Após todo o perrengue na aduana, para atravessar do Chile para a Argentina, tiramos um dia sabático em Fiambalá para descansar e arrumar as coisas, que estavam uma bagunça. Foi um dia tranquilo e ensolarado que passamos no Camping Paraíso, que tem este nome não por acaso. Com gramado grande e churrasqueira, jogamos tudo no chão para limpar e organizar enquanto assávamos um bife de Chorizo. Estes momentos são muito importantes na expedição.
As notícias, no entanto, não eram boas. Para chegar até o Parofes, que até este momento não tinha sido nem escalado e nem batizado, pois não tinha nome, deveríamos chegar até perto do acampamento base do Pissis, que é a terceira montanha mais alta dos Andes. No planejamento achei que seria fácil, pois estive lá em 2013 e a estrada, de 90 quilômetros de terra, estava muito boa. Entretanto, como este ano tudo estava diferente, fomos alertados pelo Jonson Reynoso que dois ou três pontos de neve obstruíam o caminho e desde 25 de março ninguém ia ali e que inclusive o local estava tão difícil de ser acessado que as caminhonetes da expedição que estava ali para escalar o Pissis naquele fatídico dia de Março ainda estavam lá abandonadas, sem que ninguém soubesse o estado delas.
Como já sabíamos das dificuldades, deixamos o Conway estacionado no camping e fomos para a montanha somente com o Troller do Jovani, que com pneus gigantes, estava melhor preparado pelas perrengues que iríamos enfrentar.
Subimos a Ruta 60 e após 90 km de estrada de asfalto tomamos a estrada à esquerda que entra no meio da Puna em direção ao Pissis, que são outros 90 km. O começo desta esta estrada é a subida por um vale longo, cheio de zig zags. Nada difícil, mas já havia neve.
Após este trecho inicial, chega-se à Puna, caindo na bacia fechada onde fica a Laguna Aparejos, em um lugar já extremamente árido que parece uma paisagem marciana. Cruzando este planalto, entramos em um vale mais encaixado onde encontramos o primeiro trecho de neve no fundo do canal seco. Com pericia, Jovani dirigiu pela vertente, deixando o carro inclinado, mas sem capotar.
Mas na Puna a vitória nunca é fácil sem lutar. 500 metros após o primeiro trecho encontramos o segundo trecho com neve que era muito pior. Havia um vale com subida mais pronunciada e totalmente impedida, nem tentamos, pois seria como atravessar um oceano sem se molhar. Ao invés disso tentamos achar outro caminho por uma pendente íngreme, copiando a técnica usada na primeira travessia, mas desta vez com uma queda muito maior, claro que desistimos.
Mas havia um vale adjacente que tinha manchas de neve dispersas. Como estas manchas estavam derretendo, o substrato estava bastante molhado e já na primeira tentativa o carro afundava na lama. Tomamos mais embalo, mas aí o carro não conseguiu superar o gelo. No meio entre tantas tentativas construímos um caminho pelo meio do barro e neve. Fazendo o carro gritar com a alta rotação, o Jovani conseguiu passar na ogrísse. Ufa! O sentimento de medo passou por um instante.
Dali em frente continuamos seguindo a estrada rumo ao Pissis, contornando os vários trechos de neve, fazendo nosso próprio caminho. Até mesmo nos trecho por onde andávamos na antiga estrada passávamos por dificuldades. Este caminho estava excelente em 2013, logo após ele ter sido reformado por uma moto niveladora. Em 2015 o cenário era bem diferente. O derretimento da neve erodiu muito a estrada e era preciso muita perícia no 4x4.
Já era quase fim de tarde e a ansiedade aumentava por estarmos chegando perto do acampamento Mar Del Plata, que é campo base do Pissis, onde estavam os dois carros abandonados desde o dia da grande tormenta de Março de 2015. Fomos avançando com precaução até que dois potinhos metálicos no horizonte ficaram próximos e fomos pessoalmente conferir.
Apesar de estarem há 6 meses abandonados, os carros estavam em bom estado. Somente um deles tinha um pneu murcho. Estavam com muitos equipamentos dentro, sorte sermos nós os primeiros a chegar ali, pois se alguém estivesse lá antes, poderiam saquear os carros. Ligamos para Jonson do telefone satelital para contar a novidade e já fomos preparar o acampamento. Fazia muito frio.
Durante o jantar, quando Maximo foi tirar água do macarrão, houve uma tragédia e toda a comida foi para no chão poeirento do acampamento. Neste momento percebemos que estávamos curtos de comida. Na ânsia de ir fazer logo a montanha, acabamos indo Light and Fast demais e quase não pegamos comida e pior, nos baseamos em porcarias.
A noite foi muito gelada, mas dormi bem. Ao acordarmos, fomos conferir o carro do Jovani e vimos que havia um gelinho verde no chão. Parecido com uma “raspadinha” era o anti congelante congelado. Nesta viagem já havíamos sofrido com anti congelantes. Na Sierra de Aliste o aditivo do Jovani congelou e rachou o radiador do óleo e a válvula termostática. Ficamos com frio na barriga, com medo que pudesse ter outro problema novamente. Revisamos todo o carro e não achamos nenhum problema grave. No entanto não conseguimos fazer ele pegar.
E não tentamos fazer o carro dar arranque mais, pois com o frio que fazia, poderíamos arriar a bateria. Estávamos com muito frio na barriga. O que fazer? Deixar o carro ali, com a possibilidade dele congelar mais? Ou tentar fazer ele pegar e voltar à Fiambalá? A dúvida pairou por nossas cabeças e os carros abandonados há 6 meses ali ao lado eram o exemplo do que acontecia quando um carro tinha algum problema naquele fim de mundo.
Eu estava muito cansado, mas não queria abandonar o que poderia ser a “cereja do bolo” desta expedição. No entanto, o Jovani ficou bastante preocupado, pois era o carro dele em jogo. Não era um carro barato e sei que ele trabalhou como um cão para poder comprar o Troller e reformar ele. Mas fomos lógicos. Sabíamos que nos próximos dias o tempo estaria melhor, também sabíamos que depois que abrimos o caminho, o Jonson iria buscar os carros abandonados. Teríamos um dia melhor e ajuda para fazer o carro pegar.
Assim, decidimos continuar e escalar o Parofes, mesmo que o dia estivesse com o tempo péssimo.
E assim, com as mochilas nas costas, começamos nossa aproximação, desviando o caminho normal do Pissis e entrando em um vale que aparentemente não dava a lugar nenhum, mas levava à montanha sem nome mais alta dos Andes.
:: Continua...
:: Continua...
Laguna Celeste parcialmente congelada. Muito frio na ida para escalar o Parofes. |
Avistando os carros abandonados pela primeira vez. |
Maximo ligando para Jonson avisando que os carros estavam bem. |
Jovani e os carros abandonados há 6 meses na Puna. |
Dia seguinte ao amanhecer. Tudo branco e congelado. |
Verificando o carro congelado. |
Estado do liquido anti congelante. |