Nympheás, quando li este nome, no museu de L’orangerie, imaginei algo relacionado à pintura de belas jovens, ninfetas, que tanto impressionam os homens e causaram admiração aos pintores românticos. Como sou ignorante no francês... Nympheás são lírios d’água, uma coleção especial feita pelo pintor impressionista Monet para aquele local.
O Museu de L’orangerie foi idealizado por Monet e concluído após sua morte. São duas salas ovais, sem janelas laterais, onde ficam reunidas suas imensas pinturas sobre os lírios d’água. Os jardins nem sempre foram a inspiração de Monet, mas neste museu ele atinge seu ápice. A primeira vista, há nada poético em lírios d’água, mas a poesia e admiração brotam da observação da tela. Os lírios são pinceladas, não são fotografias fidedignas àquilo que vemos com os olhos, não há neles a perfeição estética e simétrica do romantismo puro, eles são simplesmente coisa que vemos com o sentimento e são belas como uma bela mulher.
Nympheás no museu de L’orangerie. |
Os lírios podem ser vistos em escalas diferentes, de muito perto, onde os detalhes se perdem com o desfocar dos olhos, ou à distância, onde os vemos em sua totalidade e enxergamos o reflexo do resto do jardim no espelho d’água do lago retratado, embora isso seja um detalhe apenas notado pelos mais impressionados, onde cada detalhe faz grande diferença.
Não há romantismo numa planta aquática, mas o impressionismo desperta o sentimento na pessoa que o admira. Este olhar entre escalas me recorda, novamente, uma linda mulher. Quando a observamos a distância, vemos toda a beleza do conjunto,um rosto bonito em harmonia com um corpo sensual, mas ao olhar de perto, até os olhos desfocarem, a imagem é uma coisa pra poucos. A atração deixa de ser o que é visto e passa a ser o toque, o cheiro, outros sentidos que não a visão.
Detalhe de Nympheás, sem desfocar os olhos... |
Em outra pintura sobre a água de Monet, no quadro “A Canoa Sobre o Epte” que faz parte do acervo do MASP em São Paulo a simetria não é respeitada. A escolha de uma tela em forma de retrato, para mostrar uma paisagem, deixa perder parte do barco onde duas moças passeiam.
A ausência da proa do barquinho a remo deixa evidente o movimento da embarcação, mas o que importa na cena é a moça que está no centro da figura. É ela quem o artista retrata, a cena pouco importa. Quem será ela? Por que ele a observa a distância? Existiria uma razão para ela não pousar como modelo e ser revelada assim, à distância e em movimento? Artistas são solitários e envelhecem como todos, será que o tempo passou para Monet e sua libido não? Que intrigante. Que fixação em algo que é proibido e não nos pertence.
Canoa sobre o Epte de Monet - créditos MASP |
Foi somente no século XIX que a sociedade evoluiu o suficiente para que artistas pudessem ter sua própria inspiração e deixassem de ser financiados apenas por reis e pela igreja. É aí que começa o romantismo,um dos movimentos culturais mais importantes da civilização ocidental. A partir daí o ser humano passa a desejar mais a liberdade, o amor é sensual, e as mulheres passam a ser mais femininas, a inspiração dos artistas, e deixam de ser Marias.
E a sexualidade adoeceu muito nessa época. Com o êxodo rural muitas moças viraram prostitutas nas cidades. A siphilis se espalhou, foi a AIDS do sec XIX. A sexualidade ficou confinada ao quarto dos pais e aos prostibulos, e a classe trabalhadora reprimida – afinal, sexo para essa classe era so mesmo para ela se reproduzir, como disse Foucault em ‘A Historia da Sexualidade’. O tanto de pornografia pervertida/demoniaca produzida no sec XIX é estonteante. Museus escolhem quais telas/desenhos mostram, lembre-se sempre de que qualquer coisa considerada inadequada eles mantem guardada. Do amor, nasce o canibalismo...
Mais tarde, no Museu D’Orsay, tive uma overdose de impressionismo. Entre uma tela e outra, parei para admirar, de forma impressionada, a tela “Le Toilette” de Toulouse Lautrec, onde uma bela jovem, nua, mostra suas costas. Como são lindas e sensuais as costas de uma bela mulher mostrando sua nudez sem mostrar seu sexo. É sensual, pois sabemos que do outro lado está a parte mais bonita de uma mulher, os seios, mas não podemos ver. Os seios são a inspiração do amor e do artista, parafraseando Pierre August Renoir:
“Um seio é redondo e quente. Se deus não tivesse criado os seios femininos, não sei se um dia teria me tornado pintor”.
Pois é meu chará, não sei se eu teria me tornado um montanhista, embora uma montanha seja quase sempre fria e nem sempre redonda...
Le toilette de Toulouse Lautrec |
A tela de Lautrec, no entanto, não é impressionista, é realista. A bela moça na pintura é uma prostituta dos vários prostíbulos e cabarés que o boêmio pintor frequentava. Lautrec ficou mais famoso pelos cartazes que ele fazia para o Moulin Rouge do que esta arte impressionante.
Estes artistas mudaram a forma de representar o sentimento humano. Eles descobriram e resgataram a Monalisa de Da Vinci, apenas por achar impressionante o sorriso enigmático de Gioconda. Mas não nos enganamos, o segredo está na inspiração dos artistas, pinturas impressionistas estão andando por aí, com suas belas costas encobertas, e um sorrisinho enigmático para quem consegue ver seu conteúdo até os olhos desfocar.