Blog do Pedro Hauck: De Tolar Grande a Socompa

19 de janeiro de 2015

De Tolar Grande a Socompa


Se o caminho de San Antonio de los Cobres até Tolar Grande já uma grande aventura num deserto remoto, imagine como é o caminho depois de Tolar Grande, pior, um caminho até uma fronteira desabilitada que foi intensamente minada na década de 1970 e que somente os militares vão até lá. Pois bem, dirigir os 140 quilômetros que separa o Paso de Socompa de Tolar Grande é emocionante e muito bonito.

O caminho começa um tanto quanto remoto, atravessando a estrada retilínea que corta o Salar de Arizaro, passando pela mina de Taca Taca, nas proximidades do gigantesco vulcão Aracar, até a estação abandonada de Caipe, da ferrovia Salta x Antofagasta (Chile), o famoso "Tren a las Nubes", que há anos não passa por lá, apesar de um projeto de rever este tramo ainda em 2015.

Em Caipe a estrada bifurca, para a esquerda há uma estrada asfaltada que leva esta estação até a antiga mina de La Casualidad. Esta estrada, também abandonada, não sofre manutenção desde que a mina foi desativada, mas não posso dizer como ela é, pois escolhi o pior caminho para ir ao Socompa, a chamada "corniza" de Caipe, o caminho que continua reto este cruzamento.

A corniza é um penhasco de uns bons mil metros de altura. Ele tem uma inclinação de uns 50 graus e a estrada faz uma diagonal em sua vertente. O problema é que a Corniza é cheia de material solto, os "acarreos" que sempre estão deslizando sobre a estrada. 

Em 2012, quando o Maximo passou por lá para escalar o Socompa, ele teve grandes dificuldades, mesmo com uma moto. Já um ano depois, quando passei ali para escalar o Llullaillaco, o caminho estava melhor e passei apenas um medinho, pois a estrada é estreita e há um precipício para cima e outro para baixo. Melhor não cair, pois é provável que passem anos para encontrar seu carro destruído ladeira abaixo.

No final da Corniza, há um trecho com muito cascalho concentrado na pista de terra, ali é necessário ligar a reduzida e ir com cuidado, mas é inevitável que com o girar da roda a traseira do jipe gire e o carro comece a andar de lado, aproximando-se do precipício. Gelei, mas passei na ida e na volta.
Escorrega e quase cai....
Após este trecho começamos a rodar num altiplano, onde a cor amarela dos capins contrastam com o azul do céu andino. A estrada fica mais segura, mas pior, com muitas ondulações, as chamadas "costelas de vaca", que faz com que a gente tenha que andar bem devagar. É preciso cuidado, pois cruzamos a estrada de ferro diversas vezes. Não sei porque, logo após cruzar o trem há muitos pneus que se furam. Aconteceu comigo no ano passado e neste ano verificamos isso com outros carros em outra estrada.

A estrada vai seguindo o trilho, num determinado momento a laguna do Socompa rouba a atenção, com sua beirada esbranquiçada de sal, é um refúgio de Flamingos e animais silvestres. Ali perto já fica  a fronteira, num local onde estão a aduana da Argentina e do Chile e alguma estrutura da ferrovia sucateada.

Fomos recebidos por um militar argentino, o Herman, que simpático nos oferece pouso num refúgio. Não havia energia elétrica e nem água, mas a gente já carregava o precioso liquido em nosso carro. No local tem uma mesa para cozinhar e colchão, que colocamos no chão. 

Socompa não tem nada além do que descrevi. Andei até o Chile para ver como andavam as coisas no país vizinho, fui recebido por um carabineiro e puxei um papo sobre as minas. De acordo com ele, no Paso Socompa não há mais este perigo, foi tudo removido pelo Ministério de Desminamento. No entanto, do outro lado do Socompa, no chamado Paso del Salín, que passa ao lado da montanha com nome homômimo e o Pular, está repleto delas. Perguntei se ele esta certo disso e me afirmou com categoria e em bom sotaque chileno me diz:
_ Haaaartas minas en el Paso Salín!

_ Meu deus! Pensei. E o Maximo passou por lá de moto, que sorte dele em estar vivo!

De volta à Argentina recebi a confirmação sobre as minas e também soube que ali, no ano de 1978, os argentinos chegaram a se entrincheirar para lutar numa suposta guerra que iria ocorrer contra o país vizinho. Tudo por conta de um litigio de fronteira numa geleira na Patagônia, hoje resolvido diplomáticamente.

O que ficou, no entanto foram as minas, matando animais e vitimando pessoas, principalmente montanhistas e geológos que passam ali para pesquisar as riquezas minerais da região.

O Salin e o Pular ficarão de fora da minha lista de montanhas a escalar, mas o Socompa ainda estava ali e estávamos prestes a subir ele. Seria meu trigésimo cume de 6 mil metros na cordilheira dos Andes. Dormi tranquilo esperando o despertador me acordar para esta aventura.


A "Corniza de Caipe" e o salar de Arizaro.

Vista para o Salar de Arizaro de cima da Corniza de Caipe

Capim contrastando com o azul do céu dos Andes

Lá no fundo (direita) o Vulcão Socompa

Descarrilhamento do tren a las Nubes.

Socompa vista da beirada da Laguna de mesmo nome.

Gendarmeria argentina na fronteira do Paso Socompa.

Estação Socompa, abandonada.

Maria em vagão abandonado.

Placa do lado Chileno

Galpão de trem abandonado.

Ficamos no refúgio, mas era de milhares de bilhões de estrelas.


:: Continua.

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