16 de fevereiro de 2009
Sobre a tragédia dos italianos no Aconcagua
No mes de Janeiro, a comunidade andinista voltou sua atenção para mais uma tragédia no Cerro Aconcagua.
As notícias que foram passadas na mídia, contavam que um guia argentino, Federico Campanini, que conduzia amigos italianos, se perdeu na região do cume, quando uma tempestade fustigante os alcançou. Sem visão por causa dos ventos brancos, o guia conduziu o grupo ao glaciar Polacos, que é uma rota mais técnica que fica ao leste da montanha. Um dos italianos, uma mulher, sofreu uma queda e quebrou uma perna. Este grupo permanececeu dois dias ao relento na região do cume e no final, contava-se que quando chegou a patrulha de resgate, o guia argentino e a mulher com perna quebrada já tinham falecido...
Os italianos sobreviventes foram encaminhados ao hospital e depois retornaram ao seu país sem dar detalhes sobre a morte do guia. Caso encerrado, todos calados... Até agora.
Nosso amigo Hilton Benke esteve em Puente Del Inca recentemente e comentou o caso com alguns muleiros que trabalham no Aconcagua e nos trouxe uma nova informação sobre o caso que não divulgamos, pois pareciam mais intrigas e fofocas do que algo real. Segundos os muleiros, o guia argentino não tinha sido encontrado morto, ele havia se matado na montanha, pois tinha sentido culpado pela morte da italiana.
Agora com a divulgação do video com cenas do resgate, a verdade vem a tona. O guia argentino estava muito debilitado, mas vivo. Ele foi deixado para trás na montanha, pois a patrulha de resgate não conseguiu descê-lo.
Muitos vêm a criticar a patrulha de resgate pelo fracasso da operação, mas colocando-me no lugar deles, sei que é dificil realizar um resgate deste tipo, a quase 7 mil metros de altitude, com tempo ruim e muito cansados.
O video é muito chocante. O guia sem forças é arrastado por uma corda. Ele tenta se levantar, mas não consegue. Talvez tenha sido uma das últimas ações que ele tenha tentado fazer com vida. Depois foi deixado abandonado e morreu congelado.
Muitos ficaram com raiva de Federico Campinini e o culparam pela tragédia. Entretanto o Hilton trouxe da argentina outra versão do acidente. Segundo os muleiros, o guia não se perdeu no cume. Ele e o grupo chegaram lá com a tempestade formada, com ventos brancos vindos do norte muito fortes. Foi por este motivo que eles sairam da região do cume, pois tentaram se abrigar na outra encosta dos ventos que vinham do lado de onde vieram. Essa história faz todo sentido. Pois depois de descerem um pouco pela rota dos polacos, a italiana que estava sem visão e muito cansada, caiu e fraturou a perna e por isso o grupo ficou por lá.
Essa história trágica é uma lição para todos nós. Pois tudo isso teria sido evitado se o grupo tivesse percebido a formação do mal tempo e tivessem descido, como fez uma das integrantes da expedição que se salvou. O pior que eles puderam fazer foi não terem desistido.
Esta decisão é muito dificil e muitas vezes somos relutantes em tomá-la. Eu mesmo já fiz isso em duas ocasiões em que quase me dei mal. A primeira foi no Huayna Potosi em 2002, quando tive sorte de retornar ao acampamento em meio aos ventos brancos. Na segunda vez foi no Incahuasi em 2006, quando eu o Maximo só voltamos porque estávamos com um GPS. Os ventos brancos são ventos carregados de neve em pó em ambientes já nebulosos em que não conseguimos enxergar um palmo à frente. Os gringos chamam este fenômeno de "white out" ou seja, "branco total".
Nesta situação vc não consegue ficar parado, pois congela de frio e não consegue nem caminhar, pois pode ir para um lugar errado, cair num precipício ou numa greta ou ir para em local distante na montanha.
Acho complicado culpar alguém pelo ocorrido. Todos tiveram a chance de desistir, inclusive uma das integrantes do grupo desceu e se salvou da tempestade. A patrulha não pode ser culpada pela morte de Federico, pois ele tentaram ajudar, eles são na verdade heróis por terem descido os outros italianos e não bandidos por terem fracassado no içamento do guia argentino.
Deste episódio trágico fica uma lição que sempre é dada e que todos ignoram. Saiba a hora certa de desistir. Um cume não vale a sua vida. Volte e tente novamente mais tarde. Se alguém tem alguma culpa do ocorrido são os próprios andinistas que não desistiram do cume.
