Os tempos de angustia passaram. Acabei não conseguindo transferir o carro da minha mãe para meu nome. Não pude acreditar na burocracia que criaram para fazer uma coisa tão simples. Para não perder a viagem, que já estava atrasadíssima, tive que tomar uma decisão extrema, ir para Brasília e conseguir uma autorização no Ministério das Relações Exteriores para poder vir para a Argentina.
Saímos no dia 28 de Itatiba e fizemos os quase 1000 Km que separam minha cidade da capital do país em um dia apenas. Entramos com os documentos somente na segunda. Durante este tempo estivemos na casa de minhas primas, Daniela e Luciana. Também reencontramos uma amiga, a Iara, com quem passamos o fim de semana conhecendo as loucuras arquitetônicas da Capital. Terça feira saiu o documento, foi incrível, mal podíamos acreditar depois de tantos contra tempos. Pegamos a estrada neste mesmo dia.
Saímos de Brasília por volta das 15:00 e fomos em direção de Goiânia, onde fizemos uma pausa para comprar algumas comidas para a viagem. Em seguida pegamos a Transbrasiliana, a BR 153. Cruzamos todo o sul de Goiás. A estrada oscilava entre péssimo e excelente, com muitos trechos em duplicação. Atravessamos o Rio Paranaíba de noite e chegamos em Minas Gerais, em um local que eu já conhecia das saídas de campo da faculdade. A estrada havia melhorado muito desde a última vez, entretanto enfrentamos uma situação inusitada. No trevo da BR 153 com a estrada que liga Uberlândia a Ituiutaba, a estrada estava impedida e teríamos que fazer uma volta de 200 Km. Tudo por que uma pontezinha havia caído alguns quilômetros a frente. Por sorte um fazendeira fez uma desvio de 800 metros que nos economizou bastante quilômetros. O pedágio para o desvio era de 10 reais, mas valeu a pena.
Passamos a primeira noite dormindo dentro do carro na cidade de Fronteira, na margem do Rio Grande na divisa com São Paulo. Dormimos muito mal, fazia muito calor e o desconforto de dormir sentado era terrível. Ao amanhecer pegamos a estrada novamente e fomos tomar o café da manhã perto de São Jose do Rio Preto, usando nossa sofisticada cozinha. Montamos uma mesa portátil e esquentamos um café numa cafeteira italiana e comemos umas torradas na chapa de ferro, muito esquema! Depois do desjejum, voltamos para a estrada rumo ao sul. Passamos por Rio Preto e fomos encher o tanque em José Bonifácio, onde botamos uma gasolina fajuta. Passamos por Lins, Marilia e antes de chegar em Ourinhos tive o azar de não ver uma buraco muito fundo pelo qual passei com as duas rodas da direita, destruindo-as. Fiquei com muito medo de perder meus pneus que são bem novos. Ainda bem que viajei com dois steps e pude ir numa borracharia onde comprei duas rodas por R$ 50,00. Os pneus, graças a deus, não estragaram e estão até agora no carro. Depois do susto, foi a hora de sofrer mais um, desta vez no bolso.
Foi somente cruzar a divisa com o Paraná que demos de cara com um pedágio de 7,90. As estradas do Paraná são todas de pista simples, com um asfalto mais ou menos só que com pedágios caríssimos e muito próximos. Foram 9 pedágios até Foz do Iguaçu, onde chegamos somente no dia seguinte. Passamos a noite em um posto de gasolina em Medianeira, dormindo na barraca perto dos caminhoneiros. Tive medo de ser roubado, mas a polícia passava por lá toda a hora e tivemos uma noite muito bem dormida.
Em Foz pela manhã trocamos todos nossos reais por pesos e ficamos prontos para cruzar a fronteira. Entretanto mais um contra tempo aconteceu. Fui descobrir somente na fronteira que meu seguro do carro não vale na Argentina e tive que comprar uma "carta verde", que é um seguro de terceiros obrigado na Argentina. Após perder algumas horas indo atrás do seguro e 240 reais para contratá-lo, pudemos finalmente cruzar a fronteira.
Com o tanque de gasolina "no cheiro" abasteci em Puerto Iguazu. Aqui na Argentina a gasolina é muito mais barata e é de melhor qualidade. Com 80 pesos enchi o tanque para poder viajar. Só para se ter ideia de quanto isso custa, trocamos cada real por 1,25 pesos! Durante este dia cruzei toda a província de Misiones. Parei apenas para conhecer as ruínas jesuíticas de San Ignácio. O calor era insuportável, mas foi interessante. Passamos por Posadas e logo estávamos na província de Corrientes, onde fomos passar a noite numa praia do Rio Paraná na cidade de Ita Ibaté. Foi uma noite linda. Havia pouca luz pois a lua estava minguante. As estrelas iluminavam o céu e refletiam sobre as calmas águas do Paraná. Abafamos o calor do verão com um bom banho de rio, com direito até a lavar a roupa suja.
