Chegamos na base do Llulla na quarta feira, dia 8 de Janeiro, por volta das 11 da manhã, um horário que achei tarde para tentar qualquer aproximação. Decidi ficar no acampamento base, montar a barraca, nos alimentar e hidratar bem, ao invés de sair às pressas rumo a um acampamento superior.
Nesta tarde, como ficamos sem muito o que fazer, resolvemos
subir um pouco e reconhecer a rota de ascensão. Foi uma sabia decisão, pois lá
pudemos sentir o terreno e tecer estratégias. Durante esta caminhada, como era
previsto, avistamos uma tempestade na parte superior da montanha. Em pouco
tempo as cumulus nimbus tomaram conta da paisagem, evoluindo para pesadas
nuvens negras que despejou neve na montanha. De longe vimos estas nuvens encobrir
o Lllulla e após dissipar, deixar a montanha inteira branca.
O vento levava e trazia estas nuvens e as vezes floquinhos
de neve vinham cair e se acumular em nossas roupas. Apesar disso, o base
permaneceu como ele geralmente é: seco!
Acampamento base do Llullaillaco, 4900 mts de altitude. |
Luca e Luiz em nosso acampamento base |
Mas foi só a noite cair para a nevasca romper o silêncio da
montanha com seu habitual sussurro. Tive uma noite de bom sono, mas acordei
meio sufocado com a barraca esgrouvinhada com o peso da massa branca. Ao sair
para mundo exterior me dei de frente com outra paisagem: a Puna tinha dado
lugar à uma paisagem polar. Tudo estava branco!
Não pude avaliar se a nevasca havia sido boa ou ruim pra
gente, mas foi um tanto quanto bonito e até mesmo divertido se deparar com
aquele novo mundo e ver nosso carro inteiro abaixo da neve. Contudo, desmontar
acampamento e arrumar as mochilas se tornou uma tarefa mais difícil e lenta e
só começamos a caminhar às 11 da manhã!
Como ficou o acampamento após a nevasca |
Paisagem polar |
Carro totalmente coberto de neve |
Montanha totalmente branca, muito mais bonita! |
Café da manhã, onde foi parar as panelas? |
Há 2 acampamentos altos no Llullaillaco, um a 5500 metros e
outro a 5900. Pelo Trackmaker, através do tracklog que o Maximo Kausch me cedeu, calculei que do base ao 1 teríamos 3 km de
trilha e deste acampamento para o 2, somente 1,5, mas 400 metros de desnível.
Com isso em mente, comecei a achar melhor fazermos uma aproximação mais longa e
irmos direto ao 2, ao invés de fazermos duas caminhadas curtas em dois dias e
com isso perder mais tempo e uma boa janela que estava se formando na sexta
feira.
A neve caída na noite anterior nos ajudou a caminhar. Ela
cobriu os pedregais existentes na trilha e deixou o terreno mais fácil, embora tivéssemos
que andar com botas duplas. Durante a tarde, o tempo, repetiu-se o mal tempo do
dia anterior. Desta vez, no entanto, estávamos num lugar mais alto na montanha
e ficamos no meio da tempestade. Os ventos carregavam a neve em pós na
superfície e a jateava contra nossos rostos. Em alguns momentos, raios caiam
perto de nós. Mesmo num cenário que pra muitos pode parecer ruim, eu estava me
divertindo, pois o mal tempo deu origem a uma temperatura agradável de caminhar
e assim eu ganhei um bom ritmo, me divertindo com a situação.
Eu sabia que aquilo era temporário. Que durante a tarde o
tempo estaria ruim, mas a noite os ventos se cessariam o as estrelas iriam
brilhar como nunca. Depois da tempestade a calmaria. Aliás, depois da temporada
passada quando eu e o Waldemar Niclevicz escalamos 10 cumes nas piores
condições possíveis, aquilo parecia brincadeira de criança.
E assim, nestas condições “boas”, chegamos aos 5500 metros,
no local onde ficava o acampamento 1, ou melhor, onde deveria ser.
Subida na neve |
Por volta do meio dia fazia muito calor |
Mas a tarde o tempo fechou e a temperatura ficou agradável |
No horizonte, pode-se ver o Vulcão Socompa todo nevado. |
As vezes nuvens com neve nos alcançava |
O acampamento 1 não era bem definido. Dava pra ver que
embaixo da neve deveriam haver uns locais para montar a barraca, mas deveria
fazer muito tempo que ninguém acampava ali. O terreno era meio exposto ao vento
e ao mal tempo e as rochas estavam soterradas pela neve. Pensei em como eu iria
montar o acampamento sem pedras pra segurar a barraca, ou então como seria difícil
limpar o terreno para montar a barraca com o tempestade nas costas. Como era
muito cedo, 3 da tarde, joguei a possibilidade para o Luiz e o Luca de
acamparmos no 2 naquele dia. O Luiz titubeou, mas o Luca concordou com o meu
argumento. Acabamos prosseguindo.
