Blog do Pedro Hauck: Guiana portuguesa e espanhola

5 de janeiro de 2011

Guiana portuguesa e espanhola

Olhando o Mapa da América do Sul desde criança, sempre me indaguei sobre três paisinhos pouco conhecidos no norte do continente, tratam-se das três Guianas: Guiana (inglesa) Suriname (Guiana Holandesa) e Guiana Francesa.

Eles são países muito diferentes dos visinhos, a começar pela colonização. Enquanto Na América do Sul houve colonização portuguesa e espanhola, ali houve colonização inglesa, holandesa e francesa (por supuesto, não?!). Enquanto por aqui predominou um sistema agrário baseado em mão de obra de negros cativos e na América espanhola de índios, nas guianas, baseado no pensamento "libertário" (entre aspas é claro) da Inglaterra industrial do século XIX, houve o emprego de mão de obra assalariada provenientes de colônias asiáticas destas metrópoles, como indianos e paquistaneses na Guiana, indonésios no Suriname e vietnamitas na Guiana Francesa, que até hoje é uma colônia da França, usa o Euro e não quer se ver independente.

O que não é diferente é a condição de pobreza que se encontram estes países, com exceção da colônia francesa. O Suriname, ex. colônia da Holanda independente desde a década de 70, tem os piores índices econômicos e sociais da América do Sul e a Guiana não é muito diferente.

Nestes países, culturas e etnias se misturam. Depois de livres, os negros escravos que trabalhavam nas fazendas destes países ficaram sem empregos e fugiram para a Floresta Amazônica, formando espécies de quilombos, onde suas culturas se misturaram com a dos nativos. Hoje estas pessoas dominam estes territórios, aonde os governos frágeis destes países não chegam. Estes povos são chamados de "Pretos da Floresta".

Os Pretos da Floresta cobram impostos, taxas e mandam na floresta. Eles entraram em conflito com os garimpeiros provenientes do Brasil. No ano passado ficou bem evidente este conflito, quando em uma chacina morreram mais de 20 garimpeiros brasileiros, a maioria gente proveniente do Norte e Nordeste do país. Este conflito, no entanto, parece estar se aquecendo mais. De acordo com nosso guia no Monte Roraima, os brasileiros estão se organizando e formando milícias para atacar e destruir o poder dos Pretos da Floresta, dando inicio à um conflito armado escondido na floresta que poucos sabem existir.

As Guianas, no entanto, não se limitam à estes três países. As Guianas na verdade fazem parte de um território muito maior, um escudo de rochas antigas, relevo montanhoso ou planáltico que está ilhado do resto da América do Sul pelo Rio Amazonas, Negro, Casiquiare e Orenoco. Sim, isso mesmo, o Maciço das Guianas está separado por águas do resto da América do Sul e assim podemos sim dizer que além destas três Guianas há ainda a Guiana portuguesa e espanhola que compreende territórios atuais do Brasil (Roraima, Amazonas, Pará e Amapá) e Venezuela (La Gran Sabana, Estado de Bolivar).

A ligação entre o "Rio Mar" do Amazonas e o Orenoco foi descoberta pelo Espanhol Lopes de Aguirre em 1562 e confirmado mais tarde por Alexander Von Humboldt no século XIX. Esta porção de terras sulamericanas está cercada de lendas, como a do Eldorado, que motivou diversas expedições exploratórias, inclusive a que descobriu que as Guianas são uma ilha. Passado tanto tempo, esta porção de terra ainda é misteriosa, pouco conhecida e explorada e bem diferente do resto do continente. Sua única ligação terrestre é pela Venezuela, pois pelo Brasil ainda temos que navegar por algum rio para poder chegarmos ao resto do país. Por todos estes motivos, as Guianas ainda são territórios onde a natureza se mantém pouco alterada e há muito o que se conhecer.

Dentre as coisas mais interessantes, está a questão fitogeográfica da região, que abriga uma das mais vastas paisagens de campos quentes do planeta, por muito tempo tido como um reduto de cerrado, mas que recentemente temos informação de que apesar da fisionomia ser a mesma, genéticamente trata-se de uma cobertura vegetal distinta, é a Gran Sabana, que no Brasil ainda carece de um nome específico que não seja "cerrado de Roraima".

Trata-se de uma paisagem do tipo savânica, mas com mais meses de chuva do que na região central do Brasil (8 meses contra 6 meses de chuvas). Em termos paisagísticos é muito semelhante... com mosaicos de campos sujos, onde pequenas arboretas de galhos e  troncos retorcidos aparecem em meio aos campos.

Como estive no Monte Roraima recentemente, pude observar de perto esta vegetação. Para melhorar as infos, estive ao lado do meu amigo Eduardo Prata, que é botânico e trabalha no INPA, Instituto de Pesquisas da Amazônia. Com ele obtive informações florísticas e com minha experiência e conhecimento pude identificar muitas formas de relevo e dar suporte à hipótese que aventei em minha dissertação de mestrado sobre as origens das coberturas vegetais campestres no Brasil.