Esta é a minha opinião.
Veja mais sobre o caso: Aconcagua: Pai de guia afirma que seu filho foi deixado na montanha para morrer!
4 comentários:
- Eliza disse...
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Triste de mais! Mas é isso ai, não dá pra julgar nem culpar ninguém...
- 16 de fevereiro de 2009 às 17:56
- Unknown disse...
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Pedro
Sua opinião está correta, não vou julgar eles, só discordo de uma coisa, aquilo não é uma patrulha de resgate, vejo bem claramente alguns detalhes no video. Uma equipe de resgate aje com procedimentos, normalmente um líder coordena todo processo, ali pelo que transparece age pela sua intuição. Tenho fontes que falaram que um grupo de russos e eslovenos, queria subir logo na primeira noite, o tal chefe da patrulha(que é mandão e centralizador) disse não.
A questão é simples, quer ter uma equipe de resgate, tenha material humano e equipamentos pra trabalhar em qualquer clima ou qualquer situação. Roupas adequadas para extremas condições climaticas, O2,Dex e uma maca/trenó são indispensaveis, mas pessoal treinado é primordial. Não é pegar meia dúzia e dizer vamos lá tentar salvar.
Volto a frisar, como você disse, eles assumiram os riscos, dois pagaram com a vida.
Sabemos que a altitude e a condição de alta montanha é extrema para o nosso organismo, mas uma equipe de resgate como aquela é deplorável, as ações dele não tem nada de resgate e sim de montanhistas "solidários", tentando salvar uma vida que já estava quase perdida. O guia Mendocino Federico não queria morrer e suas ações mostram isso. Lamentável o ocorrido e as cenas muito mais.
Sirva de lição, as pessoas que vão as montanhas sem experiencia, aos guias que não usam como deveriam suas habilidades e experiencia, as autoridades que não sabem as reais condições encontradas num ambiente inóspito e nós membros da comunidade montanhistica que talvez estamos nos omitindo de sermos mais unidos e humanos e assim, reinvindicar a preservação e conservação de nossas montanhas.
Só não esqueçam o mundo é capitalista, bens materiais imperam, mas nosso espirito aventureiro baseado em nossa experiencia ao longo de anos em ambiente prevalece nos altos cumes, como disse Messner, o misterioso, Senso de Montanha. - 16 de fevereiro de 2009 às 22:02
- Pedro Hauck disse...
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Pode crer Marcio. Consigo imaginar o cabeça da patrulha de resgate tesourando os escaladores que quiseram ser voluntários no trabalho.
A patrulha mandou mal em mentir que achou o cara morto e em ser orgulhosa em não aceitar ajuda. Agora não é fácil trabalhar lá em cima.
Siceramente acho que não deveria ser gasto dinheiro publico em restate de aventureiros. Vc se arrisca por que quer, então é sua responsabilidade os acidentes. Não é bem o caso do Aconcagua, pois lá é se paga uma grana por parque. Ma e em nossas montanhas? Quanto não se gasta pra resgatar um montanhista perdido na Serra do Mar? É helicoptero, bombeiros, equipamento. No final um resgate acaba sendo mais caro do que o dinheiro que o IAP tem para gerenciar um parque, como o Marumbi. Bom, as coiss são muito complicadas e nao é em um posta como esse em que vou conseguir falar de tudo o que envolve esta situação - 17 de fevereiro de 2009 às 01:38
- Paulo Roberto - Parofes disse...
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Pedrão,
Mais uma vez, só posso concordar.
Antes do Edson partir pro Plata ele insistia em não desistir mesmo frente a um tempo ruim, o que eu disse a ele foi: "Edson, você nunca esteve em alta montanha, a montanha não vai fugir de você, estará para outra oportunidade. Se o tempo estiver ruim, desça e salve sua vida."
Felizmente tudo deu certo (bem, quase tudo) e ele voltou só com um derrame retinal...Poderia ter sido pior.
Nas condições dele, passando mal como ele me disse que passou, eu teria desistido pois não vale a pena.
Acho que felizarda foi a italiana que desistiu, assim comentei quando a matéria foi publicada.
Em relação aos que insistiram, eles jogaram com a própria vida, e deu no que deu.
É triste, mas foram sim heróis os socorristas.
Na minha opinião, naquele momento, o guia já tinha um sério edema cerebral e oscilava entre consciente e inconsciente...Já não tinha chances mais...
Não acredito que haja culpados. A montanha gritou e quem estava perto ouviu muito bem...
Abrazos. - 17 de fevereiro de 2009 às 10:38