Blog do Pedro Hauck: Atravessando a pampa árida e chegando no Paso San Francisco

13 de setembro de 2015

Atravessando a pampa árida e chegando no Paso San Francisco

:: Leia o relato anterior desta expedição

Algumas coisas aconteceram depois que escrevi da última vez. Eu estava na cidade de Campo Largo, na província do Chaco, bem no limite entre a pampa úmida (aquela que é a paisagem dos gaúchos) e a pampa seca, que faz parte da diagonal arréica da América do Sul, uma faixa de terra que acompanha os Andes e que tem por característica o clima árido ou semi árido e a vegetação seca.

Continuando a rodovia a partir de Campo Largo, atravessamos diversas cidadezinhas agrícolas. Lojas de tratores e de implementos agrícolas existem aos montes na beira da estrada, mas parece que a prosperidade do agronegócio na Argentina não anda muito bem. Em muitos locais vi faixas de protesto. Em Quimili, tratores e caminhões bloqueavam a rodovia, nos obrigando a tomar um desvio de terra.

Entramos na província de Santiago del Estero e poucos quilômetros após a divisa as plantações dão lugar à vegetação do Chaco, que é um tipo e uma caatinga, seca e espinhenta. A estrada é monótona, sem curvas e sem nenhuma mudança na paisagem. Passo horas sem pisar no acelerador, apenas mantendo o Conway (meu carro), no piloto automático. Quase durmo no volante.

Após 3 horas dirigindo assim, entramos na primeira cidade, Suncho Coral, a qual atravessamos rapidamente. É uma cidade pequena e pobre, banhado pela rio Salado. Este caminho me faz lembrar a primeira vez que estive ali, em 2006, a bordo de meu Corsa indo exatamente ao Paso San Francisco. Lembro-me da polícia tentando me extorquir no posto antes da ponte metálica que cruza o rio e o leito da antiga estrada o que é apenas asfaltado, ou melhor cimentado, na faixa no centro da pista. Era necessário desviar para o acostamento de terra toda vez que aparecia um carro e isso me cegava de tanta poeira.

Paramos para comer uma carne em um restaurante amigável e 30 km depois já estávamos entrando em Santiago del Estero, a capital da província, que é a cidade mais antiga da Argentina. Estive ali 3 vezes, uma delas eu pernoitei num hotel na cidade junto com minha namorada Maria, no regresso de uma de minhas melhores expedições, em janeiro deste ano. Apesar de antiga, Santiago não preservou nada do passado e não é uma cidade interessante que valha a pena conhecer.

Após cruzar Santiago, tomamos uma estrada em direção oeste e após uma grande reta no meio do Chaco encontramos a primeira serra da estrada, a Serra de Guaiayan. Ali a estrada se afina e é preciso subir devagar. As cruzes em cada curva mostram a periculosidade do local, embora eu ache que são os argentinos que não sabem dirigir devagar, o problema.

No topo paramos para observar uma arvore curiosa. Com tronco grosso, desproporcional a seu tamanho, ela tem ocelos na casca e painas gigantes, que parecem algodão. Uma mistura da nossa paineira com os baobás africanos.

Árvore parecida com Painera na Serra de Gauaiayan.

Paina do Baobá da Serra do Guaiayan.

Na descida damos de frente com uma nuvem de gafanhotos gigantes. Com 10 cm de cumprimento, eles se despedaçavam ao bater no carro, sujando o para-brisa com uma gosma amarela. Continuando, passamos por uma cidadezinha e mais tarde uma ponte sobre um rio seco onde em 2006 eu e Maximo acampamos escondidos, pois não tínhamos dinheiro para pagar um hotel e tão pouco queríamos ser assaltados. Ali estávamos ao lado da divisa tríplice entre Tucumán, Santiago del Estero e Catamarca.

Insetos gigantes

Continuando nossa viagem, passamos por fora da capital de Catamarca e continuamos rumo ao sul, até derivar para oeste, onde atravessamos uma serrinha, já à noite, aonde do outro lado encontra-se a cidade de Aimogasta, aonde quase atropelei uma motinho de 100 cc dirigindo na noite de lua nova a 40 km/h na estrada sem nenhuma luz acessa. Susto!

