:: Leia o relato anterior desta expedição
Algumas coisas aconteceram depois que escrevi da última vez. Eu estava na cidade de Campo Largo, na província do Chaco, bem no limite entre a pampa úmida (aquela que é a paisagem dos gaúchos) e a pampa seca, que faz parte da diagonal arréica da América do Sul, uma faixa de terra que acompanha os Andes e que tem por característica o clima árido ou semi árido e a vegetação seca.
Algumas coisas aconteceram depois que escrevi da última vez. Eu estava na cidade de Campo Largo, na província do Chaco, bem no limite entre a pampa úmida (aquela que é a paisagem dos gaúchos) e a pampa seca, que faz parte da diagonal arréica da América do Sul, uma faixa de terra que acompanha os Andes e que tem por característica o clima árido ou semi árido e a vegetação seca.
Continuando a rodovia a partir de Campo Largo, atravessamos
diversas cidadezinhas agrícolas. Lojas de tratores e de implementos agrícolas
existem aos montes na beira da estrada, mas parece que a prosperidade do
agronegócio na Argentina não anda muito bem. Em muitos locais vi faixas de
protesto. Em Quimili, tratores e caminhões bloqueavam a rodovia, nos obrigando
a tomar um desvio de terra.
Entramos na província de Santiago del Estero e poucos
quilômetros após a divisa as plantações dão lugar à vegetação do Chaco, que é
um tipo e uma caatinga, seca e espinhenta. A estrada é monótona, sem curvas e
sem nenhuma mudança na paisagem. Passo horas sem pisar no acelerador, apenas
mantendo o Conway (meu carro), no piloto automático. Quase durmo no volante.
Após 3 horas dirigindo assim, entramos na primeira cidade,
Suncho Coral, a qual atravessamos rapidamente. É uma cidade pequena e pobre,
banhado pela rio Salado. Este caminho me faz lembrar a primeira vez que estive
ali, em 2006, a bordo de meu Corsa indo exatamente ao Paso San Francisco.
Lembro-me da polícia tentando me extorquir no posto antes da ponte metálica que
cruza o rio e o leito da antiga estrada o que é apenas asfaltado, ou melhor
cimentado, na faixa no centro da pista. Era necessário desviar para o
acostamento de terra toda vez que aparecia um carro e isso me cegava de tanta
poeira.
Paramos para comer uma carne em um restaurante amigável e 30
km depois já estávamos entrando em Santiago del Estero, a capital da província,
que é a cidade mais antiga da Argentina. Estive ali 3 vezes, uma delas eu
pernoitei num hotel na cidade junto com minha namorada Maria, no regresso de
uma de minhas melhores expedições, em janeiro deste ano. Apesar de antiga,
Santiago não preservou nada do passado e não é uma cidade interessante que valha
a pena conhecer.
Após cruzar Santiago, tomamos uma estrada em direção oeste e
após uma grande reta no meio do Chaco encontramos a primeira serra da estrada,
a Serra de Guaiayan. Ali a estrada se afina e é preciso subir devagar. As
cruzes em cada curva mostram a periculosidade do local, embora eu ache que são
os argentinos que não sabem dirigir devagar, o problema.
No topo paramos para observar uma arvore curiosa. Com tronco
grosso, desproporcional a seu tamanho, ela tem ocelos na casca e painas gigantes,
que parecem algodão. Uma mistura da nossa paineira com os baobás africanos.
Árvore parecida com Painera na Serra de Gauaiayan. |
Paina do Baobá da Serra do Guaiayan. |
Na descida damos de frente com uma nuvem de gafanhotos
gigantes. Com 10 cm de cumprimento, eles se despedaçavam ao bater no carro,
sujando o para-brisa com uma gosma amarela. Continuando, passamos por uma
cidadezinha e mais tarde uma ponte sobre um rio seco onde em 2006 eu e Maximo
acampamos escondidos, pois não tínhamos dinheiro para pagar um hotel e tão
pouco queríamos ser assaltados. Ali estávamos ao lado da divisa tríplice entre
Tucumán, Santiago del Estero e Catamarca.
Insetos gigantes |
Continuando nossa viagem, passamos por fora da capital de Catamarca
e continuamos rumo ao sul, até derivar para oeste, onde atravessamos uma
serrinha, já à noite, aonde do outro lado encontra-se a cidade de Aimogasta, aonde
quase atropelei uma motinho de 100 cc dirigindo na noite de lua nova a 40 km/h
na estrada sem nenhuma luz acessa. Susto!