Tendo a certeza que iriamos dormir em grande altitude, acabamos
deixando nossas botas simples mocada numa ruína que tudo indica poder ter sido
uma construção Inca. Ali descansamos um pouco e prosseguimos rumo aos 400
metros finais até o merecido descanso.
Eis que na retomada, acabei mantendo meu ritmo e quando percebi
estava muito na frente de meus companheiros. Parei algumas vezes para esperar
eles, mas meu ritmo era muito mais forte, embora minha mochila estivesse
pesando uns 20 e poucos quilos. Um pouco na frente avisei meus parceiros que
seguiria com meu ritmo até o acampamento e os esperaria lá.
Subi forte e cheguei ao Acampamento por volta das 5 da
tarde. Lá limpei o terreno, deixando-o aplainado e livre de rochas grandes no
chão. Montei a barraca ancorando-a em rochas grandes e quando eles chegaram, já
estava me preparando para coletar uns penitentes e começar a derrete-los para
fazer água. Após todo o ritual de fazer água, preparei um belo rango
liofilizado e todos nós comemos como rei. Deixei tudo pronto para o ataque
final.
Acampamento 2, 5900 metros de altitude. |
O relógio despertou às 3 da madrugada. Não fazia frio,
ouvia-se o som do silêncio. Acordei o Luiz e ele me disse que estava com dor de
cabeça. Dei um analgésico a ele e ao Luca e botei o relógio para despertar uma
hora mais tarde, para ver se o remédio podia fazer efeito. Acordei às 4 e desta
vez o Luiz além de dor de cabeça, tinha também enjoo. Aí o bicho pega, enjoo e
dor de cabeça são sintomas de mal de montanha. Decidi ficar descansando e ver o
que fazer depois. Quem sabe ficar mais um dia e tentar cume no sábado.
Eis que dormir se tornou uma tarefa impossível. Virava pra
todos os lados e não conseguia pregar os olhos. Eu mesmo fiquei com dor de cabeça
e meus pensamentos martelavam meu cérebro. Comecei assistir cenas rápidas passando
por meus olhos como se fossem um filme acelerado e sem sentido. Num determinado
momento, lembro que saí da barraca e vi no horizonte uma cidade com luzes
vermelhas. _ San Pedro! Pensei eu. _ Mas porque luzes vermelhas? Olhei de novo,
enxuguei os olhos e de fato, eu via uma cidade com luzes vermelhas. _ Mas não
existem luzes vermelhas na cidade! Será que é um vulcão em atividade? Diante de
tantas dúvidas sem solução, dei de ombros com o problema que eu via e fui dormir.
Foram cenas tão perfeitas que eu não sei até hoje se foram reais ou mais uma
alucinação, como aquelas pernas femininas balançando a água da piscina com murmúrios
e risadinhas. Risadas bem conhecidas, mas sem rostos, só pernas... Que cena bizarra!
Acordei com as primeiras luzes do dia e não me contive em
sair de novo da barraca. As luzes do dia eram convidativas e a temperatura
também. Nunca vi a 5900 metros a água não congelar durante a noite...
Notei que o Luiz estava sentado dentro da barraca e o convidei
para ver a luz do sol. Sentamos numa pedra e começamos a discutir os planos.
Ele não estava bem e achou que era melhor descer. Neste momento pedi licença
para fazer o cume sozinho. De princípio ele se mostrou preocupado com minha
segurança, mas eu já estava acostumado com isso e assim ele acabou aceitando.
Peguei uns chocolates, água, chá e me mandei para o cume,
eram 8 da manhã...
Primeiro metros de ataque ao cume, o C2 está em meio as rochas no plato abaixo. Olhando bem pode-se ver a barraca em laranja. Isso dá uma boa dimensão da imensidão da montanha... |
Crista rochosa por onde passa a rota, a neve começou a derreter por volta das 10 da manhã. |
Canaleta de difícil progresso. |
A neve ainda estava firme nas encostas da montanha e isso
facilitou muito o progresso. Fiz 200 metros em apenas uma hora, mas depois das
10 da manhã, o sol começou a pegar forte e a neve firme do dia anterior começou
a derreter e eu comecei a me afundar nela e a patinar nos acarreos existentes
abaixo da massa branca.