Identifiquei duas superfícies de erosão preservadas na Venezuela, uma que se comporta como divisor de águas das principais bacias da Gran Sabana austral, a 1300 metros de altitude, onde predominam relevo de caos de blocos no topo, e mais abaixo, muita canga e perfil lateritico e outra que é a própria superfície do topo do Roraima, que se não for um paleoplano exumado é a própria e tão procurada superfície Gondwana de King e outros famosos geomorfólogos.

O que isso tem a ver com a vegetação? Na verdade tudo, pois o relevo foi herdado de um período de resistasia, da qual prosseguiu uma época de semi biostasia, ou melhor, uma fase do famoso clima sazonal dos cerrados, onde houve a preservação das formas do relevo e pedogênese, dando origem ao famoso modelado da "Etchplanação" com a evolução das cangas lateríticas no Terciário, o famoso minério de ferro tão comum nesta região e em toda a Amazônia e que ali condicionou a forma escleromórfica das plantas e seu porte reduzido, assim como no cerrado, onde as plantas têm estas formas por oligotrofismo ou toxidez do alumínio (bauxita) no solo. Assim são as paisagens das Guianas portuguesa e espanhola.

Roraima é o único estado do Norte do Brasil que não é amazônico e tem uma história bastante ligada aos países vizinhos, com capítulos de invasão inclusive e uma história recente como uma unidade da federação.

São apenas 15 municípios em Roraima, sendo que o maior (em população) é a capital, Boa Vista. Suas ruas são largas, com traçados planejados e uma estrutura pequena, mas bastante ampla para uma cidade tão pequena que é uma capital. Lá tudo é diminuto, mas não falta nada. Tem Aeroporto internacional, universidade federal, todos os tipos de serviços administrativos que uma capital precisa ter, mesmo que o edifício onde abrigam tais repartições não aparentem ser o que é, como é o caso da Secretaria Estadual de Educação e Esportes, sediada ao lado do palácio de Governo numa casa do tamanho de uma escolinha de bairro. Tudo lá é muito curioso...

Fiquei devendo uma visita à fronteira com a Guiana, na cidade de Bonfim (ou bom fim). Com o asfaltamento da rodovia e a construção da ponte sobre o rio Tacutu (o mesmo que incide sobre uma mega falha que foi ponto de partida para o rebaixamento do relevo do estado no terciário), o comércio começa a pipocar com produtos pirateados e bastante contrabando, não sendo maior, pois falta mercado consumidor em Roraima, já que o Estado têm menos habitantes que a cidade de Jundiaí.

Este mundo pouco conhecido é tirado do isolamento pela BR 174, que liga Manaus à Venezuela. Antes desta estrada, o meio de transporte era o Rio Branco, que banha a capital Boa Vista, mas que não é um bom meio de transporte devido as cachoeiras que dificultam a navegação nos meses de seca. O Rio que recebe este nome por ser o oposto ao Rio Negro, que recebe esta coloração por que corta uma região de floresta densa e fechada e é carregado por matéria orgânica. O Branco, por sua vez, corta as savanas e recebe muito mais carga de argilas que ficam em suspensão.

A BR 174 é cheia de polêmicas e históricas. Ela foi construída numa época em que não havia democracia no Brasil e os povos que viviam na região tiveram suas terras invadidas. Trata-se dos índios das etnias Waimiri e Atroá, que após a construção da rodovia foram remanejados para uma mesma área indígena bem mais diminuta que a que eles estavam acostumados. Após este trauma, eles sofreram mais um problema, a construção da hidroelética de Balbina, que alagou mais áreas que eram deles no passado.

Hoje os Waimiri - Atroá controlam a passagem de veículos na rodovia e não permitem a passagem de carros a noite, fechando a comunicação do Estado de Roraima a partir das 6 da tarde. Dentro da reserva, a estrada fica espremida no meio das árvores. Os índios não permitem o alargamento da facha de domínio da rodovia e o asfalto lá está sempre molhado... Com isso, o capeamento não dura mais que 3 anos e de tempos em tempo ele fica tão esburacado que nem parece que a rodovia foi um dia pavimentada.

Passei por este trecho à noite. Isso por que a companhia de ônibus Eucatur tem um acordo com os índios. Desta forma não pude ver e nem fotografar as paisagens, isso o que conto foi o que eu ouvi falar das pessoas que vivem por aqui. Uma pena, pois queria muito ver a transição da floresta com os campos.


Veredas de Buritis na Gran Sabana

Campos de Roraima

Morros residuais nas savanas de Roraima

 Superficies de erosão

 Superfície Sulamericana?


Campos e mais campos, onde está a Amazônia?

Carrões americanos na Venezuela

 E muitos outros carrões pra enfrentar a Gran Sabana

 Venezuela

BR 174 para a Venezuela

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