Ontem fizemos uma tentativa de escalar o Nevado Copa, de 6188 metros de altitude na Cordilheira Blanca, Peru. Várias coisas deram errado e não conseguimos atingir o cume.
Um dia antes, quando fui ao Mercado Municipal com o Rogério Sarlo, que foi nosso aluno no curso de gelo do Huayna Potosi, estava buscando comida para levar à montanha, pensando em fazer pizza de frigideira mandei uma mensagem pro Maximo para saber o estado do queijo que havíamos levado ao Tocllaraju e que havia sobrado.
Respondendo que precisaríamos um novo queijo, achei uma banquinha que vendia um Meia Cura muito bonito, que eu adoro e voltei orgulhoso da aquisição.
Mais tarde, quando fechávamos a mochila, sentimos um cheiro podre vindo da sacola onde estava o queijo. Revirando, achei a Mozzarela velha que subiu e desceu o Tocllaraju. Resolvido o problema.
Com um taxi fomos até a cidade de Vicos, um vilarejo indígena que dá acesso à montanha. Casinhas de adobe, plantações de trigo, porcos, vacas e galinhas na rua. As cholas daqui usam um chapéu engraçado bastante alto, algumas com um pano saindo do chapéu e indo ao pescoço, um cenário medieval se não fosse nosso carro percorrendo as vielas de terra. Lá encontramos nosso “arriero” Sabino, carregamos seus dois burricos com a carga e fomos até o ponto mais alto que dá para chegar de taxi e começar a caminhar. A paisagem é incrível, uma mistura de alpes, com idade medieval, campos de altitude, alguns bosques parecidos com a Patagônia com cobertura 3G.
A trilha começa em um vale com rio de águas cristalinas, passamos por um pasto com grama aparada, um talhão de eucalipto e enfim começamos a subir uma encosta com vegetação campestre em uma trilha muito bem aberta e mantida. Fazendo zig zags ganhamos mais de 1000 metros chegando enfim no lago Legiacocha, circulado de glaciares numa paisagem deslumbrante. Montamos acampamento num gramado perto do lago e ao abrir a mochila somos presenteados pelo cheiro podre.
_ Não pode ser, o cheiro deve ter ficado represado na sacola. Disse eu.
Mas não era, ao cheirar o queijo Meia Cura quase que Maximo vomitou. Estava podre...
Adeus pizza de frigideira.
A comida, no entanto foi o menor dos problemas do Copa.
Saímos de madrugada para fazer o ataque ao cume. A lua crescente que iluminava o acampamento havia se posto e a noite era um breu só. Sem enxergar direito chegamos na base de uma canaleta onde começa o gelo. Lá Maximo começou a reclamar de frio. A noite não estava tão fria e ele suou tanto que molhou a jaqueta de pluma e teve que trocar de blusa.
Colocamos o crampon e começamos a escalar com corda, no entanto, o gelo estava muito duro, era um verglas (gelo vítreo) puro! Cheguei a escorregar e fui assegurado. A Única coisa que pensei ao chegar no fim da canaleta foi: _ Como vamos descer essa merda?
Na continuação da escalada começamos a montar o glaciar, que estava muito duro, com gelo ruim e cheio de penitentes. Chegamos o local onde há o acampamento alto da montanha, a 5100 metros 4 horas depois que saímos do acampamento, super tarde!
Já havíamos escolhido não acampar lá, pois sabíamos da condição do gelo e a dificuldade de chegar ali com mochilas cargueiras. A demora achamos que se dera por que pegamos um caminho errado na canaleta. Também não seria possível que este local trivial estivesse tão difícil.
Tentamos ganhar tempo andando mais rápido. No entanto o gelo piorou de condição e o terreno virou uma sucessão de penitentes com gretas que ficava cada vez maior, mais difícil e penoso. Por conta disso, Maximo sugeriu irmos mais à esquerda, no meio do glaciar, onde havia menos penitentes. Por infelicidade, achamos um caminho sem penitentes, mas que entrou num campo de seracs que acabou sendo uma rua sem saída, chegando num local circulado por gretas intransponíveis.
