Esta semana
meu blog foi homenageado pelo Blog História Viva. Este, um blog que trata de
temas reflexivos das ciências humanas, muito interessante...
De uma
certa maneira, terem escolhido meu blog se deve , de um lado, por meu
afastamento da montanha, o que é triste, já que estou impossibilitado de
escalar por conta de trabalho. Por outro lado, este trabalho me deu um pouco de
incentivo para eu escrever mais sobre meus pensamentos e minhas memórias, que
foram os posts deste mês de Janeiro, um mês que fomos também bombardeados com
informações sobre tragédias, onde não deixei de manifestar minhas experiências.
A tragédia
do momento é o terremoto no Haiti, um desastre natural globalizado, pois além
de atingir diretamente aquela população sofrida, ainda atingiu pessoas que
ajudavam no combate à pobreza daquele país que é o mais miserável de todo o
continente americano. Dentre estas pessoas estava a Dr. Zilda Arns, responsável
pela pastoral da criança e também pelo baixo índice de mortalidade infantil que
o Brasil alcançou na última década.
Zilda que é
paranaense, começou a trabalhar contra a mortalidade infantil no interior do
Estado, numa pequena cidade chamada Florestópolis. Apesar do atual progresso, o
Paraná, um dos Estados mais ricos do Brasil, tem em suas origens uma história
de muito sofrimento, pobreza e subdesenvolvimento. A economia do Estado foi
durante muito tempo atrelada ao extrativismo florestal, sobretudo da exploração
predatória da Araucária, a árvore símbolo do Estado. Hoje resta menos de 1% da
área natural de Florestas de Araucária original no Paraná.
Por trás
desta história de degradação, boa parte incentivada pelo governo a partir da
década de 1940, existe a história privada de famílias que moravam nos
acampamentos no meio da floresta e que vivam da derrubada da floresta, os Pinhais,
com sua população composta de imigrantes europeus, poloneses, ucranianos, com
os mesmo pés descalços e barriga vazia que os cablocos originais da região.
Estas
pessoas sofriam do isolamento, da falta de acesso à educação, da fome e do frio
dos planaltos sulinos, além é claro que ficavam suscetíveis às chuvas comuns
que inclusive dão nome científico àquela formação florestal, a “Ombrófila (que
gosta de chuva) Mista (por misturar espécies latifoliadas com os pinheiros
gimnospermas)”.
Para
exemplificar um pouco com era a vida neste Paraná típico, eu escolhi um
fragmento do livro “Nos Campos e nos Pinhais” de Hellé Vellozo Fernandes, que
faz uma bela descrição das paisagens e do modus vivendi das pessoas neste Brasil
subtropical tão pouco relatado e conhecido:
Lá na
fábrica as máquinas ficam rodando.
No pinhal,
diante das escolinhas de mato, cercam-nos mulheres invariavelmente pálidas e
apáticas, em torno, olham-nos com receio e curiosidade.
Fazemos a
pergunta de praxe: Já ganharam feltro?
_Feltro?
São novos
em Pinheiral. Vieram de um dos povoados da redondeza e não sabem que, na
fábrica, os feltros servem de correia transportadora do papel e da celulose, em
uma fase do seu processo de secagem. Quando, desgastados, se tornam inadequados
a tal uso, são secados e cortados em pedaços – verdadeiros cobertores de tecido
duro – mas quente, resistentes ao vento, à geada, à chuva ao frio.
Vamos
distribuí-los entre a gente dos acampamentos de lenhadores e plantadores de
pinheiro, no início do inverno.
Numa enxerga
sem colchão estão deitadas quatro crianças. Enrolam-se num feltro e, aquecidas,
dão risinhos de contentamento. Escondem as cabeças, quando nos vêem. Depois,
lentamente, os cabelos revoltos vão aparecendo na borda do feltro e quatro
pares de olhos escuros nos fitam, risonhos. A mãe explica:
_Dois são
da vizinha. Os menorzinhos, vieram aproveitar a quentura da cama.
Esfriou
muito estes dias. Geou valendo, nos pinhais. O tempo está brusco. E chover
piorará. As crianças não foram para a escola porque não têm agasalhos. Debaixo
do feltro, riem, sem se incomodar com o tempo.
Encontramos
Virso acocorado diante do fogo aceso, sobre o chão de terra batida, no rancho.
_Então,
Virso não vai trabalhar hoje?
O
lenhadorzinho de dez anos sorri, fitando-nos com seus meigos olhos azuis:
_ Tá muito
frio dona!
Onde ele,
um cabloco da terra dos caingangues, arranjou aquele par de enormes olhos
azuis?
De
escolinha em escolinha vamos distribuindo feltros.
Os olhinhos
das crianças luzem. A oferta é generosa; poderá cobrir cinco ou seis
irmãozinhos. Vamos seguindo a rotina, como se não nos emocionasse a avidez com
que as mãos encardidas agarram o pesado volume.
O Ismair
contou-nos que é irmão do Saur. Olha-nos todo satisfeito, mal podendo sobraçar
o grande feltro.
_Nome do
seu pai?
_João de
Jesus.
_ De sua
mãe?
Parece não
nos compreender. Subitamente ri, os dentes alvos realçados no rostinho escuro.
E, de olhos muito abertos, afirma-nos com precisão e firmeza:
_Nome da
minha mãe? Mãe, ué!