:: Leia a parte anterior
Após escalar o Guallatiri, descemos de jipe até a bifurcação da estrada e tomamos o caminho rumo ao Capurata. A estrada ali estava igualmente boa comparada com a do outro vulcão e percorremos ela sem nenhum contratempo, até um local que era impossível continuar devido à deslizamentos de rocha. Como no Guallatiri, paramos o carro e montamos o acampamento.
Após escalar o Guallatiri, descemos de jipe até a bifurcação da estrada e tomamos o caminho rumo ao Capurata. A estrada ali estava igualmente boa comparada com a do outro vulcão e percorremos ela sem nenhum contratempo, até um local que era impossível continuar devido à deslizamentos de rocha. Como no Guallatiri, paramos o carro e montamos o acampamento.
Estávamos num vale que ia direto até a sela entre o Acotango e o Capurata que formava um paso perfeito entre o Chile e a Bolívia por onde um ano atrás o Maximo havia passado ilegamente para escalar o Guallatiri à pé e por onde eu temia haver minas terrestres, instaladas na década de 1970 pelo general Pinochet para amedrontar pessoas que fizessem o que meu amigo fez, mas por outras motivações. O Chile está infestado de minas terrestres e elas são um temor dos montanhistas que gostam de montanhas remotas.
Acampados a 5 mil metros de altitude, dormi melhor que na noite anterior e acordei um pouco tarde. Teria mais de 4 quilômetros de aproximação até a base do Capurata e dali 1000 metros de subida e descida até o cume, o que faria desta montanha algo mais puxado do que fiz nas duas ultimas que havia escalado. Por conta disso, não perdi muito tempo para me por em marcha, o que fiz sem ter comido e bebido muito coisa no desjejum.
Continuei pela estrada em ruínas, atravessando as enormes pedras que impediam o caminho. Mais em frente, onde a estrada zig zagueava uma encosta, fui cortando o caminho e deixei de acompanhar a mesma que ia se aproximando da vertente direita do vale, na encosta do Acotango, enquanto eu ia pelo meio do vale em direção à cela onde era a montante do mesmo. Em todos os momentos eu ficava imaginando a placa caída no começo da estrada que ia até aquele local, que dizia “Prohibido el ingresso. Recinto...” Imaginava que o que viria depois de “Recinto” era a palavra “minado”. Ao mesmo tempo imaginava que o Maximo havia se safado desta por sorte, mas que eu poderia não ter a mesma.
Atravessei muitos terrenos arenosos no fundo deste vale, que ao tempo em que ia se aproximando de sua cabeceira ia recebendo blocos enormes provenientes do topo das montanhas adjacentes. Olho o chão e via pegada de animais e ora ou outra uma pegada humana que pensava ser remanescente da passagem do Maximo no ano passado. Naquele vale não havia indícios humanos. Tudo o que vi de humano, continuava o leito da estrada e ia em direção ao Acotango. Ninguém escala o Capurata, até o ano passado, achavam, inclusive, que esta montanha era um 5 mil metros, ou seja, ninguém até 2013 tinha escalado esta montanha com um GPS. Quando será que havia sido a ultima pessoa antes do Maximo a fazer cume nesta montanha?
Antes mesmo de chegar à sela entre os dois gigantes ao meu lado, decido subir um terreno recoberto de cascalho do Capurata, onde enfrentei muita dificuldade de progressão, mas que ia me pôr no topo de uma crista que parecia ser o caminho natural até o cume. Doce ilusão. Mal imaginava que ali começava o tormento que foi escalar esta montanha. Durante esta pendente, tive muita dificuldade de ficar em pé, pois era como andar numa montanha de bolinhas de gude. A cada passo eu fazia um grande esforço para não escorregar e isso na altitude e mesmo aclimatado era um inferno. Pagava penitencia por ter visitado a casa do diabo no dia anterior.
De passo em passo e escorregão a escorregão, chego em cima da crista, onde as rochas (todas soltas) são um pouco maiores e assim deslizavam menos. Ali progrido com mais agilidade, mas em compensação fico diretamente exposto à fortes rajadas de ventos provenientes do Oeste. Para beber água e comer, sou obrigado a cair do outro lado da crista e me proteger.
A crista, apesar de ser melhor, no entanto, era um beco sem saída. Por volta dos 5650 metros ela se torna totalmente rochosa obrigando realizarmos escaladas de até quinto grau em material frágil e solto com centenas de metros de queda no norte. Olha para o sul da crista e percebo que posso contornar este trecho rochoso por baixo, fazendo uma diagonal pelo meio da vertente. Com o vento no rosto não penso duas vezes e vou por ali me protegendo das rajadas infernais que me açoitavam. Começava ali outro inferno.