Por infelicidade, já era 9 da manhã. A 5400 metros, estávamos 750 do cume, uma ascensão muito grande ainda por um terreno de progressão muito lenta. Para piorar, sabíamos que a tarde haveria neve. Seria muito perigoso continuar tentando para provavelmente voltar com um “White out” num terrenos tão irregular e além disso muito cansados. Talvez tivéssemos que bivacar, mas a jaqueta de pluma de Maximo, que havia molhado, agora estava congelada.
Com nuvens atravessando um colo da montanha, começamos a voltar. Atravessamos o glaciar e chegamos na região da canaleta. Como achávamos que havíamos subido a canaleta errada, começamos a descer uma segunda mais ao norte, colada numa parede de rocha.
A parte superior da canaleta era formada de gelo duro, com cuidado fomos descendo evitando escorregões até chegar numa crista rochosa que separava esta canaleta à que escalamos na subida. Pela crista fomos desescalando com esperança que dali pudéssemos chegar à moraina, de onde poderíamos chegar caminhando sem dificuldades até o acampamento. Observando de cima não me animava, pois eu via um precipício ao contrário de ver um trepa pedra de fato, após muita dificuldade de desescalar (com bota dupla), pude constatar que era um precipício com uns 100 metros de altura negativo. Fodeu!
O que fazer? Subir tudo o que havíamos descido e tentar rapelar 3 seções de corda com abalakov? Ou continuar tentando descer desescalando? Continuamos na segunda opção...
Achando uma saída por meio do labirinto de pedras, cheguei num local onde pude observar uma rampa com neve e rochas quase colada à parede rochosa que dava acesso à moraina. Dava pra ver a barraca laranja ao lado do lado, estávamos perto de casa.
Maximo foi a frente e constatou que a rampa era mais inclinada do que pensava e pior, super instável. A neve era recém caída e após um centímetro havia um material incoeso de areia e calhaus de rocha solta a qual não dava para confiar. Ele mesmo me aviou: caiu, morreu!
Equilibrando-se no nada chegamos numa rocha maior, onde pudemos procurar um bico de pedra para laçar uma fita e fazer um rapel, mas não havia nada para fazer isso. Sem opção, cramponamos e começamos a descer fazendo um “dirt tooling”, ou seja cramponando no barro formado pelo derretimento daquela fina camada de neve.
Assim, com muito perrengue fomos descendo, claro passando por inúmeros perrengues, como as pedras que caiam da parede e também que ias caindo com nossas passadas, sempre passando por um triz.
Foi muito tenso e difícil descer. Descobrimos na pior maneira que não havíamos subido pelo lugar errado, de fato o problema eram as condições da montanha, seca, com gelo ruim, que estava dificultando tanto a escalada.
Ao final chegamos no acampamento moídos. Tivemos tempo de descansar um pouco e logo chegou nosso arriero com os burros e começamos a descida, sendo recepcionados na base pelo taxi que pedimos pelo celular. Confirmando a previsão, choveu e nevou a tarde.
Impressionante como no Peru as montanhas são acessíveis, mas não fáceis. Até mesmo o Copa, que é considerada uma montanha fácil, pode se tornar muito difícil devido a condição de gelo. Um ano ela é trivial, no outro é mortal. Cordilheira Blanca é assim!
Trecho florestal da trilha que sobe ao Nevado Copa |
Trilha para o Nevado Copa |
Chegando ao campo base. Ao lado direito das torres de rocha se vê as duas canaletas que sobem a montanha. Subimos pela direita e descemos pela esquerda. |
Chegando no campo base. |
Local da acampamento. |
Acampamento noturno. |
Subindo a canaleta a noite. A neve é ilusão, há uma camada de 1 cm dela e abaixo é gelo puro ou rocha. |
Gelo muito ruim. |
Labirinto de gretas e penitentes. |
Gretas sem fim |
Precipício e nosso acampamento ao lado do lago abaixo. |
Rampa instável com rochas soltas |