Pra quem não sabe, acarreo é um monte de cascalho que fica
solto nas pendentes inclinadas nas montanhas. É o típico local onde se dá um
passo pra frente e escorrega dois pra trás. Comecei a ficar cansado, mas muito
focado, sem olhar pra cima.
A subida se dava por uma crista, depois chega-se perto de
uma grande torre rochosa, onde desvia-se para a esquerda, entrando num vale
bastante íngreme e de difícil progresso. Vencendo este vale, chega-se à
primeira construção Inca em ruínas, a 6500 metros, onde fiz a primeira pausa
para descansar. Era meio dia e lá comi um pouco de chocolate, tomei água e chá.
Achei que estava tarde, mas mesmo assim prossegui. Por
sorte, o terreno ruim havia ficado para trás e dali em diante era uma pendente suave
em terreno estável, progredi muito rápido. No alto avistava duas torres
rochosas. Me lembrei de quando o Waldemar me contou de sua escalada naquela
montanha, em 2004. Ele tinha feito a ascensão pelo Chile, não pela Argentina
como eu estava fazendo e ele disse que o cume era uma torre rochosa e que ele
havia chego na torre errada e que teve que fazer uma escalada técnica no cume
pra corrigir e chegar no cume verdadeiro. Na hora vi que meu objetivo estava
perto.
Serpenteando a montanha cheguei num sub cume bastante amplo, na base daquela torre. Lá haviam duas ruínas Incas bem grandes, numa delas, em 1999, foi achado um menino mumificado, uns artefatos ornamentais de outro e prata, além de bonequinhos de Lhama. A torre do cume ficava na minha frente, eu sabia que era só fazer um “trepa pedra” e estaria no topo.
Serpenteando a montanha cheguei num sub cume bastante amplo, na base daquela torre. Lá haviam duas ruínas Incas bem grandes, numa delas, em 1999, foi achado um menino mumificado, uns artefatos ornamentais de outro e prata, além de bonequinhos de Lhama. A torre do cume ficava na minha frente, eu sabia que era só fazer um “trepa pedra” e estaria no topo.
Subindo no meio das rochas, ora enfiando o pé na neve, ora,
o equilibrando numa agarra rochosa, fui vencendo o trecho que não chegava a ser
uma escalada técnica e quando percebi não havia mais nada a subir. No meu pé
havia a famosa caixa de cume do banco do Chile, patrocinador de um projeto
muito bacana que consistiu em escalar todos os 6 chilenos e no topo de cada
montanha instalar aquela caixa de cume luxuosa.
Primeiras ruínas Incas a 6500 metros. |
Primeira visão para as duas torres onde fica o cume. |
Base da torre do cume e ruínas Incas. |
Cume |
Vista das ruínas incaicas perto do cume. |
Apesar de poucas pessoas conhecerem o Llullaillaco, esta é
uma montanha especial. São 500 anos de história de escaladas, descobertas
arqueológicas num mundo extremamente remoto e selvagem. Ninguém vai lá, ninguém
conhece esta montanha, que é sagrada. Aproveitando isso, fiz um pedido à
Pachamama que ela dê uma forcinha pro nosso amigo Parofes, que precisa de uma
porra de medula óssea pra continuar vivo. Deixei sua foto no caderno de cume e
comecei meu caminho de volta.
Às 4 da tarde já estava no acampamento. Às 5, já tinha
comido, descansado, desmontado a barraca e estava com a mochila pronta e
comecei a descer. O forte sol havia derretido a neve da quarta feira, mas mesmo
assim não parei nem para trocar de bota e às 6:30 já estava abraçando meus
parceiros pelo sucesso na expedição.
Homenagem ao Parofes no cume do Llullaillaco |
Auto retrato no cume
Até esta minha escalada apenas dois brasileiros haviam escalado o Llullaillaco. O primeiro a realizar esta ascensão foi meu amigo Waldemar Niclevicz, em 2004, pelo lado chileno. O relato destas ascensão está em seu site pessoal (http://www.niclevicz.com.br/llullaillaco/).O lado chileno é o que recebe a maioria das ascensões, pelo menos é o que pude constatar pelas assinaturas no livro de cume. Apesar disso, acho meio complicado por ali, pois é necessário conhecer bem o caminho, já que lá tem muitos campos minados e um erro naquelas inúmeras estradinhas pode ser fatal.
O segundo, que embora não tenha nascido no Brasil é brasileiro, foi o Maximo Kausch, que fez a montanha sozinho em 2012 com sua moto pela mesma rota que eu, no lado argentino. As dicas que ele me deu foram cruciais para poder chegar no topo com sucesso e voltar com segurança.
:: Assista ao vídeo da escalada no LLullaillaco |