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Sem nenhum dia de descanso após escalarmos o Parinacota (Maximo) e Acotango (eu), já pegamos estrada para escalar mais montanhas, no caso pra somente eu subir elas...
Sem nenhum dia de descanso após escalarmos o Parinacota (Maximo) e Acotango (eu), já pegamos estrada para escalar mais montanhas, no caso pra somente eu subir elas...
Na região do Acotango existem outras 2 montanhas com mais de 6 mil metros, o Kapurata e o Guallatiri e em 2013 Maximo havia escalado todas, sozinho. Naquela ocasião, ele realizou uma travessia bordejando o Acotango e acampando na base do Kapurata, que na época não era tido como um 6 mil. Ele subiu esta montanha pelo lado boliviano e desceu pelo chileno, marcando no cume uma altitude de 6014 metros com o GPS. Como este método tem uma margem de erro de 10 metros pra cima ou pra baixo, ele afirmou que o Kapurata era um 6 mil e isso foi publicado até mesmo na Desnível.
O Guallatiri ele fez no dia seguinte, quando ele regressou para seu acampamento na base do Acotango na Bolívia, completando assim todas as montanhas do local.
Acontece que eu não estava afim de percorrer o caminho que ele fez, pois eu sabia que do outro lado da fronteira havia uma trilha 4x4 feita por uma mineradora que chegava até o pé do Guallatiri e isso economizaria muitos esforços. A ida ao Chile também iria ajudar na aproximação de outra montanha boliviana, o Uturunco, que é o 6 mil mais austral deste país. Acessando ele pela fronteira com o Chile conhecida como Hito Cajón, percorreríamos apenas 200km de San Pedro do Atacama até lá e não precisaríamos nos sujeitar a todos os problemas ocasionados pela política boliviana de não vender gasolina aos estrangeiros que tanto nos causou problemas.
Desta forma fomos ao Chile e tivemos que fazer todos os tramites burocráticos necessários para cruzar a fronteira que os chilenos são campeões. Tivemos que tirar toda a bagagem, passar tudo no raio X, ter o carro revistado pelas autoridades sanitárias e pela polícia anti drogas que usou até cães farejadores. Depois disso tudo ainda tivemos que ir aos Carabineros (policia militar) e mostrar a autorização do Departamento de Limites e fronteiras chileno para podermos escalar as montanhas. Apesar das burocracias, o Chile é um país honesto e se você está tudo ok pode continuar. Lá, diferente da Bolívia, Argentina e Paraguai, as regras não são inventadas em cima da hora para que eles (a polícia) te arranque um dinheiro com “permissões” no típico ditado popular: inventar um problema e vender a solução.
Com tudo em ordem pegamos nosso jipinho e fomos em direção à montanha, atravessando o Parque Nacional Lauca e sua típica paisagem altiplânica, com vegetação estéptica cheio de Lhamas e Vicunhas e o destaque sobressalente dos vulcões nevados.
Em certo momento, viramos numa estradinha rumo ao norte, atravessando uma vilinha com meia dúzia de casinhas de adobe e uma igrejinha centenário feita com métodos de construção aymara. Dali, pegamos outra estrada numa bifurcação à esquerda, onde em seu começo havia uma placa dobrada e caída ao chão dizendo. “Proibido el ingreso. Recinto” _Recinto o que? Fiquei pensando. Recinto proibido? Recinto privado? Recinto de vida silvestre? Recinto minado? Fiquei por dias tentando imaginar o que poderia transformar em proibido aquilo que estávamos fazendo, principalmente porque sei que em fronteiras chilenas onde não é difícil passar à pé e por onde poderia ter contrabandistas e imigrantes ilegais, o general Pinochet instalou minas terrestres. Ali era um caso dum local que era fácil cruzar à pé, tanto que no ano passado Maximo o fez para escalar ilegalmente as montanhas que eu estava indo agora.
Contei minha hipótese sobre o complemento da informação da placa e o Max negou, disse que muitas pessoas que ele conhecia, como o Cristian de San Pedro de Atacama e a Ricky que também mora lá guiavam o Guallatiri e escalavam o Acotango pelo lado chileno. Mesmo assim fiquei com medo da minha hipótese, pois o Kapurata ficava no final do vale, bem na fronteira e o colo entre ele e o Acotango era uma passagem natural para quem quer passar ilegalmente para a Bolívia, caminhando apenas 4 km. Fiquei com medo... mas me concentrei na primeira montanha, o Guallatiri.
