Após ascendermos o misterioso Pico da Serra Negra, voltamos ao Planalto para curtir o resto do feriado. Apesar do sentimento de missão cumprida do Tacio, por ter ascendido as montanhas mais altas do Sudeste brasileiro, eu não fiquei satisfeito e tinha sede de novas aventuras.
O único problema é que segunda feira amanheceu um dia feio, frio e com risco de chuva. Por conta disso abortamos a escalada na Pedra do Altar e ficamos nos contentando com escaladas ao longo da estrada no interior do ParNA.
Eis que entre as nuvens o sol voltou a aparecer e inexplicavelmente, apenas incentivados pela escalada do Davi, Cintia e Rafael no dia anterior, eu, o Parofes e o Tacio decidimos fazer uma ascensão relâmpago no Pico das Agulhas Negras pela via Bira.
A Bira não é bem uma via. Pra mim, ela poderia ser considerada uma rota, uma vez que locais de escalada, escalaminhada e caminhada se alternam. Apesar da pequena dificuldade técnica, aquilo é uma rota de montanha que requer conhecimento e preparo, eis nosso primeiro erro: subestimamos a montanha... Outro erro foi ter decidido em cima da hora e ter saído tarde do refúgio, às 13:30.
Mas ok, erros são erros e muitas vezes a gente os contorna e até fizemos isso parcialmente, caminhando forte e escalando muito rápido. Levamos apenas 15 minutos pra sair do abrigo e chegar ao rio e outros 15 minutos pra chegar ao começo da via Bira... O tempo (atmosférico e cronológico) estava a nosso favor, mas isso não nos isentou de um outro erro: Interpretamos mal o croquis e saímos da via Bira...
Isso aconteceu no final do corredor da parede negativa, ao invés de irmos reto em direção à canaleta da Bira, viramos à direita e provavelmente entramos na Chaminé dos Estudantes.
O começo da via que fizemos é uma canaleta exposta onde tivemos que escalar lances de terceiro grau sem proteção alguma. O Tacio se incumbiu de realizar esta missão, esticando uns 40 metros de corda para o Parofes ir ao meio (de botas) e eu sair à francesa (escalando em simultâneo), atrás... Era o que dava pra ser feito com uma corda de 50 metros. Tá certo que não era o procedimento mais seguro, entretanto o mais rápido às vezes é o mais seguro e vimos isso na prática mais tarde.
Após uma união, tomei a dianteira e comecei a guiar um trecho onde a canaleta se afunila e é necessário fazer uns movimentos meio eróticos e bem arriscados, onde meu bom psicológico fez a diferença, aliás, qualquer escorregão significaria ficar entalado numa chaminé estreita. Neste trecho também estiquei cerca de 40 metros, fiz uma segurança de corpo e só depois descobri que mais acima havia um grampo “P” num local estratégico, onde pude mudar minha segurança e ficar mais tranqüilo, embora o vento canalizado me fizesse ficar cada vez mais preocupado.
Após uma outra reunião, onde todos nós ainda achávamos ainda estar na Bira, saí na frente novamente deixando para trás este trecho complicado da canaleta, que não permitia um rapel, já que para isso precisaríamos de duas cordas de 50 e muita paciência, pois não é fácil passar por um local tão estreito.
Enfim, saindo da canaleta, estiquei mais 50 metros e cheguei num local com vegetação, onde fiz uma segue de corpo para meus colegas me alcançarem. Foi ali que percebi que não estava mais na Bira. O visual que se descortinava, no entanto, e a sensação de liberdade aliada pelo fato de estarmos num local onde poucas pessoas já estiveram aliviou este sentimento do desconhecido e eu me senti como se fosse um Brackmann ou Spanner brincando de conquistar vias nesta montanha na época de ouro do montanhismo de Itatiaia. Um sentimento que cada vez mais está mais raro no montanhismo.
Continuando a rota pelo caminho mais óbvio, fomos nos afundando na angustia da incerteza, pois dali para frente não encontramos mais vestígios humanos e realizamos diversas enfiadas de terceiro grau sem nenhuma proteção fixa, usando e abusando da segurança de corpo.
Assim, escalando rápido e ganhando altura, fizemos uma reunião num platô e fui incumbido de ascender uma ultima canaleta que supostamente levava ao cume. Ao chegar lá, tive uma reação não muito animadora, que levou o Tacio a subir rápido e compartilhar comigo aquele desânimo.
Observando um labirinto de cumes, precipícios e paredões negativos e sem agarras, não vi o almejado cume do Itatiaiuçu, mas sim um cume que fica antes do Pontão sul, num lugar bem longe do cume principal de Agulhas.
