Blog do Pedro Hauck: A escalada no Incahuasi

16 de fevereiro de 2006

A escalada no Incahuasi

:: Leia a parte que antecede este relato:

Max e eu na base do Incahuasi

Depois que fizemos a aclimatação no paso San Francisco e descer de volta para as termas, chegou em fim a hora de subir o Incahuasi.

Escolhemos este lugar para aclimatarmos pois ali o acesso é muito fácil e podemos chegar numa altitude elevada de carro, não precisando, como no sul fazer toda a aproximação à pé.

Então saímos com o carro das Termas para ir até a base do Vulcão Incahuasi. No caminho atravessamos uma grande planície inundada por agua salgada, onde os flamingos comiam livremente.

Tivemos dificuldades no caminho, pois o Corsa não é um carro feito para antes em terrenos muito acidentados. Por vezes tivemos que parar e tirar rochas vulcânicas vítreas do caminho para que elas não rasgassem o pneu e nem mesmo estourassem meu cárter, pois o carro é muito baixo. Mesmo no frio da altitude, andando a poucos quilômetros por hora, o motor aqueceu várias vezes e também tivemos que parar muito devido a estes incidentes. Resultado, chegamos na base do vulcão por volta das 16:00.

Estávamos famintos, de modo que ainda tivemos que cozinhar antes de subir.

Separamos todos os equipos e fomos o mais leve possível para o vulcão. Mas sem antes cuidar do carro, tirando a bateria para que não houvesse nenhuma zica, como naquela manhã em que a bateria havia descarregado e havíamos ficado nas termas sem ter como tirar o carro de lá. O mesmo incidente iria dar muito mais trabalho para nós, pois desta vez estávamos a uns 10 km de Las Grutas em uma estradinha precaríssima, o que talvez significasse uma negativa de socorro.

Começamos a subir tarde. Pelo menos o sol não nos castigou. Atravessamos uma pampa de sedimentos vulcânicos e em breve chegamos numa crista negra de materiais magmáticos, por onde subimos.

Quando as nuvens deram uma trégua, pude observar pela lado sul da montanha um caminho mais simples entre as encostas do Incahuasi e um colo que se formava em cone vulcânico secundário, onde se acumulava bastante neve que naquele lugar nos possibilita conseguir agua.

Apesar disto fomos pelo norte nesta crista negra e seca.

Quando eram por volta das 19:00 horas encontramos um lugar mais ou menos plano onde estabelecemos um acampamento 1, a 4800 mts de altitude.

Dormimos muito bem neste local e no dia seguinte desmontamos tudo e prosseguimos para o alto mais leves, pois havíamos consumido toda a agua que levávamos, o que nos obrigava desta vez a acampar perto de neve.

Subimos e penamos pela crista vulcânica. Várias vezes as rochas soltas nos faziam voltar e perder o equilíbrio, transformando tudo num pesadelo. A pior parte foi uma travessia sobre uma vertente inclinada e coalhada de cascalhos brancos, provavelmente gesso vulcânico que se comportava como bolinhas de gude.

Depois de muito esforço e paciência conseguimos superar esta dificuldade e chegamos em uma outra crista rochosa e escarpada onde montamos um acampamento 2 a quase 5700 metros de altitude.

Desta vez, antes de descansar, tive que passar por uma longa seção de derretimento de gelo para se obter o tão precioso líquido da vida. Nos hidratamos muito para que a aclimatação ficasse tudo ok e fomos dormir no meio do frio negativo da montanha.

Acordei por volta das 7 da manhã e me deparei com um dia perfeito, sem nuvens e vento e logo me preparei para poder subir.

Demoramos um tanto na preparação, pois o Maximo sentiu muitas dores de cabeça durante a noite. Jah havia cogitado a hipótese de esperar mais um dia, mas rapidamente Maximo se recuperou e pudemos por nós em marcha para o ataque ao cume.

Como disse, acabamos saindo tarde, por volta das 10 da manhã, mas em um lugar que anoitece as 10 da noite este não era nenhum problema. Subimos uma outra crista negra de material magmático e em breve chegamos em um glacial. O gelo no início era de boa qualidade, mas em quase todo o caminho ele se mostrou oco, ou seja pisávamos nele e abaixo da superfície havia uma camada de ar que fazia que afundávamos até o calcanhar e nos fazia cansar.

Tivemos que procurar um caminho para ascender sem se cansar tanta e por isso ficamos zigzagueando por perto das rochas procurando estes lugares que não afundavam.

Após andar assim por duas horas, chegamos em um lugar mais rochoso e escarpado e quando conseguimos vencer estes obstáculos e parecíamos que iriamos galgar no cume, chegamos numa plataforma gigante de onde o cume verdadeiro se elevava mais uns 200 metros pelo menos.

Foi um desanimo chegar lá e ver o cume tão longe, não somente verticalmente mas também horizontal, pois teríamos que atravessar esta enorme plataforma cheia de neve fofa e subir uma vertente longa e pouco inclinada para se chegar ao cume.

