A melhor estratégia para viajar na Bolívia saindo de La Paz é acordar cedinho e assim pegar as avenidas da cidade de El Alto, periferia satélite e caótica da capital boliviana, vazia. E foi assim que fizemos no dia 13 de Agosto a caminho de Pelechuco, maior cidade da região da cordilheira de Apolobamba.
A Apolobamba é uma cadeia de montanhas que faz fronteira com o Peru e é uma região ainda pouco ocidentalizada. É famosa por ser o contato entre a Amazônia e os Andes, pois as ladeiras das montanhas descem abruptamente até as selvas quentes. É uma região povoada por índios quéchuas, a etnia dos Incas e eles são famosos por serem fechados e não muito receptivos com os brancos.
Pelechuco fica a apenas 300 km de distância, mas a estrada é tão precária que é necessário dedicar um dia inteiro para chegar lá, é muito difícil chegarmos numa velocidade de 40km/h.
Saindo de La Paz em direção a Copacabana (a original), tomamos um desvio em Achacachi, uma cidadezinha pequena e caótica que demonstra a habilidade boliviana em planejar suas urbes. Atravessando esta pequena cidade, fomos dirigindo pelo lado oriental do lago Titikaka, inversamente proporcional às belezas das cidades deste pitoresco país.
Por sorte nem todas as cidades são tão horripilantes e passamos por cidadezinhas bem simpáticas no caminho. Em uma delas, Carabuco, achamos um posto de gasolina vazio e paramos pra ver se conseguíamos comprar este precioso combustível. Hoje em dia na Bolívia, por causa de lei estúpida, é muito difícil comprar gasolina. Carros estrangeiros pagam 3x mais caro e mesmo assim quase todos os postos se negam em te vender, pois eles precisam fazer uma nota fiscal especial e são poucos que o fazem. Os postos são vigiados e por isso é mais fácil comprar cocaína por aqui do que gasolina. Assim, meio escondidos, conseguimos “subornar” o frentista e pagar o equivalente a R$3,00 pelo litro do combustível.
Continuamos nossa viagem e em Escoma deixamos a estrada asfaltada e começamos o caminho de terra rumo à Apolobamba, achando que a partir dali estaríamos entrando num ambiente mais selvagem e livres da Polícia Boliviana, que naquela altura já nos havia parado 3 vezes, uma delas inclusive revistado nosso carro e ter encanado com o bidão extra de gasolina que levávamos. Portar gasolina na Bolívia com carro de placa extrangeira pode ser um problema.
A estradinha de terra atravessava terras áridas do altiplano. Volta e meia passamos por vales banhados por rios de águas cristalinas com campos gramados repletos de lhamas, alpacas, vacas e ovelhas, onde os cães pastores adoravam latir e perseguir a roda de nosso jipe.
Cruzamos também cidadezinhas com casas de adobe, tijolos de barro, que é tecnologia incaica. As casinhas são todas baixas, com portas com menos de 1,5 metros, algumas com teto de palha e outras com teto de telha de zinco. Em todas as cidades haviam pracinhas no centro, sempre com capim natural do próprio altiplano, protegidos com grades para ninguém pisotear, mas eventualmente com alguma lhama pescoçuda aproveitando o descaso dos bolivianos em deixar mato alto tomar conta dos jardins.
Nossa despreocupação com a polícia foi em vão. Nestas cidadezinhas começamos a nos deparar com os chamados “reténs” que são cancelas da polícia onde todos são obrigados a se registrar. Foram 7 no total, alguns a poucos quilômetros de distância de outros, em cada um parecia uma fronteira, mas com sorte não precisamos ser revistados e nem fomos roubados por eles. Eu nunca viajei num país tão vigiado com a Bolívia e tão chato em relação à polícia.
Logo as montanhas apareceram no horizonte e eram muita e muito belas. Montanhas rochosas recobertas de neve formando picos agudos e afiados. Muitos acima dos 5 mil metros, mas apenas um acima dos 6 mil, o Chaupi Orko, montanha que pretendíamos escalar.
Após cruzar o altiplano e ficarmos na dúvida se estávamos no caminho correto, devido à precariedade da estrada e também ao fato de não existirem placas nas bifurcações, a estrada começa a descer em zig zag em um vale profundo, rodeado de cachoeiras, onde a vegetação mais densa começava a mostrar sua forma. Assim, em pouco tempo chegamos em Pelechuco.
A cidade de Pelechuco fica neste vale profundo e é dividida pelo rio de águas cristalinas e cheio de corredeiras. É uma rua de um lado e outra de outro. É uma cidade bastante interessante, tem 456 anos de existência e em seu núcleo urbano não devem viver mais de 1500 pessoas. As ruas são calçadas com rochas de filito, que tem formato afinado e alongado, formando um paralelepípedo diferente. As casas são de pedra e por isso a cidade é uma mistura de cidade medieval europeia e uma cidadela inca, é bastante bonita e pitoresca.
Os únicos hotéis da cidade ficam na praça central, onde também fica uma bela igreja de pedra. A estrutura turística é essa, não há restaurante para o padrão ocidental, ou seja, restaurante onde a comida é limpa e você não vai pegar uma bactéria ou coisa do gênero. Devido a este fato, pedimos ao dono do hotel para fazer um jantar para a gente. Só que inca é inca, quando vc pede algo para eles, é preciso fazer varias vezes e o resultado é que as 9 da noite, famintos, não tínhamos o que comer.
Pedimos então ao dono do hotel para usarmos sua cozinha para prepararmos algo, ele topou, mas ao chegar lá meu estomago embrulhou. Era o melhor Hotel da cidade, mas a cozinha era simplesmente nojenta, imunda. Não havia fogão, mas sim um fogareiro no chão. As panelas e tudo mais eram ensebadas e cheirava lavagem de porco, aliás, havia lá um balde com isso ao lado do fogão. Perdi o apetite, mas forcei em comer um macarrão horroroso que preparei.
E não era apenas a cozinha que era nojenta, o jogo de cama do hotel talvez nunca tivesse sido lavado, isso em vinte anos e pouco. Ele cheirava xixi de gato, mas não era um gato que havia marcado território ali, mas sim centenas de pessoas e seu suor. Pelo menos lá tinha banheiro. Mais tarde, na volta de Pelechuco, ficamos num hotel muitíssimo pior...
Continua....
Lago Titikaka perto de Achacachi. |
Paisagem perto do Titikaka |
Dirigindo no altiplano. |
Lhamas no caminho. |
Cidade no caminho. |
Estrada e montanhas entre nuvens. |
Lhamas saindo da escola em Ula Ula. |
Montanhas vista de Ula Ula e pastagens com muitas lhamas. |
Montanhas e lago no Apolobamba. |
Montanhas do Apolobamba. |
Um ayllu (comunidade indigena). |
índias na estrada |
Chegando em Pelechuco. |
Praça de Pelechuco. |
Ruas medievais de Pelechuco. |
Cozinha boliviana, para fazer todo mundo emagrecer... O balde branco é de lavagem de porco. |
Continua...