A vertente que eu tinha que bordejar era composta de material detrítico de diferentes porções granulométricas, de seixos a calhaus e até matacão, tudo solto! Assim como no começo desta ascensão, era difícil ficar em pé. Pior, cada passo em que o material detrítico desmoronavam, vinha muita rocha em cima de mim, às vezes blocos grandes que podiam quebrar minha perna ao meio.
A cada deslizamento eu parava e respirava e continuava o passo, num trabalho de formiguinha, pensando que o cume era o caminho de volta. A situação era infernal, insuportável. A todo montanha eu pensava _ “Que montanha de m....”, _ Que p... de montanha, por que c...... o Maximo veio aqui descobrir que essa m.... tem 6 mil metros?
Sem mudar minha precária situação, repeti meus passos frágeis por horas, até que enfim consegui contornar a crista e sair do outro lado da porção rochosa, onde havia o começo de uma geleira. Ali consegui contatar o Maximo pelo radio e dizer a má condição daquela rota que escolhi.
Por sorte, foi somente avisar a má condição que dali em diante encontrei um terreno mais fácil, onde inclusive encontrei uma pegada que acredito ser do Santiago Quintero, montanhista equatoriano que finalizou o projeto do projeto dos 14 6 mil bolivianos seguindo as reportagens do Maximo que falava que o Kapurata encontrava-se nesta lista. O próprio “Santi” como ele é chamado, encontrou o Max em La Paz e falou de seu projeto e ainda disse: _ “Maxi, que mierda de montaña me hiciste escalar...”
Fiquei lembrando do Maximo me contando de seu encontro com o Santiago, ao tempo em que chego no trecho de gelo da montanha que como em todo lugar nela, era péssimo. Simplesmente o pior gelo que peguei em todas minhas escaladas. Um gelo verglass duro cheio de penitente e buracos irregulares, tudo isso com muito vento, pois ali já não havia nada para me proteger.
Vou caminhando por este terreno hostil, até achar uma superfície de gelo liso que para meu desengano era formado de uma capa fina que ao ser pisada se rompia e me fazia afundar até o joelho. Era uma pegadinha do malandro e eu não estava achando graça. Nada naquela montanha era fácil e quando parecia que algo iria ficar melhor piorava...
Começo a subir a crista final que levava ao topo. Ali, surpreendentemente quando eu piso num gelo bom e ouço os crampons fincarem e fazerem aquele típico som de bom gelo glaciar. Basta eu ficar feliz que vem uma rajada de vento que quase me faz voar até a casa do Evo Morales...
E foi assim, sendo castigado passa a passo que insistentemente vou caminhando até onde não havia mais para onde subir e chego ao cume do Capurata, onde com as mãos congelando ao vento, tiro o GPS para medir a altitude e chego a seguinte medição 6016 metros com o GPS e 6011 e 6012 no barômetro. Minha medição coincidia com a do Maximo e é um ponto a mais para afirmar que o Capurata é de fato um 6 mil!
Missão cumprida eu procuro um local para me proteger do vento, encontro umas pedras e vou atrás delas. Quando menos noto, tais pedras eram um muro artificial construído por humanos. Era uma apacheta muito bem construídas pelos Incas formando uma plataforma retangular no topo da montanha. Valeu a pena o sofrimento por achar mais um indicio de escalada incaica numa montanha andina. Esta apacheta não havia sido notada pelo Maximo, pois quando ele escalou o Capurata havia muito mais neve que o normal.
A descida foi bem mais fácil que a subida, pois com tanto acarreo foi fácil deslizar sobre as rochas e descer no esquema “ski boliviano”. Mas como em todos os momentos nesta montanha basta achar que está fácil para surgir uma dificuldade e esta dificuldade foi o vento que me açoitou como nunca. E com muito vento na cara fiz os quilômetros finais que me faltava para me encontrar com o Maximo preparando o jipe para partirmos dali. Foram 19.50 quilômetros percorridos entre subida e descida da montanha em 9 horas!
No retorno à civilização, decido parar para ver o que havia escrito naquela placa misteriosa que nos dizia ser proibido o que havíamos acabado de fazer e nela estava apenas escrito que o "recinto" era privado. _ Ufa! Não tem minas terrestres... E assim demos continuidade em nossa odisseia boliviana em território chileno.
Capurata (ao fundo) e o local onde montamos nossa base, mais de 5 km de distancia. |
Estrada interrompida |
Pegadas do passado |
Guallatiri e o vale até a sela entre o Capurata e o Acotango. |
Começo da subida do Capurata e vista para a sela com o Acotango. |
Crista impossível de ficar em pé no Capurata, um inferno total! |
Crista do Capurata, local de dificil transposição. |
Crista rochosa. |
Travessia pela face norte da crista. Terreno difícil e perigoso. |
Primeira vista para o cume. |
Chegando na cratera de gelo. |
Vista para a saliência de gelo. |
Acotango visto do cume. |
Altitude de 6016 marcada pelo GPS. |
Eu e Parofito no cume. |
Enorme construção inca encontrada no cume. |