Blog do Pedro Hauck: A caminho do Chachacomani e Chearoco, as montanhas misteriosas da Bolívia

27 de agosto de 2014

A caminho do Chachacomani e Chearoco, as montanhas misteriosas da Bolívia


O Chachacomani e Chearoco certamente não são as montanhas mais conhecidas pelo leigo. Também não são parte do curriculum de montanhas da maioria dos escaladores. Estes dois gigantes de mais de 6 mil metros são montanhas desconhecidas até mesmo para os bolivianos.

Elas ficam muito próximas uma da outra, no setor norte da Cordilheira Real, numa região onde o Ancohuma, outro 6 mil grande, se destaca na paisagem. Estas duas montanhas, vistas da região do lago Titikaka não parecem ser tão grandes como realmente são e talvez por isso não são tão famosas.

O Chearoko, que é o pico mais difícil e mais alto, com 6104 metros (oficiais), foi escalado pela primeira vez em 1928. Já o Chachacomani, que tem 6078 e é mais fácil, foi escalado pela primeira vez em 47 pelo lado leste, que é mais longo. Por lá também há um certo problema de acesso, pois as comunidades indígenas do lado leste não gostam muito de estrangeiros e até mesmo de boliviano não locais. Antes de nós, nenhum brasileiro havia escaldo o Chearoko e o Chachacomani só havia sido escaldo pelo Waldemar Niclevicz e Bruno Versiani.

Apesar de haver agencias que levam clientes nestas montanhas, é quase impossível conseguir alguma informação sobre elas. Os livros de escalada da Bolívia têm informações muito simplórias, meio que apenas fala que elas existem e que a gente procure por agencias locais para chegar lá. Os guias bolivianos, por sua vez, não são muito de dar informações. Um pouco antes de embarcar nesta roubada, eu acabei tendo que comprar uma bota sucata de um guia boliviano (até lixo se vende por aqui) para poder arrumar a minha bota arruinada e mesmo tendo que pagar caro numa sucata (boliviano é bom de negócio), o tal guia que me vendeu me sonegou informação...

Por tudo isso e mais um pouco, o Chearoko e Chachacomani sempre foram mim montanhas misteriosas, sem informações de como chegar nelas, de como são suas rotas e até mesmo se o acesso seria pelo lado Leste ou Oeste da cordilheira.

Apelando novamente à interpretação das imagens do Google Earth, o Maximo desenhou um acesso à estas montanhas que foi confirmado pelo guia José Carlos da agência Climbing Bolivia (se o cara é honesto eu falo o nome). Assim, pudemos saber por onde começar a escalada e começar a desvendar o mistério destes dois 6 mil pouco famosos.

Na volta de nossa escalada no Chaupi Orko, na Cordilheira de Apolobamba (bem depois da terra de bem bem distante), nem voltamos a La Paz para descansar, fomos diretamente aonde nossas informações dizia para irmos e assim fomos parar na cidade de Peñas, onde vive um padre que de acordo com nossas fontes poderia nos ajudar em revelar o mistério.

O Padre Antonio veio da Itália há muitos anos e antes de morar na Bolívia morava na cordilheira Blanca no Peru. Ele tem até um livro publicado sobre o Huascarán e vivendo na paróquia de Peñas ele não somente conhece as montanhas da região como também abriu diversas vias de escalada em rocha na cidade. Ele nos recebeu com muita humildade e mostrou os mapas da região, que divergia um pouco do caminho georreferenciado pelo Maximo.

Respeitando a experiência do Padre, decidimos seguir o seu caminho e fomos parar numa escola infantil no pueblo de Kelluani, que julgamos ser mais longe que o caminho georreferenciado pelo Max. Resultado, decidimos parar de seguir a indicação dos outros e passamos a acreditar em nosso senso de interpretação de imagens. Acabamos chegando bem mais perto da montanha.

Em nosso caminho, subimos um morro grande e depois acabamos indo parar mais alto no vale do rio Kelluani, ao lado de uma fazenda estilo inca onde vivia o baqueano Félix e o Santos, que diferente dos desconfiados índios da região, percebeu que ganharia mais guiando trekkers e montanhistas na região.

Deixamos nosso jipe estacionado no final da trilha 4x4 e ali começamos nossa jornada rumo as duas montanhas misteriosas seguindo nosso estilo de sempre: Carregando tudo nas costas, sem depender de ninguém, totalmente independentes seguindo nosso próprio planejamento e sem seguir a informação de ninguém, apenas confiando em nossa experiência em achar caminhos e interpretá-los.

Começando a caminhar tarde, depois das duas devido aos encontros e desencontros, fomos ganhando altura pelo vale do Kelluani, nos atrapalhando vez ou outra com a vegetação campestre bastante encharcada de água que vez ou outra ganhava as ladeiras laterais do vale. _ De onde vem tanta água? Reclamava Maximo sobre esta vegetação de banhado.

Evidentemente não havia trilha por ali, mas existiam caminhos de animais, estes sim que se deliciavam com o pasto e água abundante. Achávamos que estávamos num local selvagem, mas na verdade esta é apenas uma sensação, já que mesmo pouco frequentado por humanos, estes vales são colonizados pelos índios há milhares de anos. Na Bolívia, por mais remoto que você esteja, você nunca está num local selvagem. Sempre brota um índio no meio do nada e ali não foi diferente, vimos cholas levando animais a pastar e outros índios guiando um grupo de trekking.

Percorremos os 9 km do carro até a laguna Kelluani no final do vale em poucas horas, mas decidimos acampar ao lado daquele acidente geográfico devido a hora avançada e o cansaço. Escolhemos como sitio de nossa barraca uma praia arenosa ao lado do lago, que se congelou durante a noite, afinal estávamos a quase 5 mil metros.

No dia seguinte acordamos tarde e começamos a caminhar tardiamente, afinal já vínhamos de outra escalada. Mesmo assim nosso destino não era tão distante, outro lago, desta vez menor e mais alto no topo de um planalto de rochas graníticas a 5200 metros, onde em tese estaríamos perto do Chachacomani e com vista privilegiada do Chearoko. Nossa sorte, no entanto, estava mudando. No caminho até este acampamento, Maximo resbalou numa pedra solta e bateu forte seu já machucado joelho. A dor o incomodava, mas ele não queria desistir tão fácil.

Continua...

Ruta 1 indo de Escoma a Peñas

Chegando ao fim da trilha 4x4

Local onde deixamos o carro a 4700 metros de altitude.

Casinhas incaicas no caminho.

Chearoko, na esquerda e Chachacomani na direita.
De camiseta a caminho das montanhas.

Maximo observando os nevados.

Muitos animais no caminho.

Outros picos no caminho.

Lago Kelluani no final do caminho.

Lago Kelluani.
A caminho do campo alto.

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