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Chegamos à Laguna Soral, onde se inicia o trekking de aproximação ao Chaupi Orko, com um tempo ruim. O clima na Cordilheira de Apolobamba é sempre muito chuvoso e a nebulosidade alta impera nesta região, isso devido sua proximidade com a Amazônia.
Chegamos à Laguna Soral, onde se inicia o trekking de aproximação ao Chaupi Orko, com um tempo ruim. O clima na Cordilheira de Apolobamba é sempre muito chuvoso e a nebulosidade alta impera nesta região, isso devido sua proximidade com a Amazônia.
Sabíamos deste problema climático, mas estávamos acompanhando a previsão através do telefone satelital do Maximo. Sabíamos que dois dias em diante o dia seria perfeito, mas que naquele dia, caminharíamos num tempo bastante fechado. Dito e feito. Após alguns minutos de estacionarmos o carro na precária trilha 4x4, começou a nevar e a situação só piorou.
Caminhávamos com muita neve e escutávamos o barulho das trovoadas. Como nesta região conseguir informação e mapas das montanhas é impossível, planejamos tudo através do Google Earth, interpretando as imagens de satélite e chutando o caminho até a base da montanha e sua rota de subida, numa técnica que eu ensinava nos meus cursos de GPS. Assim, navegando as escuras, ou melhor, às claras, já tudo o que enxergávamos era branco, fomos seguindo o caminho georreferenciado pelo Maximo em seu GPS Garmin.
Acontece que apenas seguir um caminho georreferenciado não é o bastante. Um bom montanhista acima de tudo deve olhar ao relevo e interpretar o caminho com sua experiência, o que era impossível devido à falta de visibilidade. Desta forma, fomos conduzidos a caminhar ao lado de uma moraina lateral de geleira, tendo que passar sobre pedras soltas e a lama da trama fina deste deposito glaciar.
Entre sobes e desces, acabamos achamos o caminho até o campo base. Ótima interpretação de imagens Max! Sem querer e sem ter nenhuma informação, achamos o caminho e assim tudo ficou mais fácil.
Após 5 horas caminhando e 6 km percorridos, chegamos a uma bela lagoa circulada de montanha que seria nosso campo base. De vestígio de passagem de humanos apenas um retângulo aplainado onde já haviam montado uma barraca e onde aproveitamos para armar a nossa.
No jantar, servido com macarrão ao molho de tomate e regado a suco em pó, tivemos a previsão de tempo. Ela havia mudado e em todos os dias haveria precipitação... Pelo GPS verificamos que em linha reta o cume do Chaupi Orko, que ainda não havíamos visto, ficava a poucos quilômetros dali. Pensamos então, porque não atacar o topo naquela madrugada?
Fomos dormir com esta missão.
Às 3 da manhã o relógio desperta e começamos todo aquele ritual antes de atacar um cume nevado. Aquecer água, fazer uma refeição calórica.... A barraca que levamos era pequena e estes procedimentos ficavam complicados lá dentro. Entre um entra e sai para calçar a bota dupla e colocar a cadeirinha, percebo que as estrelas do céu haviam sumido e uma leve precipitação de neve começa a golpear meu anorak. _ É Max, ferrou! A precipitação veio mais cedo que o previsto. Voltamos aos sacos de dormir.
Às 7 da manhã acordo involuntariamente, sufocado pelo enclausuramento claustrofóbico da pequena barraca e decido caminhar ao lado do lago. Pela primeira vez consigo ver as montanhas e uma rota de subida, passo um tempo admirando e fazendo barulho para acordar o Maximo, que não se importa em dormir naquele cubículo.
Ao despertar, meu parceiro de montanha decide que não valeria perder um dia parados naquele local e após um pequeno café da manhã desmontamos nosso lar provisório e começamos a marchar montanha acima, novamente acompanhando o deposito glaciar lateral, onde sempre existem muitas rochas soltas, lama e também um pouco de neve não derretida.
Passamos por locais complicados para quem está com uma mochila cargueira e 200 metros verticais acima, chega a hora de cruzar uma geleira para chegar à base de uma crista da montanha que de acordo com a única informação que tínhamos, que se limitava em um parágrafo do livro do Yossi Brain, era a rota normal. Ali discuti com o Maximo se valeria a pena continuar com as cargueiras, ou fazer o tramo de maneira mais rápida durante o ataque. Ele hesitou, mas se convenceu em deixar as mochilas no local e lançarmos um reconhecimento até o começo da crista rochosa sem nada nas costas.
Caminhando de um local a outro, sempre atento às gretas, achamos um bom caminho para começarmos nosso ataque ao cume durante a madrugada. Fazia calor e já era tarde, acabamos regressando às mochilas e depois cavando uma plataforma em meio à moraina para montar nossa pequena barraca. Enquanto fazíamos isso, um enorme ruído de avalanche tomou conta do vale e quando nos demos conta, blocos imensos de gelo caíram exatamente onde havíamos deixados nossas mochilas durante nossa exploração no glaciar. Engolimos secos...
Após um bom descanso de tarde e à noite, acordamos novamente de madrugada, desta vez com céu estrelado, para todo aquele ritual de ataque ao cume. Com a lua iluminando nosso caminho, atravessamos o glaciar explorado no dia seguinte e começamos a subir a crista da montanha, que no começo não era rochosa, era sim um depósito sedimentar com uma trama de argila e entre ela seixos e calhaus incrustados. Eu não acreditava, mas estava escalando lances de quarto grau de luva, bota dupla de lama congelada acreditando que aquelas porcarias de clastos mais grosseiros não saíssem na minha mão. E pior, não tava com medo disso, embora também não estivesse achando nada divertido. _ barro com pedra congelada! Isso é escalada? Pensava.