Desci até uma região de vegetação à base daquele cume e sai desesperado na esperança de encontrar um caminho no meio deste labirinto. Encontrei uma belíssima visão para a borda Leste de Itatiaia, onde ficam os picos do Leão, Leoa, Cara de Gorila entre outros, o que nos deu algum ânimo, principalmente pro Tacio, que esteve nestas montanhas há pouco tempo atrás. Eu, no entanto, buscava uma saída para o cume do Itatiaiuçu.
Entre um trepa pedra e outro, cheguei a um cume onde achei uma caixa com um caderno, um sinônimo de civilização que me alegrou, mas que desanimou o Tacio, que conhecia melhor aquela paisagem do que eu: Era a caixa de cume do Pontão Sul. O problema é que este cume faz parte da travessia longitudinal das Agulhas Negras, travessia que o Tacio já havia feito e que ele mesmo não recomenda fazer com alguém que não conhece aquilo na ponta dos dedos, como ele próprio.
Sem saber como fazer para ir para o cume principal, ficamos explorando a zona de cume buscando saídas entre os blocos, túneis, pontes e fendas traiçoeiras que nunca nos levava a um local seguro. De fato, aquele local é um labirinto confuso e pior, já estava anoitecendo...
Meio sem querer, convenci o Tacio de um caminho que ele insistia não ser a saída, mas que mesmo assim fizemos na esperando de achar uma. Assim, fizemos um trepa pedra de descenso em direção ao leste e conseguimos achar um caminho que nos deixou bem próximo do cume principal, mas que era separado por três grandes fendas.
Explorando o caminho menos óbvio e mais arriscado, onde a fenda era mais profunda e onde éramos fustigados pelo vento, enfim o Tacio conseguiu se lembrar de algo e achou um caminho arriscado entre dois blocos separados por grandes precipícios e um túnel insuspeito, para enfim chegarmos na base do cume já de noite.
Estressado, o Tacio deixou pra mim a tarefa de guiar o último lance de terceiro grau, que fica na crista do cume, num local que ele dizia haver 3 proteções fixas, mas que eu achei somente uma...
Enfiam, no cume após 7 anos de ausência, pude visualizar a caixa onde fica o caderno e visualizar que nossa angustia havia terminado, afinal, dali para o abrigo era um caminho fácil, precisando apenas de fazer uma transposição para o cume do pico do Cruzeiro e uma trivial descida pela via do Pontão, que é percorrida por centenas de pessoas todos os dias. Dei segue pro Parofes e pro Tacio e logo estávamos nós três juntos novamente.
Já comemorando a vitória, mal podíamos imaginar que o azar estava ao nosso lado. Nuvens subiram a montanha e impediu que a gente pudesse enxergar o caminho com as laternas e reconhecer a rota de descenso. Nos perdemos inúmeras vezes e tivemos que voltar para não descer por um local técnico como a via que usamos para subir.
Foram momentos de angustia, onde navegamos por aparelhos (por GPS) e ficamos muitas vezes na incerteza, até que encontramos alguns grampos da via e tivemos certeza que estávamos no local certo. Após isso, o que nos salvou foi a excelente memória fotográfica do Parofes, que nos conduziu para a região mais baixa, a salvos de ter que passar uma noite na montanha.
Para finalizar o dia, ainda pegamos um chuvisco ao chegar ao planalto e chegamos no abrigo muito molhados e cansados, mas tranqüilos, apesar da preocupação de nossos colegas.
Apesar de toda imprudência, tenho certeza que se tivesse que passar a noite na montanha, teríamos passado numa boa na medida do possível, pois apesar de não querer, saímos do abrigo sabendo que só íamos voltar de noite e fomos preparados para o frio e a escuridão.
Só que não nos demos por vencidos e conseguimos sair deste perrengue numa boa e sem nenhum arranhão, só cansaço e stress. Como viram, cometemos muitos erros, mas também corrigimos todos eles. No final, se tivéssemos acertado a via Bira, teríamos chegado no Abrigo ainda com a luz do dia, por isso, se fosse pra fazer de novo, teria feito a mesma coisa, mas mais atenção com o croquis para evitar erros desnecessários e não precisar sofrer tanto para corrigi-los mais tarde.
Agulhas visto de longe
Aproximando da via Bira
Trecho do teto
Primeiros trepa pedra da Bira
Detalhes da erosão da rocha
Começo do erro, entrando na chaminé dos estudantes
Primeiro trepa pedra da chaminé dos estudantes
Trepa pedra da Chaminé dos Estudantes
Entrando na chaminé
Chaminé estreita
Chaminé
Sem proteção
Parofes vindo de segundo
Vista de Prateleiras desde o fim da chaminé
Bela vista quase no topo
Pedra furada quase no topo
Escalando um dos ultimos lances. Foto do Parofes
Chegando no final da via
O cume é pra lá... fodeu!
Olha ele aí... veja o labirinto!
Vista para a Borda Leste de Itatiaia
Tacio e suas montanhas
Calma aí, tem muito perrengue pela frente
Bela vista!
Anoitecendo na montanha e nada....