediatas
na paisagem e adaptações e tolerâncias ao longo do tempo nas espécies é o fogo.
O fogo é de acordo com Soares (op.cit.), um poderoso agente ecológico de
intervenção natural. Sua freqüente ocorrência potencializa a permanência das
espécies séries que passam a se comportar como as espécies dominantes devido à
reciclagem do habitat:
Em um estudo sobre a flamabilidade em
reflorestamentos de Araucaria angustifolia, Beutling et. al.
(2005), constataram que um capão desta espécie arbórea apresenta uma carga de
material combustível composto por matéria morta numa proporção de 9:1 entre os
combustíveis vivos, sendo que a maior participação eram materiais finos e
uniformes em decomposição e a grimpa, que é o conjunto de ramos secundários
compostos por folhas característicos do gênero Araucaria, o que confirma
a hipótese de que esta árvore é de alta flamabilidade e sugere que ela
dependeria das queimadas para permanecer abundante na paisagem.
Incêndios florestais são comuns no Brasil em todos
os domínios de paisagem e não é diferente nos planaltos meridionais. Apesar de
comum, são poucos os trabalhos que estudam suas causas, mas em um dos poucos
estudos disponíveis sobre incêndios florestais de Araucária. Soares &
Cordeiro (1974) apontam que a maior causa é antrópica, mas incêndios naturais
provocados por raios vêm em segundo lugar, o que nos possibilita afirmar a
existência de incêndios naturais pelos planaltos do Sul.
Através de estudos paleoambientais, Behling (1997b)
pôde datar a ocorrência de carvão e material carbonizado, assim como também
coletar pólens das plantas e determinar qual era o tipo de cobertura vegetal
existente na região dos Campos Gerais durante todo o Holoceno. De acordo com o
autor, durante o Pleistoceno Terminal (de 12.480 a 9.660 AP) eram raros os
registros de incêndio e predominavam campos em detrimento das florestas. No
Holoceno inferior e médio (9669 – 2850 AP), houve um acréscimo de florestas e
os campos recuaram. Houve neste período um registro significativo de ocorrência
de carvão e material carbonizado. Behling (op.cit.) atribui a esta
mudança um acréscimo de espécies da família das Poaceaes (gamíneas), que tem
alta flamabilidade. Ao mesmo tempo, ocorrem registros de presença humana, pois
já nesta época e não é descartado que grupos páleo indígenas faziam uso do
fogo. As Araucárias ainda não dominavam a paisagem.
É no Holoceno tardio (2850 – 1530 AP), que segundo
Behling (op.cit), as Araucárias começam a sair dos refúgios e habitar os
planaltos. Neste período foi encontrado o maior porcentual de carvão e material
carbonizado. Isso indica de um lado que houve uma redução do tempo de estiagem
anual que proporcionou uma expansão da Araucaria angustifólia, de outro lado
evidencia que o incêndio independe de um período seco, e está relacionado com a
presença de material combustível, no caso, proveniente da espécie arbórea
predominante: A Araucária.
Nos povoamentos maduros de Araucária, as árvores
apresentam uma altura média, segundo Soares (1972), de 15 metros. De acordo com
o mesmo autor, os indivíduos adultos apresentam casca de 5 a 10 cm de espessura
que suportam altas temperaturas externas. A forma peculiar de um indivíduo de Araucária
adulto de copa em formato umbeliforme sem ramos laterais na maior parte do
tronco são em parte uma adaptação que protege a árvore de incêndios na copa, o
que faz da Araucária uma espécie arbórea de resistência maior à incêndios do
que outras árvores folhosas com quem ela poderia entrar em competição (Lauráceaes). No caso de um incêndio
moderado, a Araucária não somente elimina seus “oponentes” ecológicos, como
também limpa o sub bosque e áreas adjacentes para a geminação de novos
indivíduos de sua espécie, sendo que este pode ser um argumento para explicar a
ocorrência muito comum de capões de Araucária com muitos indivíduos adultos
apresentando a mesma altura: São árvores que colonizaram o ambiente que sofreu
a intervenção de uma queimada.