Ruínas em San Ignácio |
Praia onde dormimos no Rio Paraná |
Usando meu isolante inflável para nadar no rio. |
No dia seguinte continuamos nossa viagem, passando pela cidade de Corrientes e cruzando o rio Paraná indo sair em Resistencia na província do Chaco. Lá Pegamos a desolada Ruta 16, uma estrada sem curvas e completamente reta. Fomos para o interior da província. Um lugar mais quente que o inferno que parece ser atualmente uma fronteira agrícola na Argentina. A prosperidade da soja, do milho, girassol etc... durou somente até a divisa com a província de Santiago del Estero. Lá Papai Noel passa de helicóptero, de ar condicionado ligado, é claro. O lugar é quentíssimo e a vegetação é o Chaco, com predominância de espécies arbóreas de porte baixo onde as copas se encostam mas forma-se uma espécie de sub-bosque muito habitado por arbusto e um substrato herbáceo. Durante o caminho observei muitas cactáceas, algumas parecidas com a palma e o mandacaru, só que maiores. Presenciei também várias espécies espinhentas e de folhas pequenas e tive a impressão de que o Chaco se parede com a caatinga.
No Chaco, entretanto, existem rios, mas o terreno é mal drenado. Se fizermos uma linha de norte ao sul, teremos ao norte o rio Bermejo, formado nos Andes e ao Sul o Rio Dulce, que banha a cidade de Santiago del Estero. Acho que são uns 500 km em linha reta este interflúvio, que tem não mais que uns 100 metros de desnível do fundo dos vales até o divisor de aguas, se é que pode-se chamar assim, pois as aguas que caem neste terreno não vertem para nenhum lado, tamanha é a planura. Não é portanto que toponímias com Pampas del Infierno aparecem por todo o Chaco.
Vegetação no Chaco |
Chegamos em Santiago del Estero no fim da tarde. Lá trocamos o óleo do carro e adicionamos na gasolina um limpador de injeção, já que a gasolina de Jose Bonifácio fazia o carro engazopar toda a hora. Voltamos para a estrada no alvorada e observamos mais um dia ir embora, dirigimos até um lugar chamado Lavalle, onde pretendíamos dormir, entretanto passamos por esta suposta cidade sem notá-la e entramos sem querer na província de Catamarca.
A noite estava muito escura e não conseguíamos enxergar nada. Depois de passar por duas cidadezinhas encontrei uma estrada de terra que dava acesso a um rio seco onde acampamos. O local era muito estranho, mas tinha areia e pudemos dormir com conforto, ou quase, pois o calor era insuportável. Mais para a madrugada fui acordado pelo Maximo. Estava chuviscando. Tiramos a barraca detrás do carro e a levamos até debaixo da ponte da estrada que havíamos transitado. O ligar era um deposito de entulho e porcarias, havia até um boi morto.
Local onde dormirmos |
Acordei cedo, todo empapado de suor, a noite foi horrível. Saímos do rio seco e pegamos a estrada novamente. Pela primeira vez deixamos a planície e subimos um cordão montanhoso. A estrada era um pouco ruim para quem se acostumou com o asfalto argentino, entretanto recordando as estrada de Minas estávamos muito bem. Procuramos um lugar para tomar banho, postos de gasolina, campings e nada. Os quilômetros foram passando e por fim chegamos em San Fernando del Valle de Catamarca, a capital da província de Catamarca. A cidade é pequena, pouco arborizada para os padrões da Argentina, parece ser bem tranquila e seca.
Pela paisagem que observei até aqui, o Noroeste argentino parece ser muito seco, com a predominância de muitas cactáceas. A exceção foi a Serra que cruzamos para chegar até aqui, onde se desenvolvia uma formação florestal. Este é um mundo novo para mim, ainda ando com muitas ideias sobre o que o Chaco e ele está ficando para trás. Pretendo estudar melhor este domínio de paisagem para entender esta formação seca e quente com invernos rigorosos.
Estamos de passagem por San Fernando, verificando emails e comprando comida. O próximo plano agora é subir os andes até o Paso San Francisco, que dica 500 km daqui. Não chegaremos lá hoje, até pq o paso fica uns 4800 mts de altitude e é preciso ir com calma. Estou ansioso para me livrar do calor. Ficaremos incomunicáveis alguns dias pois estaremos escalando alguns vulcões. No paso San Francisco ficam algumas das mais altas montanhas da América, como o Ojos del Salado, o segundo maior, o Pissis, Tres Cruces e o Incahuasi.
Pela acessibilidade optamos por escalar o Incahuasi que tem 6600 mts. Não será uma escalada de dificuldade técnica. A dificuldade será a altitude e o clima da Puna do Atacama. A Puna do Atacama é um domínio de paisagem muito seco que se desenvolve nas regiões de mais elevada altitude dos Andes do Norte da Argentina e Chile. É mais outra paisagem nova para mim que tenho ânsia de entender este continente tão pitoresco como é a América do sul, principalmente neste local onde estamos.
Um abraço a todos
ps. Por favor desconsidere os erros de português, principalmente os de acentuação. Estou em um Ciber Café com teclado em espanhol e com pressa para não gastar muito.