Em pouco tempo chegamos em Tinogasta, onde decidimos dormir,
pois é uma cidade um pouco maior onde provavelmente poderíamos ter acesso à
internet. Ledo engano. Jantamos e fomos dormir sem conseguir nos comunicar.
Acordo tarde no dia seguinte com o barulho do vento. Infelizmente
eram os ventos Zonda, um jet stream que desce da altitude algumas vezes por ano
e provocam muitos estragos. No caminho até Fiambalá, estes ventos sacudiam o
carro e jogavam areia sobre nós. Isso me deixava muito assustado, pois sei como
é a Puna com vento, nada agradável.
E finalmente, após 3 dias de viagem chegamos a Fiambalá, a
cidade base para dezenas de escaladas nos Andes, onde já estive outras tantas
vezes. Ali mora Johson Reynoso, quem cuida das ascensões da região. Paro em seu
escritório para bater um papo e registrar meu rastreador Spot com seu celular e
email. Se der algo errado, ele é a única pessoa que pode me ajudar.
Com Johson Reynoso |
Converso com Reynoso e ele me conta as novidades. Desde que
estive ali, em Março deste ano, quase não houve expedições, somente às
montanhas mais acessíveis. Há 3 carros abandonados nas montanhas, uma perto do
Walter Penck e dois na base do Pissis, que ficaram ali depois da tempestade que
resultou na enchente em Copiapó e na morte do indiano Malli Mastan Babu.
A conversa foi boa, até mesmo porque pude acessar internet e
descobrir que minha permissão estava pronta e eu poderia seguir viagem. No
entanto ao imprimir a permissão descubro que a estrada que leva ao Chile estava
fechada devido ao mal tempo. Ventos de 125 km/h, frio de -20 graus e neve
impediram o cruzamento.
No entanto, como não quero perder tempo, decido pegar a
estrada e subo até uma antiga casa de adobe em Cortadera, onde em 2006 eu e
Maximo dormimos 2 noites em nossa primeira viagem de carro pelos Andes.
O local permanecesse igual, mas a casinha está melhor
equipada. Continua suja e acredito cheia de ratos a noite, mas colocaram mesas
e churrasqueiras para cozinhar. Aqui, há 3200 metros será nossa primeira noite
na altitude. Espero que não faça muito frio....
Barrados na Fronteira
A noite fez muito menos vento que o esperado, ou pelo menos o
local que escolhi para armar a barraca e deixar o Conway foram os mais
apropriados. Os ventos Zonda são jet streams. Eles são originários da própria
rotação da terra, mas aparecem somente em grandes altitudes. Quando os aviões
estão em cruzeiro, eles são responsáveis por acelerar ou retardar viagens,
fazendo que as companhias aéreas economizem ou gastem mais dinheiro com
combustível.
Por algum motivo, este ventos perdem altitude algumas vezes
por ano. Tivemos o infortúnio de chegar aqui bem em uma dessas épocas. Como o
vento vem do oeste, deixei o carro numa varandinha na parte leste da antiga
construção. Acredito que esta varandinha e a entrada principal serem voltada à
leste é prova de que o vento é bem mais frequente que se imagina.
Não estávamos com fome, por isso comemos apenas uma sopa
leve e tomamos leite com chocolate em pó. Se eu soubesse que o tempo ia estar
assim, teria ficado até mais tarde em Fiambalá e esperaria o mercado abrir
depois da maldita Siesta (que sempre atrapalha minhas viagens) para comprar
mais comida. Alguma fresca, como queijo e carne. Neste refúgio era possível até
assar um churrasquinho.
Com o cair da noite o vento deu uma acalmada e fomos dormir
quase às 21 horas. Não estava cansado, mas o sono veio rápido. Ainda tive tempo
de olhar as estrelas que coalhavam o céu e recordar quando estive ali pela
primeira vez.
Isso foi em fevereiro de 2006. A bordo de meu pequeno Corsa
branco chegamos na estrada que leva ao Chile com uma mistura de admiração e
medo. Após passar a noite no leito daquele rio seco, próximo à divisa entre
Santiago del Estero, Tucumán e Catamarca, acordamos com os primeiros raios de
sol e não demoramos muito a chegar na capital de Catamarca, onde achamos um
supermercado onde compramos nossas provisões.
No caminho da estrada, achamos um café, onde paramos para
comer uma bobagem e vi pela primeira vez na minha vida internet Wireless.
