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Após passarmos dois dias "acampados" numa construção abandonada na mina La Mejicana, o dia amanheceu bem melhor que o anterior, com um calorzinho pela manhã e menos vento, apesar de ainda haver nebulosidade na montanha.
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Após passarmos dois dias "acampados" numa construção abandonada na mina La Mejicana, o dia amanheceu bem melhor que o anterior, com um calorzinho pela manhã e menos vento, apesar de ainda haver nebulosidade na montanha.
Seguindo a dica de nossos amigos argentinos, voltei o
caminho e peguei uma trilha em outro vale, que logo de início se mostrou bem
íngreme e ficou ainda pior. No final do vale, ele se fechava como um anfiteatro
e ali a estrada subia em zig zags que as vezes era necessário dar ré em curva. Era
temeroso, pois qualquer vacilo a queda seria de centenas de metros e vira e
volta eu tinha que desviar de uma pedra maior que caia das encostas íngremes da
montanha.
O resultado, por outro lado, é que subimos bem alto e logo
estávamos a 4900 metros num local onde nosso amigo nos avisara que havia dois contêineres
em “L” que era um laboratório de uma universidade local.
Subindo até o "acampamento alto" do Famatina. |
Trilha em zig zag até o campo alto do Famatina. |
Ventava muito e eu tinha esperança de poder dormir dentro de
um dos contêineres que ficavam aberto, de acordo com ele, para servir de
refúgio. No entanto, ao tentar abrir a porta do contêiner, que estava entre
aberta, percebo que o mesmo estava queimado. Dando a volta pelo laboratório,
percebo uma fresta por onde se podia entrar e vejo que o laboratório inteiro
havia sido incendiado. Foi uma grande decepção e tristeza, por que alguém faria
aquilo? Pior, agora teríamos que acampar no vento.
Colocando o Conway em frente a uma das paredes, transformei
o “L” do laboratório em um “U”, que funcionou parcialmente, já que o carro tem
um vão enorme no chão, pois ele é levantado 3 polegadas na suspensão (o que
aliás foi uma maravilha tendo em condições a estrada).
Fazia muito frio e era inevitável a preocupação com o tempo.
Ficava imaginando se a gente não havia chegado cedo demais. Nem sempre o
inverno é a pior época para escalar uma montanha. Na Bolívia e no Peru, por
exemplo, é a melhor temporada, pois ali é próximo do Equador e no verão há
muita precipitação o que torna qualquer ascensão muito mais difícil que no
inverno, quando é mais seco e o frio, bom o frio sempre é frio nas montanhas.
Na Puna do Atacama o verão não é ruim, mas é normal ter
massas de umidade vindas Bolívia que causa tempestades por aqui. A vantagem, no
entanto, é que no verão é bem mais quente e é possível fazer montanhas de 6 mil
com botas simples dependendo da ocasião. No entanto estamos no inverno e aqui é
quase a mesma latitude que Porto Alegre e o Uruguai, então dá para imaginar a
temperatura lá em cima.
Eu sempre escalei aqui no verão. Primeiramente em 2006 naviagem do Corsa, depois 2013 com o Waldemar Niclevicz, 2014 com Luis Antoniuttie seu filho Luca, 2015 duas vezes, uma com a Maria e outra guiando o Ojos emMarço, quando uma chuva de verão provocou uma tragédia. Maximo sempre dizia que
o bom era na primavera e no outono, quando é seco e não tão frio. No entanto, princípios
de setembro ainda é inverno e o tempo não estava tão bom assim...
Fomos dormir tomando cuidado para não deixar as coisas
congelarem. Como sempre, deixei a água entre eu e meu companheiro, que no caso
agora é a Suzie. Mas não adiantou, quando tocou o despertador uma das garrafas
de água estava dura como pedra.
Derreti um pouco de água que tínhamos para nos hidratar,
comi qualquer porcaria e as 5:30 estava caminhando rumo ao cume. Além do
problema do frio e do vento, ainda tinha o problema da lua nova e a escuridão.
Foi difícil achar o caminho no começo, mas depois achei uma trilha e
conseguimos ganhar tempo.
Como fazia muito frio, nem paramos no começo, só parando
para hidratar depois de umas 3 horas. Ao tirar a bandana que uso tapando a boca
para não secar a garganta, percebo que a mesma estava grudada na minha barba e
que havia muito gelo pendurada nela. Só aí percebi a exata temperatura em que
estávamos.
A trilha continuava serpenteando uma vertente, mas
desapareceria um pouco mais ao alto quando o terreno começava a ficar mais pedregoso.
Após vencer este lance, fomos parar em cima de um platô onde há diversos lagos,
todos congelados e dali emergia a pirâmide do cume.
Neste momento, Suzie estava muito cansada e já cogitava em
desistir. No entanto eu incentivei ela a continuar, dizendo que dali seria fácil
e rápido. Acho que ela se decepcionou ao chegarmos neste platô e observar que a
pirâmide do cume era tão grande e alta. Mas continuamos.
Atravessando o grande platô tivemos que ascender um trecho
de neve dura sem crampon (que eu não trouxera, pois todo mundo dizia que esta
montanha era fácil). Equilibrando conseguimos vencer o trecho e chegar num
local com rochas fáceis de serem transpostas. Mas ali a Suzie estava muito
cansada e tive que diminuir o ritmo.
Em diversas vezes eu parava e a esperava e a incentivava que
o cume era logo ali, mas acabou que cada local que eu falava que “era logo ali”
se transformava num falso cume. Teve um que até eu acreditou e quando cheguei
lá encontrei mais um platô e mais uma pirâmide. Que assim como a outra tinha
uma encosta nevada.
Desviando mais um vez desta encosta, parei para descansar
quase em seu topo, esperando Suzie chegar. Desta vez, pelo GPS, eu sabia que o
cume era de fato logo ali. Assim, logo que ela chegou fui até o topo onde fui
recepcionado com um vento extremamente forte vindo de Oeste (posição oposta a
nossa) e quase congelei.
Mal tive tempo de ficar ali em cima e comemorar meu 33 cume
de 6 mil metros nos Andes, pois o frio era muito forte. Descendo um pouco a
encosta contraria eu pude me dar conta do ocorrido e jogar as cinzas do Parofes
e celebrar também meus 17 anos de intenso montanhismo.
A volta foi muito sofrida para a Suzie. Acabei no final me
distanciando dela para chegar antes no Conway e dar a partida. Com aquele frio
todo, foi bem difícil arrancar o motor. Como não estava afim de ficar por ali
mais uma noite, desci no final de tarde pela estradinha perigosa, pegando um
trecho noturno no final.
Como ficou tarde, não conseguimos ir muito longe e paramos
na cidadezinha de Famatina para dormir. Tudo estava perfeito, a não ser um
barulho estranho que apareceu no Conway. O que será que é?
Contêineres a 4900 metros que serviram de acampamento alto na montanha |
Interior do laboratório incendiado |
Vista para a região da Mina La Mejicana e suas estradinhas |
Barba congelada a 5 mil e poucos metros. |
Vista para a parte inferior do Nevado Famatina |
Transversal que levava até o platô |
Piramide final do cume. |
Subindo a ultima crista. |
Último "falso" cume |
No cume. Sensação térmica de -40 graus e ventos de 75 km/h |
Suzie no cume |
Não esqueci do Parofes. |