Blog do Pedro Hauck: Belterra e um pouco da história de Ford na Amazônia

10 de janeiro de 2011

Belterra e um pouco da história de Ford na Amazônia

Após uma tentativa de ir à Belterra ontem, frustrada pela incompatibilidade de horários no transporte público, hoje, finalmente, consegui ver um pouco dos projetos de Henry Ford na Amazônia.

A Amazônia ganhou notoriedade e importância geopolítica no final do século XIX por causa do látex das Seringueiras, espécie de árvore típica daqui e que era a principal matéria prima para a borracha. Por conta disso, o americano Henry Ford investiu bastante na região para produzir esta importante matéria prima que era utilizada em diversas peças de seus carros.

Assim, Ford fundou a Fordlândia e depois, procurando um local para ampliar seus negócios numa região mais próxima do rio Amazonas, ele fundou Belterra, que era uma abreviação, de acordo com o que me contaram, de "Belaterra".

O local é suficientemente próximo do rio Tapajós e Amazonas, fica numa região plana, mas um pouco mais elevada e lá havia um grande potencial para produção da borracha.

Em 1934, Ford trouxe dos Estados Unidos todo o material utilizado na construção das casas e a mão de obra especializada para a construção e também para a plantação e manutenção dos seringais. Os brasileiros serviram de mão de obra para executar os serviços. Assim, construíram uma vila com casas e ruas totalmente no estilo arquitetônico dos Estados Unidos, construíram também um hospital e outros edifícios, como igrejas e também praças.

O projeto, no entanto, não deu certo. Com a descoberta da borracha sintética derivada do petróleo, tanto Fordlândia quanto Belterra foram abandonados e as terras de Ford vendidas para o governo brasileiro. Ao contrário de Fordlândia, que fica mais distante, Belterra não foi engolida pela floresta, sendo depois habitado por brasileiros que continuaram suas vidas e transformou o local num município.

Saindo de Alter do Chão, onde estou hospedado, peguei um ônibus e rapidamente cheguei a Santarém, onde perguntando de esquina em esquina cheguei ao local onde se toma o ônibus à Belterra. Acabei tomando o ônibus que serve as comunidades da Floresta Nacional do Tapajós, um ônibus velho caindo aos pedaços que parou em todos os lugares possíveis antes de chegar à Belterra. Talvez por conta da lentidão do ônibus, eu pude observar e perceber muitas coisas da paisagem na estrada, a famosa BR 163, a Cuiabá - Santarém.

Apesar de estarmos numa região amazônica, vi muito pouco de floresta. Havia no caminho muita paisagem rural bastante humanizada e muitas clareiras e pasto. A rodovia perto de Santarém é pavimentada, mas o asfalto não dura muito e alguns quilômetros mais ao Sul ela já fica de terra. Existe um projeto de asfaltar esta rodovia, mas há muitos argumentos, principalmente por causa da especulação imobiliária que, ao modelo do que já aconteceu em Rondônia e aqui mesmo no Pará, consumiu a floresta.

Distância de Santarém do resto do Brasil pela BR 163.

 
 BR 163


Busão para Belterra, caindo aos pedaços.

Pior transporte na Amazônia...

Fazendas de gado

Preparando o terreno para a soja

Em um determinado momento, deixamos a BR e entramos na estrada que dá acesso à Belterra. Neste cruzamento havia um monumento que eu achei ser um monumento à devastação. Um trator antigo, utilizado na derrubada das árvores, estava colocado como um marco no canteiro central como se fosse um monumento à rodovia.

Perguntei ao motorista onde ficava a parte americana da cidade de Belterra, mas ele não soube me informar. Acabei descendo no centro e fui eu mesmo procurar. Impressionante como no Brasil as pessoas desconhecem a história e as coisas do próprio lugar onde moram.

Caminhando um pouco, eu pude observar um hidrante vermelho igual àqueles que vemos nos filmes americanos. Um pouco mais à frente havia uma praça e ali começava a cidade construída pela Ford. Todas as casas, que são feitas de madeira (log home), tinham um pequeno jardim na frente, mas sem muros. A porta principal das residências ficam de frente à rua e sempre são acompanhadas de um deck. O quintal fica aos fundos e as calçadas são amplas e ajardinadas e sombreadas com árvores.

A rua terminava em uma série de construções históricas que hoje são sede da prefeitura e algumas secretarias municipais e pela câmara de vereadores. Ao meio destes edifícios governamentais estava a casa da memória, que eu fui visitar.



As casas não tem muros

E todas tem varandas na frente



Fui muito bem recebido por um funcionário da prefeitura que me contou todas estas histórias sobre a cidade. Infelizmente, no entanto, muito da história de Belterra, assim como sua estrutura original foi perdida por conta de governos inconseqüentes que não souberam preservar.

O bairro que eu havia conhecido era a Vila dos Mensalistas, onde vivam os funcionários do projeto. A casa onde viviam os empregados de mais alto nível, que eram as melhores residências, foram perdidas, pois deixaram de ser habitadas e não foram preservadas. O hospital, que já foi referência nacional, foi destruído por um incêndio criminoso e muito da história e da arquitetura se perdeu.

Os Seringais, que moveram a economia da região, hoje não existem mais. Em Belterra ainda há um bosque de Seringueiras improdutivas que da época da produção da borracha só sobrou as cicatrizes nos troncos.
Seringal

 Cicatrizes numa velha seringueira

Hoje a economia da região gira em torno das fazendas de gado e de soja, que enriqueceram os fazendeiros, mas não empregaram o povo. Muitas pessoas que viveram na época de Ford se foram, pois sem o projeto não havia mais trabalho. Hoje esta realidade se mantém, pois as fazendas modernas não empregam muita gente. Existe ainda um conflito entre os antigos seringalistas, que são mais saudosos e os novos fazendeiros que são pragmáticos.

Por toda a Amazônia, esta economia das fazendas se alia à economia das madeireiras e carvoarias por motivos bem óbvios. Além disso, há também a questão da especulação imobiliária. Novas terras são novas fazendas que são novas propriedades para serem compradas e vendidas. Uma fazenda em área pioneira tem um valor reduzido, mas 10 anos depois de ser fundada pode valer alguns milhões e ser loteada novamente. É o mercado da destruição.

Após visitar a cidade, consegui um moto taxista que me trouxe de volta à Belterra sem precisar passar por Santarém, andando por uma estrada de terra no meio floresta, onde eu pude me sentir como se estivesse atravessando a Transamazônica.

O visual da estrada, e as grandes árvores ao redor são de arrepiar. Representou para mim uma tentativa do homem controlar a natureza, mas nem sempre isso dá certo e é muito comum aqui na Amazônia isso acontecer.

Estrada Belterra x Alter do Chão

 Manda brasa...

Belterra permaneceu habitada, mas mais ao Sul, Fordlândia, o maior projeto de Ford, foi parcialmente engolida pela mata, assim como partes da própria Transamazônica, e outras BRs. Amazônia é um local interessante que dá muitas condições de vida, mas que também tira de quem não sabe respeitar seu equilíbrio. Ford e muitos outros fracassaram na Amazônia. Será que os novos fazendeiros de soja terão sucesso em seu empreendimento?

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