Blog do Pedro Hauck: As montanhas brasileiras são montanhas?

25 de setembro de 2020

As montanhas brasileiras são montanhas?

 Se tem uma coisa que eu sempre deparo é com gente que afirma que no Brasil não existem montanhas. Sabemos que em nosso território estamos em uma região estável tectonicamente e distante dos limites da placa Sulamericana, região ativas onde ocorrem atualmente fenômenos orogenéticos. 

Mas e quando olhamos para o Dedo de Deus, Agulhas Negras, Pico da Bandeira, Pico dos Marins, Itaguaré, Pão de Açúcar, Corcovado, Marumbi, O Frade e Freira, Pico Maior e tantos outros exemplos. Estas formas do relevo não são montanhas? O que dizem os geógrafos, ou melhor, os geomorfólogos que são os especialistas na ciência do relevo?

Antes de começar, precisamos nos ater que nas ciências há visões divergentes e esta divergência é importante para evolução do conhecimento, esta é um premissa do método científico. Existem muitas teses que foram rebatidas e que apesar de não serem mais o pensamento corrente, elas emolduraram um pensamento que foi importante na maneira como enxergamos um objeto. 

Na geomorfologia, um dos pensamentos mais importantes, mas que já é ultrapassado é a visão de William Morris Davis advinda de sua tese "O Ciclo Geográfico" onde o autor enxerga o relevo através de sua origem. Ou seja, uma visão genética. Através disso ele vê a idade das formas de relevo e uma montanha alta, com cume estreito, vertentes escarpadas seriam montanhas jovens, pois teriam surgido a pouco tempo e por isso ainda preservavam sua forma. Em oposição, montanhas arredondadas, com baixa altitude, solos evoluídos seria montanhas velhas, pois elas eram montanhas como as "jovens" no passado, mas o tempo teria erodia-as, deixando-as mais baixas e desgastadas. No final, o relevo "senil" seriam grandes planícies, com rios cheios de meandros.  Nesta visão de Davis, dá para entender que o relevo do Brasil é um relevo mais antigo, não é verdade?

Bom, a tese de Davis é de 1899 e até hoje se ensinam isso nas escolas. É evidente que tudo o que foi produzido depois disso demonstram que a relação de forma e idade não estão totalmente correlatas. Inclusive com o advento de algumas técnicas termocronológicos, pudemos datar as formas de relevo e assim refutamos a teoria davisiana de uma vez por todas. A quem gosta de ir a fundo na origem dos dados, deixo o link do Laboratório de Termocronologia da Unesp de Rio Claro, onde vocês poderão ter acesso a inúmeros artigos em regiões de montanha (Serra da Mantiqueira, Serra do Mar) onde é comprovado cientificamente que estas regiões sofreram com tectonismo recentemente e que estas montanhas tem a mesma idade dos Andes. Então qual o fato de um ser mais antigo que outro?

Aproveito e deixo um artigo, onde eu sou um dos autores, onde utilizo dado indiretos que demostram tectonismo recente na Serra do Mar paranaense: https://revistas.ufpr.br/raega/article/view/29458

Também deixo o link do grupo de estudos de Neotectônica da UFPR, conduzido pelo competente pesquisador Eduardo Salamuni, que foi meu ex orientador de doutorado, onde também há inúmeras pesquisas que demonstram a influencia de uma tectônica recente no relevo da Serra do Mar do Paraná: http://www.neotectonica.ufpr.br/2013/ 

Dentre as pesquisas do grupo Neotectônica, deixo o link da tese de doutorado do Edenilson Nascimento que comprovou que diversos rios tributários na Serra do Mar do Paraná estão condicionados a estruturas evoluídas em eventos tectônicos muito recentes. Esta pesquisa deu origem a inúmeros artigos e as pesquisas continuam...

Como pudemos ver neste breve texto, as pesquisas estão evoluindo e apesar de ter sido importante, hoje a tese de Davis é apenas estudada na esfera da epistemologia da ciência e não no curso de novos conhecimentos. Porém infelizmente ainda muitos geógrafos repetem Davis hoje em dia como se esta corrente de pensamento fosse atual. 

Por fim, para terminar a discussão, nem precisaríamos entrar na discussão genética para afirmar se no Brasil há montanhas. Consultando qualquer dicionário geológico geomorfológico, como é de Guerra e Cunha (tem várias edições), é possível ver que na geomorfologia a forma de relevo montanha está relacionada com sua forma e não origem. Ou seja a ciência do relevo afirma que montanha é uma forma topográfica que se eleva por mais de 300 metros, enquanto que morro é uma elevação inferior a 300 metros. 

Respondendo à pergunta: Existem montanhas no Brasil?

Sim, existem muitas! Abaixo uma pequena amostra:


Pão de Açúcar, 350 metros a partir do nível do mar.

Agulhas Negras
Pico da Fortaleza (ES), espelhado em lago. Foto de Edemilson Padilha - Conquista Montanhismo.

Pico dos Marins.
Corcovado de Ubatuba. Foto Elio Nehls

Soldados de Sebold - SC

Pico Paraná. Mais de 1500 metros de desnível desde a base

Abaixo alguns vídeos interessantes:


Não deixe de ver meu artigo sobre como evoluiu a Serra do Mar:


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