Em pouco tempo chegamos em Tinogasta, onde decidimos dormir, pois é uma cidade um pouco maior onde provavelmente poderíamos ter acesso à internet. Ledo engano. Jantamos e fomos dormir sem conseguir nos comunicar.

Acordo tarde no dia seguinte com o barulho do vento. Infelizmente eram os ventos Zonda, um jet stream que desce da altitude algumas vezes por ano e provocam muitos estragos. No caminho até Fiambalá, estes ventos sacudiam o carro e jogavam areia sobre nós. Isso me deixava muito assustado, pois sei como é a Puna com vento, nada agradável.

E finalmente, após 3 dias de viagem chegamos a Fiambalá, a cidade base para dezenas de escaladas nos Andes, onde já estive outras tantas vezes. Ali mora Johson Reynoso, quem cuida das ascensões da região. Paro em seu escritório para bater um papo e registrar meu rastreador Spot com seu celular e email. Se der algo errado, ele é a única pessoa que pode me ajudar.

Com Johson Reynoso

Converso com Reynoso e ele me conta as novidades. Desde que estive ali, em Março deste ano, quase não houve expedições, somente às montanhas mais acessíveis. Há 3 carros abandonados nas montanhas, uma perto do Walter Penck e dois na base do Pissis, que ficaram ali depois da tempestade que resultou na enchente em Copiapó e na morte do indiano Malli Mastan Babu.

A conversa foi boa, até mesmo porque pude acessar internet e descobrir que minha permissão estava pronta e eu poderia seguir viagem. No entanto ao imprimir a permissão descubro que a estrada que leva ao Chile estava fechada devido ao mal tempo. Ventos de 125 km/h, frio de -20 graus e neve impediram o cruzamento.

No entanto, como não quero perder tempo, decido pegar a estrada e subo até uma antiga casa de adobe em Cortadera, onde em 2006 eu e Maximo dormimos 2 noites em nossa primeira viagem de carro pelos Andes.

O local permanecesse igual, mas a casinha está melhor equipada. Continua suja e acredito cheia de ratos a noite, mas colocaram mesas e churrasqueiras para cozinhar. Aqui, há 3200 metros será nossa primeira noite na altitude. Espero que não faça muito frio....

Barrados na Fronteira

A noite fez muito menos vento que o esperado, ou pelo menos o local que escolhi para armar a barraca e deixar o Conway foram os mais apropriados. Os ventos Zonda são jet streams. Eles são originários da própria rotação da terra, mas aparecem somente em grandes altitudes. Quando os aviões estão em cruzeiro, eles são responsáveis por acelerar ou retardar viagens, fazendo que as companhias aéreas economizem ou gastem mais dinheiro com combustível.

Por algum motivo, este ventos perdem altitude algumas vezes por ano. Tivemos o infortúnio de chegar aqui bem em uma dessas épocas. Como o vento vem do oeste, deixei o carro numa varandinha na parte leste da antiga construção. Acredito que esta varandinha e a entrada principal serem voltada à leste é prova de que o vento é bem mais frequente que se imagina.

Não estávamos com fome, por isso comemos apenas uma sopa leve e tomamos leite com chocolate em pó. Se eu soubesse que o tempo ia estar assim, teria ficado até mais tarde em Fiambalá e esperaria o mercado abrir depois da maldita Siesta (que sempre atrapalha minhas viagens) para comprar mais comida. Alguma fresca, como queijo e carne. Neste refúgio era possível até assar um churrasquinho.
Com o cair da noite o vento deu uma acalmada e fomos dormir quase às 21 horas. Não estava cansado, mas o sono veio rápido. Ainda tive tempo de olhar as estrelas que coalhavam o céu e recordar quando estive ali pela primeira vez.

Isso foi em fevereiro de 2006. A bordo de meu pequeno Corsa branco chegamos na estrada que leva ao Chile com uma mistura de admiração e medo. Após passar a noite no leito daquele rio seco, próximo à divisa entre Santiago del Estero, Tucumán e Catamarca, acordamos com os primeiros raios de sol e não demoramos muito a chegar na capital de Catamarca, onde achamos um supermercado onde compramos nossas provisões.

