Blog do Pedro Hauck: Obra do Acaso, Pico do Baiano.

15 de agosto de 2008

Obra do Acaso, Pico do Baiano.

650 metros de altura, 5°VI(7c,A1) E2. Isso é a obra do Acaso, uma via clássica, linda, localizada no Pico do Baiano, montanha de 2030 metros de altitude no teto da Serra do Caraça-MG.

Minha história com esta via começou no ano de 2005. Na época eu tinha um murinho de escalada em minha república em Rio Claro e um amigo que fazia doutorado ia lá com frequência treinar. Era o Pedroc, que hoje está morando em Friburgo. Estávamos falando de vias longas e quando ele viu que eu tinha o guia Escaladas de Minas, ele pegou e folheando me mostrou o croquis da via: "Essa aqui, isso é que via, a gente tem que fazer um dia!" Desde então fiquei com ela na cabeça. "Pico do Baiano", era a primeira vez que eu ouvia neste nome.

Acontece que o Baiano já não é mais tão frequentado, pois para ter acesso a ele, é preciso andar por uma estrada da Companhia Vale do Rio Doce e eles não deixam ninguém entrar lá. Esta foi a dificuldade da escalada, encontrar um caminho por onde não precisasse de "invadir" a Vale, foi impossível...

Junto com o Tacio, cheguei no vilarejo de Morro da Água Quente no fim da tarde de 13 de Agosto. Paramos o carro na pracinha da igreja e começamos a arrumar nosso equipo. As cordas e os equipamentos chamaram a atenção de curiosos que vieram conversar conosco: "A Vale deixa?" Foi o que perguntou uma dessas pessoas. Fiquei sem resposta e antes que ele me afirmasse que não, sai de fininho e fui esperar o dia anoitecer num restaurante de beira de estrada.

Na calada da noite, deixei o carro na cidade e com cerca de 20 quilos de mochila nas costas começamos nossa odisséia no baiano, com luzes apagadas...

Seguindo as poucas informações que tínhamos, conseguimos rapidamente passar pelo terreno da Vale e já entrar na mata para começar a subir a montanha. Infelizmente tivemos que agir assim. Odeio fazer esse tipo de coisa, mas pelo que os montanhistas mineiros me disseram, não adianta pedir, pois a Vale NÃO deixa NINGUÉM entrar no Baiano.

Eu havia ouvido falar horrores da trilha de aproximação, fomos bem cuidadosos, mas tudo saiu muito bem, não nos perdemos em momento algum, mesmo sem nunca ter ido lá e ainda de ter encarado a trilha de noite. Chegamos em um abrigo natural de pedra depois de 2 horas e meia de caminhada. Lá havia sinal de que muita gente já tinha pernoitado e como a parede parecia próxima, fizemos o mesmo. Dormimos de bivaque em uma noite "quente" de inverno, foi mais confortável que dormir na rede no sitio do Rod.

Despertamos na manhã seguinte às 5 horas. Assistimos o sol nascer comendo o resto de pão com presunto que levávamos na mochila desde Lagoa Santa e logo começamos a caminhar em direção à base da via.

A caminha foi breve, mas demoramos para encontrar o começo da Obra do Acaso. No croquis que eu tinha estava escrito que na base havia um tóten, que ficamos procurando em vão, depois de um exame da parede com o croquis acabamos acertando a via logo começou a escalada, eram 7:50 da manhã.

No começo, escalei bastante preocupado. O céu estava todo encoberto com nuvens negras e ventava muito. Só entrei na via pois já faziam 3 anos que pensava nela e não podia desistir tão rápido. Escalamos 4 enfiadas com este tempo ruim, por sorte mais tarde o tempo abriu e ficou lindo, sem arrependimentos, quem não arrisca não petisca.

As duas primeiras enfiadas são tranquilas. O crux da via fica na terceira, e era pra eu escalar, pois eu e o Tacio fomos dividindo as cordadas e acabei ficando com a ímpar.

Este crux da via é um 7c de aderência, muito foda! Ainda bem que não precisei ficar empatando a escalada com tentativas e erros, lá havia um furinho de talon e passei o lance em artificial.

Depois desta enfiada a escalada ficou bem tranquila até a 9 enfiada. Via muito constante de quinto grau com lancezinhos em sextos. Tudo bem protegido onde precisa e só exposto onde é fácil, como nas 3 últimas enfiadas onde é escalada parada a parada sem proteções no meio. Por isso a via é um E2. Você não fica muito no veneno, não fica muito, pois em parede sempre há um pouco, se não, não tem graça.

Chegamos no cume às 13 e 40 da tarde, fomos muito rápido para quem nunca havia estado no Baiano. Lá assinamos o livro de cume e disfrutamos um belo visual, somente interrompido quando olhávamos para a Vale do Rio Doce com suas enormes crateras de mineração, lagoas de minérios de cor ocre, caminhões e trens que ficam num vai e vem incansável fagocitando a montanha. Será por isso que eles não querem nenhum escalador por lá? Para não verem que na prática, a mineração não é tão bonita quanto nos comerciais de TV e que esta sim é uma atividade extremamente poluente e degradante? O que eles pretendem fazer com o Pico do Baiano e com este santuário natural que é a Serra do Caraça? Será que vai virar uma segunda Itabirito?

Deixando estas considerações de lado, com o tempo a nosso favor, fizemos todos os 13 rapéis com luz de dia e chegamos na base de volta às 5 e 10 da tarde, com luz suficiente para chegarmos de volta ao abrigo e arrumar a mochila para descer, levamos mais duas horas para chegar na vila, onde encontramos uma surpresa, os portões da Vale estavam fechados com um vigia nos esperando. Por sorte quando cheguei a estrada o vigia estava de costas e não me viu, voltamos para o mato e descemos por outro lugar, peguei meu carro e depois voltei para buscar o Tacio. Não se é comum isso acontecer, mas pelo menos na ida, os portões estavam abertos e não tinha ninguém vigiando, será que alguém dedurou, ou viram pontinhos na parede durante o dia? De qualquer maneira ele ainda está lá esperando a gente.

Dinamitar uma montanha pode. Escalar não! Esses são os antogonismo deste país. Morro da Água Quente poderia ser conhecida nacionalmente pela cidade da escalada de aventura, assim como Friburgo, mas infelizmente ela é conhecida como a terra da destruição...

Serra do Caraça vista desde a cidade de Catas Altas. O Pico do Baiano está na Sombra

Bivaque perto da base do Pico do Baiano

Amanhecendo no Caraça. Foto do Tácio

Pico do Baiano ao amanhecer

Tempo ruim pela manhã...

Mas mesmo assim subindo...

... e subindo...

e subindo...

... cada vez mais alto...

Pausa para apreciar a natureza (Foto do Tacio, é claro!).

Até que acabou a parede!

E este é o cume...

...pausa para assinar o livro...

... e tirar uma foto de cume!

Uma Paisagem que poucos tem o privilégio de ver.

Não deixem de ver as fotos desta escalada no album do site do Tacio: www.tacio.com.br

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