Considerações finais
Como se pôde observar, os ecossistemas florestais e
campestres dos Campos Gerais apresentam disparidades em seu aspecto sucessional
e adaptação à condições de umidade opostas. Porém ambos têm hábitos ecológicos
semelhantes no que tange à resistência e até mesmo dependência de queimadas
para se regenerar, assim como a adaptação ao frio. A diversidade
morfopedológica dos planaltos, onde há desde neosolos litólicos até latossolos,
também dá condições de permanência de ecossistemas tão distintos.
A questão da ecologia do fogo no Domínio dos
Planaltos das Araucárias é um importante argumento ecológico para a compreensão
do estado sucessional das florestas sub tropicais do Brasil que aliados aos
dados páleo palinológicos confirmam uma idade juvenil à esta região natural ao
ponto de que domínio não havia atingido
seu clímax até sua desestruturação realizada a partir da colonização européia.
Na composição florística dos Campos Gerais há a
presença de espécies oriundas de diversos domínios morfoclimáticos que têm sua
área nuclear situada a centenas ou milhares de quilômetros de distância, são
eles o Domínio dos Cerrados e o Domínio Tropical Atlântico, cada qual “cedeu”
alguns indivíduos que se rearranjaram ecológicamente de acordo com as condições
climáticas e ambientais dos planaltos sulinos ao término da última glaciação,
dando origem apenas recentemente ao mosaico vegetacional de florestas e campos subtropicais.
Os aspectos morfopedológicos, climáticos e
botânicos interagem de uma maneira sistêmica, dando origem à Paisagem
Geográfica strictu sensu que tem uma espacialidade definida em escalas
territoriais e temporais, apresentando sua dinâmica e fisiologia própria: Os
domínios morfoclimáticos.
De acordo com Ab’Sáber (2003), o interior dos domínios
são passíveis de subdivisões regionais baseadas nas compartimentações topográficas
combinadas com atributos pedológicos e do embasamento geológico sob atuação de
climas regionais. Estes ecossistemas identificáveis e estudados localmente são
projetados em níveis de geossistemas. Estes conjuntos de paisagens não
evoluíram separadamente, eles apresentam uma história biogeográfica e
geomorfológica, sendo resultado de inúmeras mudanças de energia ao longo do
tempo.
Desta maneira, os seis domínios que são
reconhecidos no Brasil não apresentam entre eles uma delimitação clara e
linear. Seus limites são por meio de áreas de transição onde elementos típicos
de um ou outro domínio se alternam de acordo com as condições locais que
favorecem ou desfavorecem uma formação de um ou outro domínio.
Estas faixas de transição apresentam não somente as
características dos dois domínios morfoclimáticos vizinhos, mas muitas vezes a
combinação deles que conforme Ab’Sáber (op.cit.) pode ser conformado
como uma terceira paisagem, um enclave ou então uma paisagem tampão onde certas
espécies se aproveitam da instabilidade das condições ecológicas passando a
dominar localmente o espaço onde as condições climáticas e ecológicas eram
diretamente desfavoráveis para a fixação da paisagem no interior das áreas
nucleares ou o oposto, eram favoráveis ao adensamento e à expansão de
determinadas floras.
Estabilidade e instabilidade agregações e
desagregações de antigas paisagens que evoluíram para o atual quadro dos
conjuntos paisagísticos, os quais representam um “clímax” evolutivo. Neste sentido,
os campos e as florestas dos planaltos sul brasileiros não são uma área de
transição entre o Domínio Tropical Atlântico e o de Cerrado, mas sim comporta
um domínio novo, o Domínio dos Planaltos das Araucárias, estabilizado com sua
dinâmica ecológica própria e independente dos domínios que deram origem
genética à ele há cerca de 2000 mil anos.
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[1] Doutorando em Geologia
Ambiental, Programa de Pós Graduação em Geologia UFPR. Email:
falecom@pedrohauck.net
Vegetação campestre no PEVV
Contraste entre campos e florestas de araucaria no PEVV
Floresta de Araucária com Syagrus no PEVV
Bromélias de chão
Latifoliadas heliófitas e Araucarias
Contato campo e floresta
Arenitos com formas evoluidas em ambiente umido
Topografias ruiniformes do PEVV.