No caminho da estrada, achamos um café, onde paramos para comer uma bobagem e vi pela primeira vez na minha vida internet Wireless. Fiquei muito maravilhado ao ver o Macbook do Maximo conectando com tanta facilidade. Não me recordo bem da travessia da serrinha que leva à Aimogasta, mas lembro bem dessa cidade, com seus postes vermelhos na avenida principal e também as fazendas de oliva. Me recordo levemente de estar passando por Tinogasta e de Fiambalá lembro apenas do posto de gasolina e da luz do sol do fim do dia.

Já na estrada internacional, me recordo de que o asfalto naquela época era interrompida num local onde ela se estreitava num vale escarpado, a “Quebrada de las Angosturas”. Admirando a belíssima paisagem e tentando interpretá-la dum ponto de vista geomorfológico (pois havia acabado de me formar em Geografia) deixei Corsa ferver e aquilo me deixou muito assustado. Havia um baqueano cuidando de ovelhas e antes que minha preocupação acabasse, Maximo foi até um rio próximo e trouxe água para colocar no radiador. Algo que eu não faria hoje em dia. Não sei porque esta imagem dele jogando água no motor sob a luz clara do fim da tarde na altitude é a lembrança mais forte que tenho desta viagem.

Pouco tempo depois de ter fervido o carro passamos por Chaschuil e pude perceber que assim como na Patagônia, no norte se dava nomes a locais apenas por sua importância como localização. Pensei que haveria pelo menos algumas casas em Chaschuil, mas lá é apenas o local onde a Ruta 60 faz uma curva. Em Cortaderas, poucos quilômetros depois, não havia nada, apenas a entrada para uma casa de adobe abandonada ao lado do rio. Este mesmo local onde dormimos agora foi o local que dormimos na primeira noite que passamos nos Andes em 2006.

Felizes com o local agradável, montamos a barraca perto do rio, ignorando a casa abandonada. Aproveitamos minha chapa de ferro, a qual eu costumava fazer pão com linguiça, pão na chapa e outras iguarias na república de Rio Claro e fizemos “Choripan”, uma cena que ficou imortalizada num vídeo que mais tarde Maximo editou desta viagem. Teríamos refrigerante “Paso de los Toros” de Pomelo naquela refeição, se não tivéssemos esquecido garrafa, que deixamos dentro do rio para esfriar.

Após voltarmos de uma tentativa mal sucedida de escalar o Incahuasi em 2006, dormimos no mesmo lugar, mas desta vez dentro da casa. Tivemos sorte de achar a garrafa de 3 litros de Paso de los Toros, mas azar por ser assolados pelos ratos dentro da casa, que nos forçou montar a barraca lá fora.

Como minha experiência 9 anos antes me avisava, desta vez dormimos lá fora, sem ratos e com tranquilidade. Fez -5 graus à noite, mas nem senti frio. Acordamos tarde e sem pressa, pois sabíamos que era muito provável que a fronteira estivesse fechada.

Com os galões de água carregados, tivemos uma viagem tranquila e apenas paramos para ver um Condor ou ir vez ou outra ao “banheiro”. Aliás estamos aclimatando e beber bastante água é fundamental.

Estrada do Paso San Francisco

Após cerca de uma hora chegamos ao complexo fronteiriço de Las Grutas e lá fomos informados que não podíamos seguir viagem, pois o lado chileno da fronteira estava com muita neve e gelo na estrada. Perguntei se podíamos dormir no refúgio que existe ali e se podíamos ir nas termas localizada menos de 3 km de lá. Negativo para ambas perguntas.

Infelizmente a Gendarmeria argentina está com uma política de muita restrição no Paso San Francisco, proibindo a ascensão de todas as montanhas, até as mais fáceis, como o Bertrandt. Eles também não permitem o pernoite no refúgio de Las Grutas que é público e não deixa você passar a fronteira com galão de combustível, impedindo que você realize qualquer escalada, pois apenas para chegar ali, já é gasto metade de um tanque de um caro normal.

Não tivemos outra opção senão voltar e dormir em Las Peladas, onde há um pequeno refúgio há 4040 metros de altitude. Nada mal para quem está aclimatando.

O problema, no entanto, é que Las Peladas fica num vale muito aberto e o vento Zonda não pára de nos castigar. O barulho de vento é infernal e como aqui não tem nada para fazer, a única opção é ler e escrever, até a bateria do computador acabar.

Interior do Refúgio n. 5

Refúgio n. 5


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