Pensamos um pouco, e fomos em direção ao cume. Havíamos chegado lá em somente 3 horas e faltava pouco para chegar ao ponto mais alto da montanha, de forma que não havíamos que nos preocupar com o cansaço.

Atravessarmos cuidadosamente a grande plataforma nevado, desviando ora e outra da neve fofa e traidora que nos fazia afundar até o joelho. Chegamos até a pendente que nos levava ao cume, quando de repente os ventos começaram a soprar mais forte e se formou um grande nuvem negra no cume e no horizonte que ameaçou a acabar com tudo. Ainda resistimos um pouco, mas o mal tempo era mais forte.
Incahusi com mal tempo

vista do 1 acampamento

Campo 1

O cansaço bateu forte em mim e resolvi dar meia volta e descer. Quando isso aconteceu o altímetro do gps marcava 6522 metros, ou seja menos de 100 mts do cume que poderíamos em condições perfeitas alcançar em menos de 40 minutos.

Desci procurando a entrada do vale glaciar por onde subimos. Entretanto o caminho que fizemos para desviar da neve fofa e os montes de detritos vulcânicos transformaram tudo num labirinto piorado com a confusão da tempestade.

Fiquei pela primeira vez sem saber por onde ir na montanha, então me comuniquei com o Maximo pelo rádio pedindo a ele onde era o caminho certo e ele veio a mim para que descêssemos juntos. O cume estava acabado para nós.

Nos confundimos todos para achar o caminho, mas depois que achamos estar no lugar certo, descemos com rapidez e chegamos salvos no acampamento.
Dormimos exaustos com o dia puxado. Foi muita infelicidade ter acontecido esta tempestade. A noite foi gelada e nevo como nunca lá em cima. Ao amanhecer, toda a secura da Puna do Atacama foi tomada pelo branco da neve que caiu durante a noite, transformando completamente a paisagem.

Desmontamos o acampamento e sem comer descemos lentamente as encostas do vulcão, sofrendo muito com aqueles cascalhos brancos que como bolinhas de gude nos botava no chão e nos castigava sem piedade. Foi um inferno aquela travessia.

Quase morto de cansaço chegamos ao carro. Montamos a bateria e ele deu a partida. Entretanto quando eu acelerava ele morria. Empurramos o carro ladeira abaixo e ele andou uns 500 metros e não morreu. Graças a deus o carro funcionou, agora só faltava a estrada maldita para chegarmos no asfalto.
Com muito medo fui desviando das rochas pontudas e consegui vencer os 10 km mais traiçoeiros que já dirigi.

Chegamos as termas feitos fantasmas. Nos banhamos nas aguas quentes e quando já pretendíamos passar a noite lá, alguns trovoes nos fez desistir da ideia e nos mostrou como seria a próxima noite na altitude.

Vista do acampamento 2 pela manhã: Tudo nevado!
Pegamos todas nossas coisas e rapidamente saímos de lá.
Deixamos las Grutas e a uma aparente tempestade de neve para trás e pegamos a estrada com a ideia de dormir em um refugio na beira da estrada em uma altitude mais baixa.

Após rodar uns 50 km chegamos ao lugar que havíamos acampados na nossa primeira noite lá. Eu havia esquecido neste local uma garrafa de refrigerante na água de uma lagoa para esfriar e fomos lá resgata-la.

A encontramos uns 15 metros acima da lagoa, numa barranco do rio, que nos mostrou que a tempestade na montanha resultou lá embaixo de enchente. A garrafa estaca toda suja de lama, mas o conteúdo era delicioso depois de 10 dias de montanha.

Acampamos em uma antiga fazenda que havia se transformado em refugio. A casa era de barra e não tinha portas. Dentro estava uma poeira de centímetros no chão e um caos.

Fizemos uma macarronada a alho e olho, a única coisa que havia sobrado de comida e fomos dormir contentes. Entretanto a casa se mostrou não ser abandonada e de noite o dono mostrou sua cara: RATOS!
Casa onde tentamos dormir e fomos atacados por ratos
Fomos violentados pelos ratos, que nos torturaram como podiam. Abandonamos o refúgio e tivemos que dormir lá fora, sob ameaça de chuva.

Com sorte não choveu, mas fez um frio tão grande que tivemos que esperar o sol ficar forte para podermos descongelar o carro para sair.

Descemos o resto da montanha que havia e em breve chegamos em uma Fiambalá assolada pelo fluxo de lama que desceu da montanha resultado da tempestade que agarramos lã em cima.

Foi uma escalada estranha, não cheguei a curtir muito, embora várias vezes eu tenha me impressionado com a beleza cênica da região.

Cheguei a conclusão que o Incahuasi é uma montanha que aproxima muito o céu do inferno. Foi isso o que aconteceu conosco.

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