Por sorte não durou muito este trecho e local estávamos num local mais “estável”. Era uma grande rampa de acarreo, ou seja, uma vertente abrupta coalhada de rocha solta onde se dá um passo pra frente e voltamos dois pra trás. Apesar de horrível, estamos habituados com este tipo de terreno e sabemos bem como ganhar altura sem voltar muito, fomos progredindo.
Eis que num determinando momento o Maximo solta um What a fuck! Não, não tinha nada errado com a rota, é que ele olhou para baixo e no começo do glaciar enxergou duas lanterninhas reluzindo no horizonte. Havia mais gente na montanha.
Continuamos nossa subida e onde acabou o acarreo e começou o gelo pegamos o belíssimo nascer do sol. Cramponamos e continuamos a subida, num terreno bastante amistoso, mas que não demorou a preocupar.
Alguns metros adiante, avistamos uma parede íngreme repleta de penitentes num lado da crista e outra lisa em outro, mas que na cumiada havia uma grande e perigosa cornija prestes a cair. Escolhemos ir pelos penitentes, que parecia mais estável.
Aconteceu que ali nos penitentes sentimos o gelo se acomodar em nossos pés. Não nos abalamos, pois sabemos que isso é comum em locais pouco frequentados. Entretanto atravessar aquelas agulhas de gelo estava tornando a escalada em algo infernal, penoso e lento.
Aproximando a cumiada, observei uma boa passagem pela vertente, Maximo hesitou, mas quando viu que era de fato um terreno melhor, acabou indo. De fato era bem melhor, apesar de uma fina capa de neve em pó que nos fazia afundar até o joelho. O problema é que ali caminharíamos em cima da cornija, que tinha o risco de desabar. Por sorte nada aconteceu e assim chegamos até a borda de uma greta que tinha em seu lado oposto uma grande parede de gelo com estalactites congeladas, onde paramos para tomar um chá e observar os escaladores que vimos na madrugada atravessar o labirinto de gretas na geleira que eles escolheram como rota de subida.
Atravessando esta bela greta com as estalactites, demos de cara novamente com a cumeada afiada da crista, afundando na neve em pó. Assim foi a escalada até não haver mais nada a subir, chegando assim no topo do Chaupi Orko, 6050 mts e podendo observar toda aquela linda região do Apolobamba.
No cume fizemos muitas fotos e pudemos pela primeira vez jogar um pouco das cinzas de nosso amigo Parofes, que faleceu há poucos meses após uma árdua luta contra a Leucemia. Como prometemos a sua mulher e irmã, vamos deixar um pouquinho dele em cada montanha que vamos escalar.
A volta foi fácil e pudemos chegar rápido ao acampamento. Encontramos com a dupla misteriosa de escaladores, mas eles não foram até nós, continuaram por seu caminho na geleira, enquanto escolhemos andar pelas pedras na moraina lateral. Assim, chegamos muito antes deles em seu acampamento base, onde encontramos um amigo, alemão, que os esperava junto com dois carregadores. Descobrimos que eram uma dupla de guias bolivianos que estão tentando escalar todos os 6 mil da Bolívia.
Continuamos a descida rapidamente, desta vez acertando o caminho e chegando no carro antes do sol se pôr. Devido a periculosidade da estrada, acampamos ao lado da laguna Soral, para voltarmos dirigindo no dia seguinte com mais visibilidade.
Neste tempo os bolivianos e o alemão passaram por nós. Infelizmente não fizeram cume. Os parabenizamos pela boa orientação no meio do gelo e perguntando sobre de onde éramos e o que iríamos fazer dali em diante, percebi suas dúvidas sobre se conseguiríamos escalar as próximas montanhas que tínhamos proposto.
Na escuridão na noite, o guia boliviano não percebeu minha presença e ouvi ele duvidar que um brasileiro conseguiria escalar o Chachacomani e Chearoco. Infelizmente o brasileiro tem moral baixa por aqui.
Continua...
Continua...
Lago Soral. |
Cachoeiras no caminho ao campo base |
Aproximação ao Chaupi Orko. |
Nevasca na aproximação. |
Tempo ruim na aproximação. |
Lago na base do Chaupi Orko. |
Campo base ao lado do lago. |
Vale ao lado do glaciar rumo ao campo base avançado. |
Caminho difícil pela moraina lateral. |
Avistando a crista do Chaupi Orko pela primeira vez e a geleira a atravessar. |
Campo base e o Chaupi Orko de madrugada. |
Amanhecer no ataque ao cume. |
Movimentação nas primeiras horas do dia. |
Nascer do sol |
Nascer do sol |
Se aquecendo nos primeiros minutos do dia. |
Olhando a crista pra cima. Notem o trecho mais empinado |
Chegando na crista com penitentes. |
Crista, de um lado perigo de quebrar a cornija de outro penitentes. Qual é o menos pior? |
Greta com estalactites de gelo |
Chegando ao cume |
No cume do Chaupi Orko. |
AltaMontanha no cume de uma alta montanha. |
Cume e ao fundo o resto da Apolobamba. |
Parofito no cume. |