Recentemente publiquei um artigo na revista Ecologic. O artigo é sobre planejamento urbano e ambiental no Brasil, perda da qualidade de vida do brasileiro, especulação imobiliária e tragédias ambientais.
O que isso tem tudo tem a ver? leiam na íntegra abaixo:
Tragédias ambientais e a tragédia do dia a dia no Brasil
Recentemente temos assistidos com alarde casos de tragédias ocasionadas por chuvas fora da normalidade que vitimou algumas milhares de pessoas no Brasil. Estes episódios, que são discutidos como resultados nas mudanças climáticas globais, atingiram cidades do vale do Itajaí em Santa Catarina em 2008, São Luis do Paraitinga em 2009, Angra dos Reis no Reveillon de 2010, Rio de Janeiro e Niterói neste mesmo ano e a grande tragédia da Serra fluminense em Petrópolis e Teresópolis que produziu o maior número de vítimas ambientais na história do Brasil em 2011.
A causa direta destas tragédias, como já falado, é o clima que está cada vez mais quente e chuvoso. Este tipo de clima, quente e úmido, é o clima típico de boa parte do Brasil e ao longo de milhares de milhões de anos foi responsável pela elaboração do relevo do Sudeste, com seus “Mares de Morros” e solos profundos anteriormente florestados.
Não é novidade, no entanto, que as chuvas resultem em tragédias quando elas ocorrem com uma concentração acima da média. Foi o que houve no dia 18 de março de 1967 em Caraguatatuba-SP. Neste dia, uma tempestade de poucas horas despejou sobre a Serra do Mar uma quantidade de água esperada para o mês inteiro. As vertentes da Serra do Mar não suportaram o volume d´água despejando toneladas de lama e vegetação sobre a cidade, numa tragédia de proporções superiores aos eventos recentes, mas que vitimaram menos pessoas pois na época o município era menos habitado que hoje.
Tragédia Ambiental.
Quando falamos de meio ambiente temos que ter em mente que os sistemas ambientais têm uma dinâmica e uma história de evolução no tempo. As tragédias que mais assustaram os brasileiros aconteceram em paisagens dominadas pelos mares de morros e não dá para falar nas origens deste tipo de paisagem se antes comentar as idéias do geólogo Francês Henri Erhardt, que na década de 1960 elaborou a teoria da bioresistasia.
Erhardt estudou camadas geológicas no litoral de Madasgacar e notou grandes diferenças nos sedimentos, atribuindo isso à transições de climas tropicais secos para úmidos. Em climas tropicais úmidos, a tendência é que a vegetação se desenvolva em extensas florestas, as chuvas e o calor seriam responsáveis pela evolução de solos profundos e o relevo ficaria ao longo do tempo amorreado com formas mais suaves. Para este tipo de dinâmica de paisagem ele deu o nome de “biostasia”.
Já a resistasia seria o oposto. Em um clima tropical seco, a vegetação desapareceria e o solo desnudo ficaria desprotegido, favorecendo a remoção de solos, exposição das rochas e formação de planícies com o material proveniente desta erosão.
Milhares de milhões de anos da presença de uma dinâmica biostática na orla atlântica do litoral brasileiro resultaram na elaboração do chamado domínio morfoclimático dos mares de morros florestados, hoje, um domínio quase totalmente alterado com séculos de ocupação sem planejamento do espaço brasileiro.
Com a remoção da mata atlântica, passamos de uma dinâmica biostática para uma resistásica forçada. O livro “Ecodinâmica” do geógrafo Jean Tricart está todo baseado nesta mudança de energia e ele situa bem, ainda na década de 1970, os problemas ambientais que iríamos enfrentar com o desrespeito à dinâmica da natureza.
A floresta além de ajudar na evolução dos solos, ainda os protege da ação da água. A copa das árvores quebra a energia das gotas de chuva, que chegam ao solo e percolam pelos poros, alimentando os lençóis freáticos. Sem esta proteção, a gota da chuva chega diretamente ao solo com alta energia, desorganizando a estrutura superficial deste solo que perde a impermeabilidade e favorece o escoamento superficial, causando enchentes nos rios que recebem mais água que o normal, além de sedimentos, que pioram ainda mais a capacidade de drenagem dos cursos d´água cada vez mais sobrecarregados.