A estrada neste recinto misterioso estava muito bem mantida, nem era preciso acionar o 4x4 do jipe. Num determinado momento ela se dividia entre o caminho que ia ao Guallatiri e o que ia para o Kapurata. Continuei na primeira opção e dali poucos quilômetros ela começou a subir em uns zig zags e ganhar bastante altura, indo acabar a 5200 metros numa encosta do vulcão que sofreu deslizamento. Dali em diante o caminho era à pé. Foi ali que montamos nossa base.
Passamos a tarde comendo e bebendo dentro da barraca. Foi uma tarde de folga que aproveitei para ler um interessante livro sobre a história econômica da Bolívia que me despertou para entender o processo que levou a Bolívia a ser um país indígena, que um dia talvez eu possa comentar aqui. Fui dormir tranquilo e descansando.
No dia seguinte desperto por volta das 6. Diferente das montanhas da região oriental, onde há mais gelo, não preciso me preocupar muito com o horário naquela região. Começo a caminhar por volta das 7:30, subindo acarreos até alcançar um antigo leito de estrada mineira que havia mais pra cima quando ainda se extraiam enxofre da montanha. Caminho por este antigo caminho bastante afetado por deslizamentos até chegar numa canaleta de material rochoso detrítico, por onde começo a subir. Em todo o caminho não há uma pedra firme, tudo é material de erosão solto por onde tenho que subir com cuidado, o que transforma a ascensão em algo lento e monótono.
Após algumas horas nesta canaleta, chego a seu final, onde há uma ombreira onde terminava uma geleira que existe no cume. Como esta geleira ali é formada de penitentes, prefiro ganhar altura por um caminho feito de rochas e sedimentos ao lado do gelo ruim e assim subo até um local onde é possível caminhar no gelo com mais facilidade. Instalo os crampons na bota e passo a ascender com mais agilidade, chegando até um falso cume do Guallatiri que era uma porção mais rebaixada da borda de sua cratera que está desfigurada por alguma explosão. Ali, naquele sub cume eu consigo pela primeira vez observar o ponto mais alto da montanha e logo abaixo uma enorme fumarola vulcânica expelindo muita fumaça sulfúrica que pinta de amarelo toda aquela porção da montanha. Era a própria visão do inferno dos filmes do Pier Paolo Pasolini, sem evidentemente seus diabos e pecadores.
Vou bordejando a antiga cratera sem tirar olho da fumarola, tomando cuidado para me proteger quando o vento levasse a fumaça até onde estava. Assim, vou cuidadosamente subindo a porção final, onde encontro o livro do projeto 6 mil chilenos, patrocinado pelo Banco do Chile e que estava num estado deplorável de podridão devido à corrosão pela fumarola. Evito ficar muito tempo ali e desço.
O retorno ao acampamento é rápido e por volta das 14 horas já me encontro com o Maximo que já havia deixado o jipe pronto para partirmos para outra. Naquele momento fico em dúvida se o Guallatiri é uma montanha fronteiriça, ou se ela fica inteiramente dentro do Chile. Se esta opção for a verdadeira, então a Bolívia não teria 14 cumes com mais de 6 mil, mas sim 13, isso se o Kapurata realmente fosse um 6 mil, já afirmar isso com apenas uma medição feita com GPS civil não é algo tão preciso de se dizer. Caberia a mim fazer a segunda medição da montanha...
Acampamento base do Guallatiri |
Acotango visto da antiga estrada da mineração, começo do caminho ao cume. |
Trecho de acarreo para chegar até o gelo. |
Começo do glaciar. |
Vista para o Acotango. |
Fumarola sulfúrica fumegante. |
O cume e a fumarola. |
A caminho do cume. |
Chegando ao cume, cuidado com a fumaça. |
Livro do banco do Chile corroído. |
Auto retrato no cume. |
Livro destruído. |
Parofito no cume. |
Auto retrato com as fumarolas. |
:: Veja o Tracklog do Guallatiri no site Rumos: Navegação em Montanhas!