A descida para descanso em Vinchina foi uma excelente estratégia, onde pudemos dormir bem, comer bem, tomar banho, lavar roupas, descansar, descontrair, conhecer novas pessoas e renovar. Nos hospedamos no hotel “Portal de Laguna Brava” e ficamos muito amigos com os donos e até jantar de despedida teve.
Acordamos bem cedo e com o Conway carregado, apenas entramos no carro e fomos subindo os Andes, vendo o dia clarear e ganhando altura, atravessando a Quebrada de La Troya, o vale do Peñon e logo chegando à altiplanície da Puna onde o Veladero e o Bonete Chico se destacam verticalmente na paisagem dominada também pelo branco do salar da Laguna Brava.
Apesar de ser a quarta montanha mais alta dos Andes, o Bonete Chico é uma montanha pouco conhecida e pouco escalada. Enquanto o Aconcagua foi escalado pela primeira vez em 1897, o Bonete Chico foi apenas em 1978, muito recentemente.
Falando em Aconcagua e Bonete Chico, muitos confundem esta ultima montanha com o Cerro Bonete, um cume com um pouco mais de 5 mil metros localizada em frente a Plaza de Mulas, o acampamento base da montanha mais alta dos Andes. Na realidade, a toponímia “Bonete” é muito comum nos Andes. Bonete em espanhol é aquele chapeuzinho de aniversário de crianças, daí ser muito usado para designar cumes pontiagudos.
O Bonete Chico é um enorme vulcão com 6779 metros, grande e espalhado. Mas do alto de sua grande cratera se eleva um pequeno cume triangular que dá o nome a montanha. Há atrás deste gigante andino o Bonete Grande, uma montanha de quase 6 mil metros. O que valeu para dar nome à montanha não foi a altitude, mas sim o tamanho da pirâmide do cume.
Deixando a RP76 para trás, após contornarmos a Laguna Brava inteira, entramos numa estrada feita por jipeiros 4x4 que leva até a Corona Del Inca, a maior cratera vulcânica dos Andes que fica a 5500 metros de altitude. Em 2016 ninguém ainda conseguiu chegar lá, pois a primavera de 2015 foi muito rigorosa e só agora os penitentes começam a derreter. O caminho tem muita água deste degelo, mas o gelo persistente ainda impede a subida.
O caminho com chão duro batido começa a dar lugar a um areial largo e sem fim. A poeira sobe com o vento na passagem do Conway e às vezes preciso para deixar ela baixar e prosseguir. O areial vai ficando mais fundo e eu me arrependo de não ter murchado o pneu antes de entrar nele. No entanto, por sorte, o carro não para atolado. Apesar de ser quase onze da manhã, uns 40 cm abaixo da superfície ainda está congelado e por isso não afundo tão profundamente e consigo assim chegar até o máximo que um carro consegue se acercar do Bonete Chico, na altitude de 5 mil metros.
O local, um vale bastante largo e arenoso, é desolador. Ele é cercado de rochas piroclásticas e o vento ergue uma poeira siltosa extremamente desagradável que penetra em qualquer lugar. Com pressa colocamos as mochilas nas costas e começamos a andar para sair logo daquele lugar insalubre, dando um temporário adeus ao Conway que foi ficando pequenino ao tempo que subíamos o arenoso vale. Olhava para trás e falava pro meu carro: _Fique bem que já voltamos! Fique bem, vamos precisar de você!
De fato, o maior medo de deixar o carro num lugar remoto e alto é que na volta ele não funcione mais. Tive até um pesadelo com isso naquela noite...
O vale arenoso, com chão fofo foi ficando para trás e logo começamos a subir uma loma com rochas soltas na superfície que era melhor para caminhar. Paramos para comer e também para por mais roupas, pois a altitude começara a se elevar e o frio a dominar. O cansaço de ter acordado cedo e dirigido me pegou e nestas paradas eu geralmente dormia sentado e era acordado por meus colegas.
Após atravessar esta loma, caímos num vale seco que marcava como sendo o acampamento 1 no GPS. Não havia neve para derreter e por isso decidimos cruzar o vale e achar algo mais alto. Além de mim, a Paula também estava cansada e desejávamos achar um bom local para acampar.
Caminhamos mais cerca de 40 minutos e achamos um campo de neve e um local quase plano onde montamos as barracas. Apesar de aparentemente bom, ele era exposto ao vento e no final de tarde ele deu as caras para congelar nossa pele exposta. Nos entocamos na barraca e começamos a fazer água com o fogareiro funcionando a mil. Depois fizemos um jantar e assim que o sol desapareceu entramos nos sacos de dormir para ter uma boa noite de sono. Pelo menos para mim que parecia um zumbi, ainda que tive aquele sonho de que meu carro não funcionara ali no meio do nada.
O vento cessou com o nascer de um novo dia e menos castigados pelo ambiente hostil pudemos desmontar o acampamento sem que nada voasse e assim nos colocamos em marcha novamente, indo em direção ao acampamento 2 na montanha.
Pelo caminho, no meio da vastidão gigante daquela montanha espalhada, o Vini observou um pontinho amarelo que ao aproximar surpreendentemente nos mostrou ser uma barraca. Vi meus parceiros se aproximarem e se agacharem para falar com alguém que habitava a pequena casa de tecido.
Era uma mulher austríaca. Seu marido havia saído para tentar o cume e ela voltara. Foi muito bom saber que havia mais gente na montanha e que estavam atacando daquela altitude: 5750 metros. Conversamos um pouco e continuamos, para encontrar seu marido no caminho de volta, um senhor experiente que já esteve no Himalaia e conhecia o casal Coelho de São Paulo. Ele nos deu umas dicas, falou de um falso cume na montanha e partiu para encontrar sua mulher e descer até Copiapó descansar.
Um pouco mais alto, conseguimos ver outros 4 pontinhos chegando perto da barraca amarela e depois partindo para um local mais alto. Que sorte, nunca houve tanta gente naquela montanha! Chegamos ao nosso local de acampamento a 5990 metros e ficamos esperando por vizinhos que não vieram.
A noite foi calma sem frio e vento. Fui dormir na expectativa de ter um belo dia para cume. Tudo conspirava para isso: Tempo bom, estarmos descansados e muito próximo do cume.
Chegando aos 5 mil metros com o carro |
Subindo o vale pela areia. |
Conway ficando pequeno com o ganhar de altura. |
Subindo a loma com rochas soltas, ao fundo se vê o Baboso. |
Com o Bonete Chico ao fundo. |
Acampamento 1 na montanha. |
Chegando no acampamento dos austríacos. Consegue ver um pontinho amarelo? |
Nosso acampamento 2 a 5990 metros de altitude. |