Este fenômeno não ocorre somente em áreas desmatadas. Em áreas reflorestadas com Pinus e Eucalipto elas também são comuns, uma vez que estas árvores têm um porte arbóreo muito elevado e suas folhas não barram a energia da água, pois tem um formato alongado. Uma gota de água que cai da copa de um Eucalipto adulto tem o mesmo efeito de uma gota que cai do céu sem a proteção do dossel de uma floresta. Não é de se estranhar que muitos destes acidentes ocorreram em locais que além de terem um relevo acidentado, tinham também enormes eucaliptais, como no vale do Itajaí, São Luis do Paraitinga e na Serra da Mantiqueira.
A mudança no clima, mais o mau uso do solo são responsáveis por fenômenos de deslizamento de massas, enchentes e fluxos de lama.
Tragédia do dia a dia
Mais do que apontar as causas diretas para as recentes tragédias no Brasil, precisamos ter em mente as relações humanas que levaram estas tragédias a chegar à dimensão digna de uma tragédia.
Nos últimos 50 anos, o Brasil passou por um forte processo de industrialização seguido de uma forte e rápida urbanização. Se até 1950 o Brasil era um país rural, hoje, com 83,75% da população vivendo em cidades, vivemos outra realidade, uma realidade de cidades gigantes!
O rápido êxodo do campo para as cidades, a falta de um planejamento e de infraestrutura levou o Brasil a um tipo de urbanização espontânea conhecido mundialmente com o nome de favela. Hoje, as favelas estão presentes em todas as regiões metropolitanas e de acordo com a ONU, ali vive 26,4% da população brasileira.
As favelas se caracterizam pela ocupação rápida e sem planejamento de terrenos ociosos pela população. O que provoca estas ocupações, no entanto, não é a renda baixa, mas sim o déficit habitacional seguida pela especulação imobiliária e a concentração de emprego nas áreas centrais das cidades. Desta forma, é mais fácil ocupar terrenos ociosos como encostas e fundos de vale do que conseguir financiamento de uma casa própria.
As ocupações da população de baixa renda são as mais prejudicadas pelos problemas ambientais, pois são as que tem as estruturas mais precárias, como por exemplo a ausência de rede de esgoto, o que leva a construção de fossas onde é despejado substâncias saponáceas que floculam as argilas e desestabilizam encostas.
Nos casos recentes das tragédias ambientais, condomínios de luxo e casas de alto padrão também foram afetados, mostrando que exceto pela diferenciação do padrão arquitetônico, muitas das construções do lado oposto da pirâmide social brasileira segue o mesmo caminho das favelas.
Estas são as tragédias do dia a dia os quais os brasileiros estão fadados a viver. A tragédia do mundo sem planejamento, onde as regras do mercado imobiliário dita a história da vida privada do brasileiro e influencia nas tragédias ambientais. Nossas cidades estão cada vez mais apinhadas, ocupando encostas, fundos de vale. Não temos mais áreas verdes e o que resta de verde no cinturão ao longo das grandes metrópoles estão ameaçados por este fenômeno de “rurbanização” que fazem condomínio de luxo viver lado a lado às grandes periferias.
Se não bastasse vivermos sem a mínima qualidade de vida urbana, a ausência de um planejamento provocado pela voracidade do mercado imobiliário de todas as classes está levando o brasileiro a conviver mais e mais com as tragédias da natureza, que as causas na verdade são mais humanas que ambientais.
Políticas para a tragédia
Além do Brasil não conseguir reverter a voracidade da especulação, não há perspectivas de melhora deste quadro. Muito se discute sobre as mudanças climáticas globais e seus efeitos para a sociedade brasileira. Equipa-se as defesas civis, cria-se alarmes para as tragédias, mas as políticas públicas, ao invés de resolver o problema, são coniventes ou senão são culpadas pelas tragédias.
Pouco se fala em planejamento local. As prefeituras têm pouco conhecimento e mão de obra para realizar um planejamento que permita um uso do solo com mitigação de impactos e muitas vezes o que vemos é o contrário disso, prefeituras sendo colaboradoras das tragédias com mudanças de planos diretores que permitem a ocupação de áreas de risco, como ocorre, por exemplo, na prefeitura de Valinhos – SP, onde está sendo discutida a ocupação da Serra dos Cocais para a construção de condomínios de luxo.
Além da ausência de políticas locais, o mau exemplo vem também da esfera federal, com a alteração do código florestal que permite ainda mais a alteração da dinâmica da natureza que provocam as tragédias.
