É apenas a segunda vez que venho ao Peru. Na primeira, há 15 anos atrás, estive em nosso país vizinho apenas para conhecer Cuzco e Machu Picchu. É com muito atraso que venho pela primeira vez à Cordilheira Blanca, trecho peruano dos Andes que tem 19 montanhas acima de 6 mil metros, a mais alta do país e as mais difíceis do continente.
A oportunidade surgiu por conta de uma janela de tempo entre dois trabalhos na Bolívia. Já aclimatado, por que não tentar algo por aqui?
Tomei um voo La Paz x Lima junto com Maximo Kausch e logo me lembro o motivo pelo qual demorei tanto em vir aqui. O Peru é longe, distante para ir de carro e somos obrigados a viajar de avião que é um meio de transporte incompatível com montanhismo devido a restrições de bagagem. Tudo bem, deixamos a empresa aérea mais rica e chegamos a Lima.
De taxi deixamos o aeroporto a caminho da rodoviária. “Plaza Norte”. Muita pobreza no caminho na periferia de Lima, a cidade de Callao. Contrastando com a simplicidade da região, a rodoviária é moderna e limpa e passa uma boa impressão. Tratamos de conseguir uma passagem a Huaraz e embarcamos as 10 da manhã, capotando de sono.
Dormi muito e mal pude ver a paisagem mudando e no final da tarde pude observar as primeiras montanhas nevadas se destacando em meio a uma paisagem elevada dominadas por estepes de altitude. Pouco depois o ônibus estaciona numa rodoviária particular da empresa de transporte e cá estamos em Huaraz.
A primeira impressão que tive da cidade é que ela é uma Bolívia melhorada. O povo é mais acolhedor, a comida melhor, há mais opções de refeições e bons preços, além de ser mais limpo.
Passamos um dia organizando os equipamentos e logo partimos para a primeira montanha no terceiro dia depois que pisamos no Peru. O destino é o vale de Ishinca, que dá acesso à montanha de nome homônima, o Urus, Ranrapalca e enfim o Tocllaraju.
Chegamos na entrada do vale de taxi. Algo impensável em locais como a região da Puna do Atacama. O carro nos deixa em um campo e lá um jovem nos espera com um burro, organiza a bagagem e sai na frente. Vamos atrás apenas observando a paisagem.
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Conversando com um menino arriero no começo da trilha. |
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Carregando o burro com equipamentos. |
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Rio Ishinca com suas águas azuis celestes. |
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Bosque de Keñuas |
A trilha bem aberta e mantida sobre uma rampa de pedimentos recoberta por vegetação rasteira e entremeada por árvores de tronco grosso e casca que parece uma cebola, as Keñuas. Dali entramos no vale do rio Ishinca no meio da vertente escarpada com picos rochosos que dominam a montante. Ali a Keñua ganha um porte arbóreo e passamos a caminhar no sub-bosque ao lado do rio encachoeirado com suas águas azuis celestes.
A caminhada é prazerosa e fácil, ao ganhar altitude, deixamos a floresta para começar a caminhar em um campo plano circulado de paredes rochosas, onde um ou outro local desponta uma cachoeira gigante. Em determinado ponto o vale faz uma curva e meio que escondido desponta uma bela construção de pedra de dois andares, o refúgio Ishinca.
Acampamos na parte de fora do refúgio em um passo baixo e plano, um luxo contando que nem precisamos cozinhar, apenas pagar como comer no refúgio.
O dia seguinte foi o momento de colocar tudo na
mochila e aproximar o campo alto carregados. Estava muito lento devido ao peso da comida. Mesmo assim chegamos aos 5100 metros de altitude numa caminhada de 4 horas, a tempo de cozinhar algo e dormir.
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Cachoeiras gigantes na lateral do vale. |
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Fim do dia no acampamento base. |
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Acampamento base. |
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Noite no acampamento base. |
O relógio tocou as 2 da manhã, antes disso sai da barraca para ir ao banheiro e vi a movimentação da barraca ao lado. Entretanto só começamos a caminhar as 4 da matina, bem tarde.
A noite era de lua nova, escura. Não dava para ver nada e por isso com a lanterna no modo de iluminação máximo não terminou para ela acabar e eu precisar das pilhas do GPS para continuar iluminando.
O gelo não era do melhor, estava bem derretido, formando penitentes e verglass. Porém questão de atravessar as várias gretas (abertas) até cegar na base da parede e continuar a escalada.
Galgamos uma crista de quando percebemos estávamos na base de um fungo de gelo que era o cume. Ali encontramos nossos vizinhos apressados, um italiano e um guia peruano de poucas palavras que nos avisou estarmos perto.
Ali esticamos a corda e Maximo foi na frente guiando uma seção de escalada técnica de gelo. Ele protegeu com estacas e me chamou para uma reunião. Deixei minha
mochila na base eu fui escalando.
Houve mais uma enfiada de escalada em gelo técnica e quando percebemos o cume estava super perto.
No topo do fungo de gelo havia uma greta, uma pequena subida, uma greta bem grande e enfim o lugar mais alta da montanha.
A descida foi um pouco radical, com direito a um rapel no negativo no fungo, mas deu tudo certo e as 2 da tarde já estávamos no acampamento a tempo de desmontar a barraca e descer tudo de novo até o refúgio e no dia seguinte até Huaraz.
Foi uma escalada quase cirúrgica, sem perder tempo e bem precisa. Nada extraordinário, porém, sem erros. Começando com pé direito na Cordilheira Blanca e deixando tudo redondo. Meu quadragésimo 6 mil e septuagésimo cume nos Andes.
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Subida ao campo alto do Tocllaraju |
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Caminho do campo alto do Tocllaraju |
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Vista para o Ranrapalca |
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Tocllaraju |
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Vista ao amanhecer. |
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A caminho do cume. |
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Vista para o cume desde a crista. |
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Vista para o resto da cordilheira Blanca |
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Travessia na ida ao cume. |
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Cume. Ao fundo o impressionante Chimchey |
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Maximo no cume. |
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Eu no cume. |
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Cume do Tocllaraju |
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Vista do Fungo do cume. |
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Tocllaraju no fim de tarde. |