Fiquei muito maravilhado ao ver o Macbook do Maximo conectando com tanta
facilidade. Não me recordo bem da travessia da serrinha que leva à Aimogasta,
mas lembro bem dessa cidade, com seus postes vermelhos na avenida principal e
também as fazendas de oliva. Me recordo levemente de estar passando por
Tinogasta e de Fiambalá lembro apenas do posto de gasolina e da luz do sol do
fim do dia.
Já na estrada internacional, me recordo de que o asfalto
naquela época era interrompida num local onde ela se estreitava num vale
escarpado, a “Quebrada de las Angosturas”. Admirando a belíssima paisagem e
tentando interpretá-la dum ponto de vista geomorfológico (pois havia acabado de
me formar em Geografia) deixei Corsa ferver e aquilo me deixou muito assustado.
Havia um baqueano cuidando de ovelhas e antes que minha preocupação acabasse,
Maximo foi até um rio próximo e trouxe água para colocar no radiador. Algo que
eu não faria hoje em dia. Não sei porque esta imagem dele jogando água no motor
sob a luz clara do fim da tarde na altitude é a lembrança mais forte que tenho
desta viagem.
Pouco tempo depois de ter fervido o carro passamos por Chaschuil
e pude perceber que assim como na Patagônia, no norte se dava nomes a locais
apenas por sua importância como localização. Pensei que haveria pelo menos
algumas casas em Chaschuil, mas lá é apenas o local onde a Ruta 60 faz uma
curva. Em Cortaderas, poucos quilômetros depois, não havia nada, apenas a
entrada para uma casa de adobe abandonada ao lado do rio. Este mesmo local onde
dormimos agora foi o local que dormimos na primeira noite que passamos nos
Andes em 2006.
Felizes com o local agradável, montamos a barraca perto do
rio, ignorando a casa abandonada. Aproveitamos minha chapa de ferro, a qual eu
costumava fazer pão com linguiça, pão na chapa e outras iguarias na república
de Rio Claro e fizemos “Choripan”, uma cena que ficou imortalizada num vídeo
que mais tarde Maximo editou desta viagem. Teríamos refrigerante “Paso de los
Toros” de Pomelo naquela refeição, se não tivéssemos esquecido garrafa, que
deixamos dentro do rio para esfriar.
Após voltarmos de uma tentativa mal sucedida de escalar o Incahuasi
em 2006, dormimos no mesmo lugar, mas desta vez dentro da casa. Tivemos sorte
de achar a garrafa de 3 litros de Paso de los Toros, mas azar por ser assolados
pelos ratos dentro da casa, que nos forçou montar a barraca lá fora.
Como minha experiência 9 anos antes me avisava, desta vez
dormimos lá fora, sem ratos e com tranquilidade. Fez -5 graus à noite, mas nem
senti frio. Acordamos tarde e sem pressa, pois sabíamos que era muito provável
que a fronteira estivesse fechada.
Com os galões de água carregados, tivemos uma viagem
tranquila e apenas paramos para ver um Condor ou ir vez ou outra ao “banheiro”.
Aliás estamos aclimatando e beber bastante água é fundamental.
Estrada do Paso San Francisco |
Após cerca de uma hora chegamos ao complexo fronteiriço de
Las Grutas e lá fomos informados que não podíamos seguir viagem, pois o lado
chileno da fronteira estava com muita neve e gelo na estrada. Perguntei se
podíamos dormir no refúgio que existe ali e se podíamos ir nas termas
localizada menos de 3 km de lá. Negativo para ambas perguntas.
Infelizmente a Gendarmeria argentina está com uma política
de muita restrição no Paso San Francisco, proibindo a ascensão de todas as
montanhas, até as mais fáceis, como o Bertrandt. Eles também não permitem o
pernoite no refúgio de Las Grutas que é público e não deixa você passar a
fronteira com galão de combustível, impedindo que você realize qualquer
escalada, pois apenas para chegar ali, já é gasto metade de um tanque de um
caro normal.
Não tivemos outra opção senão voltar e dormir em Las Peladas,
onde há um pequeno refúgio há 4040 metros de altitude. Nada mal para quem está
aclimatando.
O problema, no entanto, é que Las Peladas fica num vale
muito aberto e o vento Zonda não pára de nos castigar. O barulho de vento é
infernal e como aqui não tem nada para fazer, a única opção é ler e escrever,
até a bateria do computador acabar.
Interior do Refúgio n. 5 |
Refúgio n. 5 |