Por todos estes motivos não podemos mais falar em tragédias ambientais isoladamente e devemos situar nosso período histórico, marcado pelo paradigma da crise ambiental, como resultado de um longo processo que ainda está longe de terminar e enquanto houver chuva de verão, haverá mais uma tragédia: A tragédia brasileira.
Recentemente temos assistidos com alarde casos de tragédias ocasionadas por chuvas fora da normalidade que vitimou algumas milhares de pessoas no Brasil. Estes episódios, que são discutidos como resultados nas mudanças climáticas globais, atingiram cidades do vale do Itajaí em Santa Catarina em 2008, São Luis do Paraitinga em 2009, Angra dos Reis no Reveillon de 2010, Rio de Janeiro e Niterói neste mesmo ano e a grande tragédia da Serra fluminense em Petrópolis e Teresópolis que produziu o maior número de vítimas ambientais na história do Brasil em 2011.
A causa direta destas tragédias, como já falado, é o clima que está cada vez mais quente e chuvoso. Este tipo de clima, quente e úmido, é o clima típico de boa parte do Brasil e ao longo de milhares de milhões de anos foi responsável pela elaboração do relevo do Sudeste, com seus “Mares de Morros” e solos profundos anteriormente florestados.
Não é novidade, no entanto, que as chuvas resultem em tragédias quando elas ocorrem com uma concentração acima da média. Foi o que houve no dia 18 de março de 1967 em Caraguatatuba-SP. Neste dia, uma tempestade de poucas horas despejou sobre a Serra do Mar uma quantidade de água esperada para o mês inteiro. As vertentes da Serra do Mar não suportaram o volume d´água despejando toneladas de lama e vegetação sobre a cidade, numa tragédia de proporções superiores aos eventos recentes, mas que vitimaram menos pessoas pois na época o município era menos habitado que hoje.
Tragédia Ambiental.
Quando falamos de meio ambiente temos que ter em mente que os sistemas ambientais têm uma dinâmica e uma história de evolução no tempo. As tragédias que mais assustaram os brasileiros aconteceram em paisagens dominadas pelos mares de morros e não dá para falar nas origens deste tipo de paisagem se antes comentar as idéias do geólogo Francês Henri Erhardt, que na década de 1960 elaborou a teoria da bioresistasia.
Erhardt estudou camadas geológicas no litoral de Madasgacar e notou grandes diferenças nos sedimentos, atribuindo isso à transições de climas tropicais secos para úmidos. Em climas tropicais úmidos, a tendência é que a vegetação se desenvolva em extensas florestas, as chuvas e o calor seriam responsáveis pela evolução de solos profundos e o relevo ficaria ao longo do tempo amorreado com formas mais suaves. Para este tipo de dinâmica de paisagem ele deu o nome de “biostasia”.
Já a resistasia seria o oposto. Em um clima tropical seco, a vegetação desapareceria e o solo desnudo ficaria desprotegido, favorecendo a remoção de solos, exposição das rochas e formação de planícies com o material proveniente desta erosão.
Milhares de milhões de anos da presença de uma dinâmica biostática na orla atlântica do litoral brasileiro resultaram na elaboração do chamado domínio morfoclimático dos mares de morros florestados, hoje, um domínio quase totalmente alterado com séculos de ocupação sem planejamento do espaço brasileiro.
Com a remoção da mata atlântica, passamos de uma dinâmica biostática para uma resistásica forçada. O livro “Ecodinâmica” do geógrafo Jean Tricart está todo baseado nesta mudança de energia e ele situa bem, ainda na década de 1970, os problemas ambientais que iríamos enfrentar com o desrespeito à dinâmica da natureza.
A floresta além de ajudar na evolução dos solos, ainda os protege da ação da água. A copa das árvores quebra a energia das gotas de chuva, que chegam ao solo e percolam pelos poros, alimentando os lençóis freáticos. Sem esta proteção, a gota da chuva chega diretamente ao solo com alta energia, desorganizando a estrutura superficial deste solo que perde a impermeabilidade e favorece o escoamento superficial, causando enchentes nos rios que recebem mais água que o normal, além de sedimentos, que pioram ainda mais a capacidade de drenagem dos cursos d´água cada vez mais sobrecarregados.
Este fenômeno não ocorre somente em áreas desmatadas. Em áreas reflorestadas com Pinus e Eucalipto elas também são comuns, uma vez que estas árvores têm um porte arbóreo muito elevado e suas folhas não barram a energia da água, pois tem um formato alongado. Uma gota de água que cai da copa de um Eucalipto adulto tem o mesmo efeito de uma gota que cai do céu sem a proteção do dossel de uma floresta. Não é de se estranhar que muitos destes acidentes ocorreram em locais que além de terem um relevo acidentado, tinham também enormes eucaliptais, como no vale do Itajaí, São Luis do Paraitinga e na Serra da Mantiqueira.
