O Sajama é uma montanha que conheço de longa data, mas minha história com ela mostra o quão difícil pode ser escalar uma montanha tão alta e sim, o Sajama é muito alto. Com 6542 metros ela é a mais alta da Bolívia e é uma das 15 montanhas andinas com mais de 6500 metros. Porém o mais impressionante é que ela emerge do meio do nada no altiplano andino.
Minha primeira vez na região foi em 2002, quando junto com Maximo Kausch tínhamos a audaciosa missão de escalar o Parinacota, Pomerape e o Sajama, que são as montanhas mais famosas da região. Fizemos apenas a mais baixa delas, o Pomerape, que mesmo tendo menor altura é a mais difícil e menos frequentada.
Voltei lá em 2007 e fiz sozinho o Parinacota e junto com Marcio Carrilho tentei pela primeira vez o Sajama. Infelizmente o Marcio voltou antes da canaleta e mesmo tendo vencido este obstáculo, que é o mais técnico da montanha, decidi retornar e acompanhar meu amigo.
Em 2009 finalmente fiz cume na montanha junto com Maximo, porém sob péssimas condições de tempo. Foi um dos dias mais frios da minha vida, onde tudo congelou. Foi um temporal terrível que pintou de branco o altiplano e nevou até em La Paz. Por isso não tenho uma foto de cume daquela ocasião.
Retornei em 2014 para levar um grupo comercial e nesta expedição só conseguimos ir pouco além da canaleta, sendo derrotados pelos penitentes, que são agulhas de gelo imensas que se formam no fim da temporada quando o gelo está derretendo. Ainda naquele ano regressei à região para fazer os outros 3 seis mil que há na região, Acotango, Guallatiri e Capurata.
A idéia de escalar este gigante em 2016 não partiu de mim, mas sim do Tiago Melo, um advogado de São Paulo que fez o curso de escalada em gelo com o Maximo Kausch em 2013. Ele tinha um grupo de amigos e queria fazer algo diferente na Bolívia. Era o Marcelo Figueiredo, Frances Toney (da Noruega), Christine Hemmericx (da Bélgica) e Alex Ignatov da Rússia. Juntos estes 5 já haviam feito algumas viagens, inclusive tentado um 7 mil, o Comunismo, uma das montanhas mais altas da antiga URSS.
De principio relutei, pois eles tinham apenas o mês de setembro disponível e isso é fim de temporada, o que significa muito penitente na montanha. Mas depois repensei e aceitei o desafio de guiar sozinho um grupo de pessoas. Acontece que mais pessoas se interessaram, dentre eles clientes que se tornaram grandes amigos, Tatiana Batalha e Joair Bertola. De ultima hora também apareceu o Marcelo Braga e Lucas Delfino. Nove no total!
Após uma longa aclimatação que incluiu a ascensão do Cerro Austria, Pequeno Alpamayo e Acotango, estávamos prontos para fazer a montanha, porém algumas dificuldades apareceram do nada. Em setembro a cidadezinha de Vila Sajama tem uma festa tradicional e na Bolívia as pessoas levam a sério as festas, bebem e esquecem da vida. Após estabelecermos o acampamento base, precisaríamos de carregadores para levar equipamentos, barracas e comida para o acampamento alto a 5500 metros de altitude. Com todo mundo ainda bêbado da festa, apareceu metade do que precisávamos.
É nestes imprevistos que vemos a capacidade de nossos clientes que não se aborreceram e nos ajudou a carregar peso nas costas. Também testamos todo o staff da expedição. Cheguei a levar 30 kg nas costas e o resto dos guias, Angel, Alex e Carlos também. Chegamos cansados, mas animados, pois o tempo estava muito bom.
Com cozinheiras na expedição pudemos comer bem e descansar um pouco. Por volta da meia noite escutei barulhos de pedras rolando e ao ser acordado percebi que o chão estava tremendo, TERREMOTO! Angel acordou assustado, mas antes de tomarmos qualquer ação ele cessou. Houve mais outro menos intenso mais tarde, mas ninguém fora nós sentiu.
Acordamos as 2 da manhã. Fazia o frio habitual. Todos comeram bem e partiram rumo ao topo. Logo o grupo se dividiu em grupos menores de acordo com seu ritmo, mas não tardou em todos se encontrarem na base da canaleta, que é o gargalo da montanha. Este trecho que tem este nome por ser um vale vertical na montanha, estava muito seco. A rocha vulcânica não tem nenhuma sustentabilidade e tivemos que fixar uma corda e fazer os clientes subirem com um nó prussik para ganhar estes 80 metros de desnível. Foi um tanto que demorado e tenso, mas enfim chegamos ao topo para ver o sol nascer.
Após a canaleta, há um trecho de crista rochasa perigoso, onde é necessário fazer segurança com corda. Só depois destes trechos começa a parte fácil, que estava tomada por penitentes como previsto.
Evitamos ao máximo o trecho com penitentes e por fim entramos no meio destes torres de gelo. Por fim o que achávamos que seria o pior trecho acabou não sendo. Isso porque estava tão derretido que a distancia entre os penitentes formou um corredor fácil de passar.
Dali foi uma questão de tempo até o cume. O gelo melhor bastante depois de 6300 metros e ficou bem fácil. Quase todos chegaram no cume, infelizmente Lucas não se adaptou à altitude e nem chegou a tentar o ataque e a Tatiana e o Joair voltaram após a crista. Mesmo assim foi um grande sucesso, tendo chegado ao topo os três estrangeiros, Frances, Christine e Alex, além de Tiago e os dois Marcelos. Me chamou bem a atenção positivamente a força do Marcelo Braga, que fez todas as montanhas da expedição e depois ainda escalou o Chachani no Peru, totalizando 3 montanhas de 6 mil metro na mesma viagem.
Veja mais:
:: Roteiro do GenteDeMontanha: Acotango, Parinacota e Sajama
:: Equipamentos para alta montanha
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Aproximação do Sajama |
Avistando o Sajama - Foto de Angel Arnesto. |
Sajama - foto de Angel Arnesto |
Tatiana Batalha e Carlos. foto de Angel Arnesto |
Ataque ao cume de madrugada - foto de Angel Arnesto |
Lua durante o ataque ao cume: foto de Angel Arnesto |
Começa da crista - foto de Angel Arnesto |
Crista do Sajama - foto de Angel Arnesto |
No meio dos penitentes - foto de Angel Arnesto |
Atravessando uma greta antes do cume. |
Acampamento alto do Sajama. foto de Angel Arnesto |
Cume do Sajama |
Angel, Alex, Carlos e eu |