A mudança no clima, mais o mau uso do solo são responsáveis por fenômenos de deslizamento de massas, enchentes e fluxos de lama.
Tragédia do dia a dia
Mais do que apontar as causas diretas para as recentes tragédias no Brasil, precisamos ter em mente as relações humanas que levaram estas tragédias a chegar à dimensão digna de uma tragédia.
Nos últimos 50 anos, o Brasil passou por um forte processo de industrialização seguido de uma forte e rápida urbanização. Se até 1950 o Brasil era um país rural, hoje, com 83,75% da população vivendo em cidades, vivemos outra realidade, uma realidade de cidades gigantes!
O rápido êxodo do campo para as cidades, a falta de um planejamento e de infraestrutura levou o Brasil a um tipo de urbanização espontânea conhecido mundialmente com o nome de favela. Hoje, as favelas estão presentes em todas as regiões metropolitanas e de acordo com a ONU, ali vive 26,4% da população brasileira.
As favelas se caracterizam pela ocupação rápida e sem planejamento de terrenos ociosos pela população. O que provoca estas ocupações, no entanto, não é a renda baixa, mas sim o déficit habitacional seguida pela especulação imobiliária e a concentração de emprego nas áreas centrais das cidades. Desta forma, é mais fácil ocupar terrenos ociosos como encostas e fundos de vale do que conseguir financiamento de uma casa própria.
As ocupações da população de baixa renda são as mais prejudicadas pelos problemas ambientais, pois são as que tem as estruturas mais precárias, como por exemplo a ausência de rede de esgoto, o que leva a construção de fossas onde é despejado substâncias saponáceas que floculam as argilas e desestabilizam encostas.
Nos casos recentes das tragédias ambientais, condomínios de luxo e casas de alto padrão também foram afetados, mostrando que exceto pela diferenciação do padrão arquitetônico, muitas das construções do lado oposto da pirâmide social brasileira segue o mesmo caminho das favelas.
Estas são as tragédias do dia a dia os quais os brasileiros estão fadados a viver. A tragédia do mundo sem planejamento, onde as regras do mercado imobiliário dita a história da vida privada do brasileiro e influencia nas tragédias ambientais. Nossas cidades estão cada vez mais apinhadas, ocupando encostas, fundos de vale. Não temos mais áreas verdes e o que resta de verde no cinturão ao longo das grandes metrópoles estão ameaçados por este fenômeno de “rurbanização” que fazem condomínio de luxo viver lado a lado às grandes periferias.
Se não bastasse vivermos sem a mínima qualidade de vida urbana, a ausência de um planejamento provocado pela voracidade do mercado imobiliário de todas as classes está levando o brasileiro a conviver mais e mais com as tragédias da natureza, que as causas na verdade são mais humanas que ambientais.
Políticas para a tragédia
Além do Brasil não conseguir reverter a voracidade da especulação, não há perspectivas de melhora deste quadro. Muito se discute sobre as mudanças climáticas globais e seus efeitos para a sociedade brasileira. Equipa-se as defesas civis, cria-se alarmes para as tragédias, mas as políticas públicas, ao invés de resolver o problema, são coniventes ou senão são culpadas pelas tragédias.
Pouco se fala em planejamento local. As prefeituras têm pouco conhecimento e mão de obra para realizar um planejamento que permita um uso do solo com mitigação de impactos e muitas vezes o que vemos é o contrário disso, prefeituras sendo colaboradoras das tragédias com mudanças de planos diretores que permitem a ocupação de áreas de risco, como ocorre, por exemplo, na prefeitura de Valinhos – SP, onde está sendo discutida a ocupação da Serra dos Cocais para a construção de condomínios de luxo.
Além da ausência de políticas locais, o mau exemplo vem também da esfera federal, com a alteração do código florestal que permite ainda mais a alteração da dinâmica da natureza que provocam as tragédias.
Por todos estes motivos não podemos mais falar em tragédias ambientais isoladamente e devemos situar nosso período histórico, marcado pelo paradigma da crise ambiental, como resultado de um longo processo que ainda está longe de terminar e enquanto houver chuva de verão, haverá mais uma tragédia: A tragédia brasileira.